in loco - cobertura dos festivais
Adoração (Adoration), de Atom Egoyan (Canadá, 2008)
por Julio Bezerra Receita
de bolo
Quando um estilo vira uma camisa de força?
Hoje, tratar do cinema do canadense Atom Egoyan é passar invariavelmente por essa
questão. Adoração gira em torno de Simon (Devon Bostick), um jovem canadense
de origem libanesa que mora com um tio desde que perdeu seus pais num acidente
de carro. Em plena aula de francês, ele lê uma redação em que seu pai seria um
terrorista e teria planejado a morte da mulher, ainda grávida de Simon. Mesmo
sabendo que a história é mentirosa, sua professora (Arsinée Khanjian, mulher e
colaboradora de longa data de Egoyan) estimula o aluno a levar o relato adiante.
A idéia, segundo ela, é entender até aonde vai a tolerância das pessoas à volta
dele. Em Adoração, o cineasta canadense fala mais
uma vez das tensões e dificuldades de se deparar com as coisas inexoráveis do
mundo. Como lhe é de praxe, a estrutura do filme se apresenta como um conjunto
de camadas sucessivas, muitas vezes aparentemente desconectadas, que se escalonam
em torno de dilemas familiares e amorosos e convergem em algum ponto no fim. Egoyan
ainda arruma espaço e tempo para desfilar comentários sobre os efeitos da tecnologia
na esfera individual, os deslocamentos geográficos e culturais, as questões de
identidade e da própria representação. Mas,
na verdade, apesar de suas camadas e “nobres” questões, Adoração se faz
numa linha temática e narrativa um tanto simplista. O que talvez nem fosse lá
um problema se o paralelismo das histórias não falasse sempre mais alto, se não
conseguíssemos antecipar as gradativas revelações nas quais o roteiro se encontra
calcado, se as motivações e atitudes dos personagens não fossem tão evidentes.
Todos os personagens são claramente funcionais, estão ali a serviço das maquinações
pedagógicas de Egoyan. Basta reparar na manipuladora Sabine. E quanto mais tenta
transmitir peso ou suspense aos dramas e imagens narrados, mais perdidos e vagos
parecem seus personagens. O grande problema é que
Egoyan nunca consegue terminar o que começa. Adoração deseja com todos
os seus elementos fazer a coisa certa, ser sério, contundente e confiável. Mas
o realizador não parece estar realmente certo do que quer dizer e recheia seu
filme de informações desnecessárias e soluções visuais e narrativas pretensamente
modernas. A utilização das novas mídias, por exemplo, é vaga em seus propósitos
e relações com a narrativa. Aos poucos, o sistema de Egoyan rui de forma patente,
como se a receita se sobrepusesse ao bolo. Outubro
de 2008 editoria@revistacinetica.com.br
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