nas locadoras
Férias Frustradas
de Verão (Adventureland),
de Greg Mottola (EUA, 2009)
por Fábio Andrade
Bem-estar
Não é de espantar que, após localizar seu nicho
com Superbad, Greg Mottola sustente, em seu filme seguinte,
o olhar sobre a classe média adolescente norte-americana. Reaparece,
aqui, o desenho dedicado da geografia suburbana dos EUA, com suas
ruas silenciosas, as casas em putrefata aspiração de perfeição,
e as angústias comuns de quem deseja – ou está na iminência de
– ver o mundo maior, mais amplo, menos concentrado em sua intimidade.
O que surpreende, porém, é a chave pela qual Greg Mottola se reaproximará
deste universo: enquanto Superbad extrapolava sua falta
de modos para criar uma comédia adolescente com um vigor desaparecido
desde os melhores dias de John Hughes, Adventureland –
mesmo quando engraçado e leve – é de surpreendentes tons menores,
por vezes parecendo uma versão melancólica de Jovens, Loucos
e Rebeldes, de Richard Linklater.
Onde antes predominava o binômio estilístico e
semântico de retração-expansão (Michael Cera+Jonah Hill – que
aqui encontram paridade nos coadjuvantes Bill Hader+Kristen Wiig),
Adventureland privilegia a retração, em nome da instalação
do espectador nos espaços e humores das personagens, possibilitando
uma vivência conjunta. Há o desejo de partir, a necessidade de
ficar, e um emprego temporário em um parque de diversões que poderá
financiar a crença em uma nova vida. Esse ínterim, esse pequeno
e animado purgatório representado pelo Adventureland, se revelará
o Ishmael de Moby Dick, a testemunha cabal do processo
de transformação que acontece enquanto as personagens não
se dão conta, ocupadas sonhando com o passado ou com o futuro.
Adventureland – esse espaço fechado e controlado – é o limite:
limite entre duas idades, entre realidade e desejo, mas também
entre o ser e seu devir. Não há espaço simbólico mais adequado,
e o porquê aparecerá sintetizado em um belo plano que recorre
ao longo do filme, dividido ao meio pelo parque iluminado e seu
reflexo no rio. Pois a adolescência é menos a passagem da infância
para a vida adulta, e mais o momento em que ambas as idades convivem,
encontrando pontos em comum. As personagens conhecem
os bastidores do parque – sabem dos truques que fazem os jogos
impossíveis, e da falta de segurança escondida no bom acabamento
dos brinquedos –, vêem todas as cordas que animam as marionetes;
mas, ainda assim, encontram um encanto naquelas luzes coloridas,
na promessa de suspensão do Chapéu Mexicano, na cadência ritmada
do carrossel e de suas variações mais extremas, no risco controlado
de uma volta de montanha-russa.
Esse
lado decadente e luminoso do mundo experimentado é de uma expressividade
simbólica rara para personagens que, como todo adolescente, buscam
os pequenos prazeres que bóiam sobre o tédio: as luzes do parque,
os faróis dos carros, os fogos de artifício, a duração de uma
canção, o lume de um baseado, as janelas acesas de Nova York.
São prazeres que aparecem plenos, mas na efemeridade de um brilho
que está sempre prestes a se extinguir e que precisa ser experimentado
plenamente em sua breve duração: os fogos de artifício se apagarão,
o parque fechará ao final do verão, a transitoriedade eventualmente
encontrará local de repouso, a canção e as drogas chegarão ao
fim, e Nova York logo deixará de ser promessa de futuro e se conformará
à realidade presente. Retomando esses momentos pela memória de
uma auto-biografia, Greg Mottola encontra síntese da distância
deste “olhar para trás” no desfoque que joga sobre essas luzes
– tornando-as mais belas e misteriosas, em inacessível difusão.
A juventude é simbolizada por um infinito e insaciável querer.
A montagem um tanto apressada de certas sequências contraria o
desejo de instalação naquelas vidas e espaços, mas o faz com um
sentido quase metalinguístico, onde a vontade de permanecer é
sempre censurada por uma convenção externa, dando a cada corte
abrupto da montagem a violência do coito interrompido pela chegada
dos pais, da esposa, do guarda do estacionamento ou dos créditos
finais.
Esse
desequilíbrio – talvez nem de todo consciente – é responsável
em grande parte pela instalação do espectador no filme. Pois Adventureland
é tão narrativo quanto sensorial, conferindo igual atenção aos
seus cavalos de roteiro e suas bolhas climáticas, suas gags
e canções. Assim como a adolescência permite o contato da infância
com a vida adulta, Greg Mottola estabelece uma ponte entre Superbad
e Paranoid Park – sem a jocosidade sem fim do primeiro,
nem a solenidade auto-suficiente do segundo. Como suas personagens,
o filme parece confrontar a bifurcação do cinema norte-americano,
entre a vocação para a comunicação direta com o grande público
e uma consciência da insuficiência dessa eficiência em dar conta
de uma sensação de mundo atual – mesmo quando, como no caso, é
um filme de época. Essa convivência fica explícita tanto em suas
matrizes – igualmente Chevy Chase e Millennium Mambo –
quanto na maneira das personagens se comportarem diante das crises,
sempre serenas, “maduras”, pragmáticas e sensíveis à mobilidade
dos humores umas das outras. Adventureland não é um filme
adolescente, como Superbad, mas sim uma releitura adulta
da adolescência, onde as personagens são moldadas por uma escritura
já distanciada, como as memórias são transformadas ao longo dos
anos pela parcialidade da lembrança.
A
prevalência da escritura sobre o memorialístico é o que faz com
que Adventureland nunca caia em um elogio naif da
pureza, como se o parque e tudo que ele simboliza fossem o paraíso
perdido de um futuro frustrado. Ao contrário, Greg Mottola escreve
essas personagens sempre expondo sua ambiguidade, em uma visão
que, mesmo quando parcial (pois é um filme em primeira pessoa),
nunca é unilateral. Essa decisão de escrita funciona menos por
tornar as personagens “mais humanas”, e mais para fazê-las realmente
interessantes, múltiplas, surpreendentes e irredutíveis – em um
desdobramento arquetípico que parece sintetizado no cinema contemporâneo
pelas constantes inversões de Síndromes e um Século, de
Apitchatpong Weerasethakul. Há o parque, mas há também o mundo
fora dele: o pai alcoólatra, as dificuldades financeiras, a mãe
que faleceu, o trauma que faz cair os cabelos. Greg Mottola constrói
uma vida em decadência que está em contraste constante com a potência
do porvir – a mudança para a cidade grande com todas as suas possibilidades,
mas também o abandono de um passado que, mesmo afetivo, definha
lentamente. É com isso que o diretor cria um mundo que desejamos
“habitar”, pois todas aquelas personagens dão indicações claras
de que há muitos lados de suas vidas e personalidades que não
temos tempo de conhecer de todo ao longo da projeção. Em toda
sua imperfeição, Adventureland nos deixa com a vontade
aguda de ficar ali dentro mais um pouco, tomando parte daquelas
vidas, explorando aqueles espaços. Quantos filmes recentes, perfeitos
ou não, foram realmente capazes de nos deixar com essa mesma sensação?
Junho de 2010
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