Alpha Dog (idem), de Nick Cassavetes
(EUA, 2006) por Paulo Santos Lima
O filme de Nick Há uma série de
procedimentos em Alpha Dog que parecem um eco fantasmagórico do que o genial
John Cassavetes, pai do diretor, fazia na direção de seus longas. Mas Nick Cassavetes,
nessa emulação que na prática (na tela) soa mais sugerida que exercida, nega seu
pai. Se até há uma certa atenção às interioridades e anéis familiares, por exemplo,
ou mesmo uma tentativa desajeitada de liberalização na direção de atores (algo
que nos filmes de John surgia in natura, mesmo sob forte bastão de comando
do diretor), ainda assim não adianta: Nick Cassavetes respeita os gêneros cinematográficos,
segue piamente o mapa, enquanto seu velho apropriava-se dos gêneros para fazer
seu cinema, seguir sua própria rota. Nessa filiação ao cinema de gênero, espera-se
que quanto mais supervalente seja o roteiro de um de seus filmes, melhor ficará
na tela. Mas não: quanto mais avança a um cinema francamente de gênero, com trama
e narratividades, mais parece que Nick tenta timbrar John em seu cinema. Porque,
claro, para Nick, John Cassavetes é um “gênero”. Se
John colocava um grande acontecimento em meio a uma correnteza de eventos naturais,
entre brigas, bebedeiras, saídas inúteis ou show de striptease (tornando
tudo um mesmo elemento no livre fluxo narrativo), Nick enxerta esses elementos
de uma tradição narrativa. Assim, se em A Morte do Bookmaker Chinês John
pegava o filme de gângster para diluí-lo no “viver a vida” do protagonista Cosmo
Vitelli, Nick submete todos os acontecimentos de seu Alpha Dog a uma estrutura
de filme de gangues juvenis, algo entre um gangsta movie branco e um filme
de Larry Clark. Mas, na má emulação que faz do pai, permite-se certas “digressões”,
que resultam em má direção. Na prática, os filmes de Nick, tão no meio do caminho
estão que acabam parecendo apenas obras incertas, mal executadas, construídas
sob uma péssima caligrafia de cena e dramaturgia. Alpha
Dog, grosso modo, é um filme de juventude perdida que fala sobre um grupo
de jovens de classe média em Los Angeles – pequenos traficantes, todos consumidores
de drogas e alguns filhos de traficantes maiores. O mesmo vigor com o qual o filme
constrói o suspense sobre o que rolará com os personagens será utilizado nos desvarios
do roteiro assinado por Nick: ao invés de uma naturalização daqueles seres em
seus ambientes, seus traços serão mostrados com certo sensacionalismo, ou pelo
menos batendo continência ao cinema de gênero. É assim que teremos algumas narrações
em tempo presente contando sobre a desventura dos jovens, desvendando uma imprecisão
narrativa brutal, quase tão grande quanto a seqüência-painel com a bela Wild
Is the Wind de David Bowie dando conta de uma ou duas horas dos personagens
(isso num filme que tem seu tempo de ação concentrado nos grandes acontecimentos
num curto período de tempo). Johnny
Truelove (Emile Hirsch), patife covarde que não pensa duas vezes em seqüestrar
o irmão de 16 anos de um cliente devedor, não é algo além de um vilãozinho asqueroso.
A opção de colocar Bruce Willis como seu pai funciona como uma injeção de sal
grosso, enxerto brutal no filme. A inclusão da mãe do seqüestrado (Sharon Stone)
é mais emblemática: não só é o típico determinismo acerca da repressão e alheamento
paternos criando traumas e desajustes em seus filhos (um julgamento irmão ao dos
filmes de Larry Clark e contrário ao respeito de Gus Van Sant com os pais e filhos
de seus longas) como também puxa para si o tal aspecto “pessoal” do cinema do
pai Cassavetes, sem transcender a mera colagem: Sharon Stone repetiu o papel da
mãe de Nick, Gena Rowlands, em Gloria, na refilmagem de Sidney Lumet. Apesar
de utilizar toda a sorte de tecidos estéticos, não se pode negar que Alpha
Dog tem certa pulsação rítmica, que, mesmo sob fibrilações, acompanha a taquicardia
delinqüente de seus personagens. Há alguns dados até notáveis, como o pai de um
dos rapazes, que pernoita com duas belas mulheres, generosamente convidando seu
filho e amigo a entrarem na brincadeira – para na manhã seguinte, já de terno,
passar a lista de obrigações. Essa complexidade está mais que bem guardada na
grande reserva do filme, Justin Timberlake, que faz Frankie, parceiro de Johnny.
Serão dele, revelando-se grandessíssimo ator (aqui, pelo menos), e de Anton Yelchin
(que faz o seqüestrado, Zack) os momentos de beleza do filme. Tomando conta de
Zack, empurrando-o à sua primeira aventura sexual, tomando afeição pelo moleque
ao mesmo tempo em que avista o penhasco para o qual o bando todo está indo logo
à frente, Frankie é uma imagem que transparece uma verdade de cena. Não como a
dos personagens de John Cassavetes, sempre livres das rédeas da trama, mas alguém
mais franco num filme que determina a função imediata de seus personagens. Com
Justin e Anton acima, e resto do elenco segurando bem as pontas, poderia se aviltar
que Nick Cassavetes é, pelo menos, um tremendo diretor de atores. Mas do que vale
um bom ator perdido numa cascata imprecisa de imagens mal diagramadas? Um bom
ator num filme estilisticamente árido é como um filho sem pai. Como Nick Cassavetes,
que teve junto a ele a presença de seu papai John, mas cujo cinema continua órfão
de um pai orientador para amadurecer seu estilo próprio. editoria@revistacinetica.com.br
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