A Negociação (Arbitrage),
de Nicholas Jarecki (EUA, 2012)
por Filipe Furtado
O
apelo da corrupção
Há uma tradição no cinema americano
de “boas intenções” em realizar filmes
de corrupção centrados na figura de um corruptor
carismático. Espécie de filho bastardo do filme
de gangster (não é por acidente que o próprio
Scarface, Paul Muni, foi sua primeira grande estrela), o sub gênero
substitui sua excitação pela pompa do ultraje velado
pelos crimes e excessos do seu protagonista, se vendendo nas costas
da presença de cena de um Kirk Douglas ou Paul Newman.
É um tipo de filme na melhor das hipóteses esquizofrênico,
quando não desonesto, completamente dependente do apelo
da canalhice que se propõe a denunciar.
O cineasta Nicholas Jarecki filia diretamente este seu longa de
estreia sob esta tradição, mas faz algumas apostas
que tornam A Negociação um exemplar ao
menos interessante no gênero.
A principal delas é justamente dissolver muito da desonestidade
com que este tipo de ficção se apresenta ao assumir
que a narrativa se concentra mesmo toda sobre seu protagonista,
um grande investidor de Wall Street (Richard Gere) desesperado
para vender suas empresas antes que descubram que ele vem fraudando
seus balanços. Se existem personagens prontos para mostrar
indignação diante da crença de Gere de que
ele merece escapar ileso de toda e qualquer situação,
Nicholas Jarecki espertamente os mantém marginalizados.
Não sobra ao espectador a saída fácil de
fingir se identificar com algum personagem pronto a reprovar Gere;
pelo contrário, Jarecki trabalha na direção
de devolver o subgênero à tradição,
tornando A Negociação pouco mais que um
filme de gangster de colarinho branco. Se em muitos desses filmes
identifica-se com o corruptor, mas finge-se que não,
A Negociação ao menos tem o mérito de
devolver as coisas ao lugar: sua estrutura garante que “se
torça” para que Gere literalmente compre sua inocência.
Sobra ao espectador lidar com seu maior ou menor desconforto em
ser colocado nesta posição.
A
outra aposta certeira de Jarecki é justamente entregar
o filme a Richard Gere, ator que, embora associado sobretudo a
papéis românticos, se apresenta como figura mais
envolvente justamente quando encarna tipos corruptos como seu
empresário aqui. Há uma abrasividade no narcisismo
da presença de Gere que o torna ideal para encorpar corruptores,
ao mesmo tempo constantemente charmoso e dotado de uma consciência
da sua posição de intocável que torna-o permanentemente
incômodo. A Negociação é todo
modulado em torno da figura de Gere, e, se Jarecki extrai certa
ambiguidade da sua dramaturgia, isto se deve muito a sua centralidade
na ação.
Estas apostas garantem
que o filme permaneça sempre um objeto envolvente dentro
do universo frequentemente desinteressante do cinema de boas intenções,
e compensa muito as dificuldades que Jarecki tem em conduzi-lo.
A Negociação frequentemente trava entre
as boas ideias da sua dramaturgia e a burocracia com que Jarecki
a apresenta; falta ao filme uma autenticidade de detalhe, como
todos os grandes gestos da sua narrativa tivessem sido pensados,
mas nunca o pequeno acúmulo de movimentos que lhe sustentem.
Jarecki se desvia da retórica boba, mas não do apelo
dos grandes conceitos. Seu filme nos envolve com convicção
no seu universo amoral, mas lhe falta a convicção
para mergulhar nele e extrair dali um retrato forte que vá
além do caricatural.
Setembro de 2012
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