A Banda (Bikur Hatizmoret), de Eran Kolirin (Israel, 2007)
por Leonardo Sette

Uma política do olhar

É possível ver A Banda como um ponto de intersecção entre Whisky (2004) e Bagdad Café (1987), contendo ainda pequenas gotas de Elia Suleiman. Esse primeiro filme do israelense Eran Kolirin conta a história de uma banda musical da polícia do Egito perdida num deserto em Israel em busca do lugar em que deve se apresentar: o novo Centro de Cultura Árabe. Como não há vestígio de Centro Cultural algum, os músicos, cansados, com fome e sem um tostão, terminam “prisioneiros” num pequeno vilarejo. Sem opção, começam a se relacionar com os (poucos) moradores do lugar, e o filme desabrocha aí em interessante comédia humanista, repleta de melancolia, carinho e deboche.

O primeiro ponto de interesse aparece na inicial dificuldade de aproximação dos músicos com os moradores, fruto muito mais da simples timidez e inabilidade de cada um que da distância cultural ou das tensões históricas entre o mundo árabe e Israel. Os diálogos entre personagens levemente fora do padrão, exemplares especiais de gente comum, tornam-se hilários (e belos) ao serem em boa parte falados num inglês precário e fragmentado – aquele usado quando nem você nem seu interlocutor falam a língua do outro. Em A Banda, isso ao mesmo tempo reforça e redime o caráter marginal de uma cidadezinha perdida e de uma banda de músicos decadente. Há certamente um pouco de Jim Jarmusch nesses outsiders observados com ternura, só que aqui falta a aura “alternativa cool”, o aspecto marginal sendo mais compulsório que voluntário, mais ligado àquela noção americana de “perdedor”.

“Quando era criança, eu sempre assistia a filmes egípcios com a família, isso era muito comum em Israel no início dos anos 80. Ficávamos colados à tela, vendo intrigas complicadas, amores impossíveis e cafajestes encarnados por Omar Sharif, Pathen Hamam... Era bem estranho, na verdade, para um país que passava metade do tempo em guerra com o Egito e a outra metade numa fria e minimamente cordial paz”, conta o cineasta. Talvez boa parte das virtudes de A Banda existam pelo filme não conter a mínima referência direta a tensões religiosas ou políticas. Fortalecido por sincero mergulho na memória afetiva, Eran Kolirin prefere produzir um elegante gesto pela tolerância, fazendo de seu olhar o ato político em si.

Maio de 2007

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