O
Banheiro do Papa (El Baño del Papa), de Cesar Charlone e Enrique Fernández
(Uruguai/Brasil/França, 2007) por Paulo
Santos Lima Girando
muito rápido
Ambientado em 1988, na pequena
cidade de Melo, fronteira Uruguai-Brasil, O Banheiro do Papa é um filme
não só de sua época, como um que quer falar justamente sobre a atualidade. Não
bem nessas palavras, mas é isso que César Charlone, que co-dirige o longa ao lado
de Enrique Fernández, deixou claro numa das sessões da 31a Mostra.
Sua idéia era mostrar seu Uruguai querido, e, evidentemente é o Uruguai de hoje,
porque Charlone fala do presente. O detalhe é que recorre a um momento emblemático
para deixar discorrer questões afetivas e dramáticas sobre os seus. Beto
é um contrabandista que malha a pedaladas umas tantas dezenas de quilômetros para
traficar bens de consumo (pilhas, mantimentos; tudo coisa do bem, que fique claro)
entre Brasil e Uruguai, sob o risco de uma polícia fronteiriça corrupta e de um
fiscal atroz. A visita do Papa ao Uruguai, em 1988, é o eldorado para as pessoas
de Melo, pois poderão vender toda a sorte de coisas para os brasileiros que cruzarão
a fronteira ao encontro com o João de Deus, conhecido como Papa João Paulo II.
Não somente a ingenuidade popular (que assim é mostrada a nós pelo filme, um tanto
ambíguo na abordagem, às vezes superior, meio olhando do alto e já sabedor do
equívoco dos pobres de Melo), mas a também mídia é responsável pela falsa esperança
– o que aliás é ressaltado, com a presença marcante da TV no bar central. Em
meio a essa suave “crítica política” – suave mesmo, até porque, ao final, um diálogo
diz que o Papa não tinha conhecimento do que Melo estava passando naquele dia
(não mesmo? o Papa não tinha olhos para ver as coisas?) – há o episódio da latrina,
que dá título ao longa. Se alguns dali armam-se com medalhinhas de santos e flâmulas
comemorativas, outros com barraquinhas de chouriços e outros quitutes, Beto decide
construir um banheiro a fim de matar as necessidades dos viajantes. Ele aumenta
o número de viagens contrabandistas, força à beça o seu joelho maltratado pelas
pedaladas com bicicleta super-carregada, e mesmo assim falta-lhe dinheiro para
finalizar o WC, com a dita privada. É sobretudo acerca dessa
questão, e também da representação bem interessante que Charlone-Fernández fazem
daquele povoado, que o filme ganha semblante de comédia popular italiana dos anos
50. Interessante, mas um tanto tumultuado pelo excesso de assuntos sendo tratados
a velocidade supersônica: a filha de Beto e seu sonho de ser uma apresentadora
de TV, o que a coloca em conflito com o pai, que é um tanto mais rústico e preso
à terra, a já citada mídia, a penúria latino-americana desprezada pelo Primeiro
Mundo, a ameaça que corre o protagonista nessas viagens vãs, a conseqüente crise
matrimonial de Beto e sua mulher etc. Esse ritmo de hélice
de liquidificador em potência máxima encontra sua imagem no estilo de Charlone,
cuja fotografia e operação de câmera é dos mais expressivos hoje. Expressivo,
aqui, usado como “expressão”, marca que se faz reconhecível numa primeira olhada
(ainda que não seja única), uma vez que tanto os feitos mirabolantes de Charlone
em Cidade de Deus criaram uma certa escola seguida por muitos; como a semelhança
com alguns trabalhos anteriores, como o de Rodrigo Prieto em Amores Brutos,
colocam-no mais como uma expressão contemporânea. E, aqui meio passando pelo que
Rodrigo Oliveira fala em seu artigo na Contracampo para comentar outras coisas,
o filme se faz contemporâneo, do seu tempo, pela evidência da própria imagem,
com montagem ágil, filtros de luz, fotografia granulada, câmera na mão que a tudo
olha, mas com foco nos humanos – algo seguindo a linha de cinema “humanista”,
ainda que por sorte tenha pouco de humanismo e mais um esforço pelo humano. A
pauta política é, certamente, o que mais prejudica o filme, porque o respeito
à especificidade daquelas pessoas (que são elas próprias, entrosadas com aquele
espaço diegético, o que é uma virtude deste filme) não consegue deixar (e talvez
nem queira) de emular toda uma condição maior e a partir daqueles ali. Com uma
câmera usada num estilo tipicamente “latinomaricano-social” para mostrar pessoas
desabastecidas, não há como não conectar assuntos que estão ali apontadas no filme,
e que estão também na pauta da política mundial. Mas é justamente
fluidez veloz de acontecimentos, traço também bastante “contemporâneo” (cujo ótimo
exemplo é o que Eric Gautier faz com Assayas e o péssimo exemplo está nos filmes
de Michael Bay), que deixa as coisas bastante banais, em que a experiência dos
personagens se faz gráfica, pictórica, circunscrita ao momento de cena que já
é bastante poluído com o tumulto do thriller, drama pessoal, fábula política e
tudo mais que este O Banheiro do Papa nos mostra freneticamente. Trata-se,
em suma, de um filme de seu tempo: assinado por alguém, César Charlone, que é
dos grandes diretores de fotografia de seu tempo, com todas as felicidades e problemas
que isso traz consigo. Novembro de 2007 editoria@revistacinetica.com.br
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