1408
(idem), de Mikael Hafström (EUA, 2007)
por Ronaldo Passarinho Um
pesadelo
Um romancista frustrado, que ganha a
vida escrevendo guias sobre lugares mal-assombrados e vara as noites enchendo
a cara, decide ir surfar. Assim, sem mais nem menos. Mas o que importa é que ele
leva um caldo e quase se afoga. E é isso. Acabou a cena. Que função esse quase
afogamento exerce na trama? Arredondar o personagem, mostrando que ele ainda conserva
um hábito saudável, resquício, talvez, de dias mais felizes? Ou simplesmente gerar
uns míseros segundos de suspense? Até o espectador mais desavisado deve sentir
uma incômoda pulga atrás da orelha. Antes que o filme acabe, certamente voltaremos
à praia. 1408 parece ser mais uma daquelas narrativas
fantásticas em que o protagonista eventualmente percebe que tudo que viveu a partir
de certo momento era ilusão, fruto de um sonho ou de uma alucinação. Esse recurso
já rendeu obras-primas, como Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carroll,
e Um Incidente na Ponte Owl Creek, de Ambrose Bierce (ambos levados mais
de uma vez às telas). No cinema, o recurso ainda tinha algum frescor em 1990,
quando Adrian Lyne lançou Alucinações do Passado. E ainda pode ser usado
com criatividade, como David Lynch provou em Cidade dos Sonhos, de 2001.
Mas anda cansando. A explicação “foi tudo um sonho” ou “foi tudo uma alucinação”
tem um potencial muito alto de frustrar o espectador. A Passagem (2005),
de Marc Forster, deveria ter servido como alerta de que o recurso já está prestes
a se esgotar. Por isso é natural que tenha sido parodiado, em 2006, na série inglesa
de TV Life on Mars. Peyton Farquhar está literalmente
com a corda no pescoço em Um Incidente na Ponte Owl Creek quando imagina
que a corda se partiu. Depois de fugir de seu destino, ele volta para casa, corre
em direção à sua esposa para abraçá-la e “sente uma violenta pancada na nuca.”
É o seu pescoço quebrando ao ser enforcado. Bierce nos traz de volta à ponte,
de onde Farquhar só saiu em sua imaginação. O momento escolhido para o começo
da alucinação justifica a existência do conto. O mesmo vale para Cidade dos
Sonhos, Alucinações do Passado e até para A Passagem, que já
começam com seus protagonistas à beira da morte. Em
1408, depois de sofrer no quarto mal-assombrado cujo número dá título ao
filme, o protagonista acorda na praia onde quase havia se afogado antes. Mas esse
quase afogamento foi inserido de modo tão canhestro na trama que só se justifica
como um ponto aleatório criado pelos roteiristas para explicar os eventos sobrenaturais
como alucinação. Tão canhestra é a inserção que é impossível não desconfiar de
que a volta ao passado do protagonista é a “verdadeira” alucinação. O tempo cancelado
é usado com ironia, mas sem habilidade, e o resultado é previsível. Uma
última “surpresa” nos aguarda. Os eventos sobrenaturais poderiam ter sido, sim,
produto da imaginação do escritor. A alucinação da volta à praia seria uma alucinação
dentro de outra alucinação. Mas, como muitos antes dele, tanto na literatura quanto
no cinema, o protagonista trouxe consigo um souvenir. Neste caso, uma gravação
da voz de sua filha morta. E voilá: mais um lugar-comum é usado sem nenhuma
criatividade em um filme de horror sem criatividade nenhuma. Novembro
de 2007 editoria@revistacinetica.com.br
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