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Macacos (Üç Maymun), de Nuri Bilge Ceylan (Turquia/França/Itália, 2008) por
Paulo Santos Lima Um
garrancho com status de arte
É bastante curiosa,
ainda que não sem explicação, a fidelidade canina do Festival de Cannes a Nuri
Bilge Ceylan, reconhecendo seu trabalho na direção em Distante (2002) e
depois premiando seus dois longas seguintes, Climas (2006) e este Three
Monkeys. Ceylan reproduz uma caligrafia de “cinema chique”, onde a fotografia
é toda bonita, cheia de filtros, os personagens falam muito pouco entre si, há
um estiramento da duração da cena mesmo para os tempos não mortos. Esse “embelezamento”
confunde a atenção para o determinismo medonho que está neste filme. Temos
um político devidamente sebento que, logo no início, atropela por acidente alguém
na estrada e foge da cena do crime – interessa pouco, aqui, dizer que Ceylan mostra
isso com o mínimo de informação, em pequenas elipses e planos sintéticos que nada
têm a ver com o ocorrido. Pois o criminoso, que teme perder as eleições por tamanha
falta, pede para seu chofer assumir o crime, em troca de uma bela soma. Bela também
é a mulher do empregado, que, com o marido já cumprindo seus 8 meses de cana,
pedirá mais dinheiro para o cara, a fim de ajudar o filho boêmio a se encaixar
na vida. Ceylan calca a mão e fará com que o filho volte antes para casa e ouça
a mãe transando com o político, em alegria total. E o filho estava indo visitar
o pai que se sacrificou por dinheiro à família. A mulher gama no político e apanha
do marido recém-liberto. O filho mata o “vilão” e o chofer pedirá para um amigo
pobre dele assumir o crime e poder, até, ficar na cadeia sem passar frio e comendo
melhor. A família, assim, continuará unida e em seu silêncio. Contar
tanto sobre a história do filme é necessário, aqui, para sabermos como Ceylan
a pincela. Nem vale aqui a referência a Infidelidade, de Adrian Lyne, em
que o marido mata o amante da esposa e tudo termina numa boa, como se o mal estivesse
fora da casa. Em Three Monkeys é o contrário: a ruína está dentro do lar
e ali continuará, mesmo que cinicamente. Pois o chofer repetirá o papel do político
e pedirá o impossível para o amigo que é mais pobre que ele – ou seja, que está
em posição inferior, sub, a ele. Nessa verdadeira álgebra que coloca a experiência
humana sob uma fórmula que determina semelhanças, Ceylan confina seus personagens
numa estrutura lógico-didática, e ainda os prende a caricaturas bastante discutíveis.
Assim, o político suará que nem um porco (aliás, porcos suam?), o marido de bigode
dará seus roncos e terá em seu rosto o papel do corno manso e da passividade humana,
a esposa que traiu o marido terá seus seios mostrados numa lingerie que a coloca
como uma prostituta barata que usa seu corpo para também silenciar a desconfiança
do marido. Ceylan
filma tudo isso num quase mau-caratismo, como na cena da esposa suplicando pelo
amor do político, filmada a uma distância que parece mais segura ao diretor do
que a eles: a mulher está completamente exposta ao ridículo, tomando empurrões
do homem e proferindo um diálogo dramático e bastante audível a nós. Então, por
que não filmá-los de perto, como faz ao mostrar o suor escorrendo às cataratas
do rosto do político? Por que não mostrar a mulher traindo o marido, mas deixar
suas risadas aos nossos ouvidos? Por que mostrar o marido roncando? E a apatia
geral, do filho que assiste à TV ao marido e mulher sentados à mesa colada a uma
janela mostrando o mar. Por que optar por uma estética “da letargia”, deixando
as coisas acontecendo no ritmo das lesmas mas ao mesmo tempo optando por elipses?
O
filme parece trabalhar numa desorientação de abordagem que acaba o favorecendo
aos olhares menos atentos: mantém-se um distanciamento, ao mesmo passo em que
sinaliza-se aproximações aos personagens, sempre pela porta do ridículo e dos
tipos, ou caricaturas. Que demônio de cineasta é este que não assume seu olhar
sádico para seus personagens e ainda nos confunde usando tintas “rebuscadas”,
das latas do cinema de arte? Ou alguém acredita que os planos abertos e longos
de Ceylan querem capturar uma biologia climática daqueles espaços naturais, com
seus ventos ruidosos, nuvens em trânsito, o colosso belo do oceano, o chão, ou
mesmo a natureza arruinada do prédio que dá de frente para essa paisagem de cartão
postal? O que isso tem a ver com o drama familiar discutido na trama? No
mais, vale dizer que o filme foi exibido na Mostra em projeção digital da Rain,
que, para resolver a sua impossibilidade de projetar filmes em scope, manteve
a janela quadrada e adotou as barras laterais, como os DVDs em letterbox
que vemos em casa nas TVs 4:3. Na adulteração do digital, a fotografia bonitinha
perdeu sua exuberância, e as barras pretas mantiveram o 2:35 no meio da tela do
cinema, tornando o recorte do quadro mais expoente. O mal digital projetado nos
nossos cinemas serviu, finalmente, para algo mais digno: somar evidências e confirmar
que, até agora e sobretudo nesse horrendo Three Monkeys, Ceylan julga que
a fuselagem vale mais que o motor, ou seja, compor planos “bonitos” é fazer um
bonito cinema. Outubro de 2008 editoria@revistacinetica.com.br
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