Across the Universe (idem), de Julie Taymor (EUA, 2007)
por Francis Vogner dos Reis

No brechó

É fato que existe um surto contemporâneo de musicais, tanto no cinema quanto em espetáculos ao vivo. A referência é quase sempre o passado, e não só em sua temática, já que o próprio material com que trabalham são clássicos do gênero. Isso fica evidente nesses sucessos importados como My Fair Lady, Os Miseráveis e O Fantasma da Ópera. Todo esse painel torna filmes como Rent e High School Musical, peças, digamos, de certa originalidade – pois, a despeito de serem bons ou maus, são contemporâneos. Across the Universe vai se filiar a essa corrente, juntamente com Hairspray.

Ok, Across the Universe é um musical contemporâneo. Em termos de novidade estética isso quer dizer alguma coisa de positivo? Não exatamente. O que temos no geral é uma coleção de histórias que se encontram para que as cenas se façam por meio de números musicais. A substância dessas tramas não compromete seu objetivo principal, porque, diferente de algo como Evita, não existe outra pretensão dramática que não a do espetáculo. Across the Universe, assim como seus antecessores Rent e High School Musical, não tem medo ou vergonha do gênero que adotaram, assumem o musical completamente, mesmo que se tenha ali pouca intimidade.

O filme de Julie Taymor, apesar do seu pé no passado (ele é feito todo de músicas dos Beatles e se passa na década de 60), tem uma proposta, enquanto gênero cinematográfico, muito calcada na idéia de ser uma ópera pop que leve às novas gerações um ideário sessentista – não só no que diz respeito às músicas dos Beatles, de modo específico, mas às agitações da contracultura, de maneira mais ampla. Na trama, Jude é um inglês que numa incursão nos Estados Unidos em busca do pai e se apaixona pela americana Lucy, irmã de um amigo.

A partir disso temos de tudo: estilo de vida beatnik, bandas de rock, grupos de negros em luta pelos direitos civis, rebeldes universitários maoístas, guerra do Vietnã, drogas, comunidades alternativas, amor livre, pop art e... músicas dos Beatles. Muitas seqüências são feitas para ilustrar canções como Strawberry Fields Forever, All We Need is Love, Oh Darling e Revolution (que está na sequência, involuntariamente, mais hilária do filme), assim como toda uma iconografia ligada aos Beatles e à contracultura é adotada por uma mise-en-scène mais preocupada em chafurdar nos signos do que conceber uma estética que construa alguma coisa de efetivo além da exposição de tipos e estilos dos anos sessenta.

O musical de Julie Taymor se parece com um desfile de brechó “minha vó tinha”: todas as imagens não passam somente de formas do passado reduzidas a um significado generalista, de sentidos equivocados e de alegorias muito pobres, senão ridículas (como toda a sequência do alistamento militar). Não existe ali um projeto para filmar de modo convincente as coreografias, existe uma necessidade de exposição destas, somente. A diretora Julie Taymor não nos “mostra” nada: ela tem o distanciamento necessário só para nos “demonstrar” – o que, em se tratando de cinema musical (em que a câmera é envolvida essencialmente na coreografia), é imperdoável. Entre os gêneros, o musical é o que depende mais da agilidade da câmera, porque em sua história, o bom musical é o que se faz “com a câmera”, e não “para a câmera”. Não é o caso deste aqui.

Outubro de 2007

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