Arranca-me a Vida (Arráncame la vida),
de Roberto Sneider (México, 2008)

por Fábio Andrade

Quase cinema

Roberto Sneider, diretor de Arranca-me a Vida, tem como ponto alto de sua trajetória cinematográfica a assinatura na produção de Frida, de Julie Taymor. Além disso, seu novo filme entra para a história por dois outros motivos: é o candidato do seu país para o Oscar 2009, e é a produção mais cara da história do cinema mexicano. Pode-se fazer, daí, alguma idéia de o que vamos encontrar: melodrama novelesco cheio de gruas, alguma nudez pudica, um ou outro trecho de cinejornal reencenado em preto e branco, e um suposto fogo que teima não sair pelas ventas. Não existe um plano marcado por qualquer inquietação, e o ato de filmar se torna válvula de um desejo de correção histórica.

O filme é baseado no romance de Ángeles Mastretta, inspirado livremente na vida do político mexicano Maximino Ávilo Camacho (irmão do ex-presidente Manuel Ávila Camacho). O centro do drama, porém, é Catalina Guzmán (Ana Claudi Talancón), moça tirada da terra pelo general Andrés (Daniel Giménez Cacho), que lhe apresentará o mar, o sexo, o casamento, a infidelidade, a injustiça, o ciúme, e outros vícios de gente grande. Existe, em Arranca-me a Vida, o desejo claro de retratar o martírio feminino dentro da estrutura oligárquica terceiro mundista, como se toda Catalina Guzmán fosse uma Evita em potencial. Sua dignidade natural se sobrepõe à corrupção do marido, e seu casamento se torna uma forma de sobrevivência ("Existem presidentes viúvos, mas não presidentes divorciados. E eu quero ser presidente", ameaça Andrés em certo momento). Ela não tardará a se apaixonar por um maestro, sujeito barbado apaixonado pelas artes e pela revolução.

A patetice da lógica de Arranca-me a Vida é gigantesca, pois ao tentar desenhar sua personagem com contornos supostamente dignos, Roberto Sneider a afunda na mais absoluta submissão. Pois Catalina é amante de um artista, não uma amante das artes; amante de um revolucionário, não da revolução. É um Maria Antonieta às avessas, pois onde Sofia Coppola percebia o ócio como mola de subversão histórica, Roberto Sneider faz romance. Em dado momento, ela pede ao seu amante que a ensine a tocar piano. Ele coloca as mãos dela sobre as dele, para dar-lhe a impressão de que ela está a tocar. Mas os dedos de Catalina sequer encostam nas teclas. Ambos, personagem e diretor, parecem plenamente satisfeitos. De homem em homem, a mulher segue condenada a ser esposa. Até que Andrés mata o amante da esposa, e ela decide envenenar o marido. Em uma narração em off, Catalina se diz tomada pela sensação de que sua vida irá, enfim, começar. Enfim vemos a personagem tomar as rédeas da própria vida, fascinada pela potência do futuro. Mas isso, claro, não interessa a Roberto Sneider: é hora de o filme chegar ao fim.

Setembro de 2009

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