Beaufort (idem), de Joseph
Cedar (Israel, 2007)
por Eduardo Valente A
imagem vale mais que os personagens
Para muitos, qualquer
situação de guerra é, em si, uma situação absurda. No entanto, aquela em que se
encontram os personagens de Beaufort é particularmente surreal: tratam-se
de soldados israelenses enclausurados num forte em território libanês, num momento
em que Israel já havia decidido deixar suas bases naquele país, mas ainda não
havia estruturado o plano de evacuação. Ou seja: eles são soldados sem missão,
e assim, para além da revolta/questionamento normal a vários daqueles que se encontram
em meio a uma guerra, eles vivem uma situação ainda mais paradoxal – o de inimigos
de uma guerra terminada. Assim, eles são como autênticos alvos estáticos para
os foguetes e morteiros do Hezbollah: postados no forte, no alto de uma montanha
cheia de História (e qual montanha no Oriente Médio não parece ser assim?), recebendo
balas sem poder revidar, sem poder atacar as vilas próximas. As
primeiras imagens de Beaufort já deixam claro que o principal assunto do
filme é justamente este “estado de exceção”, um verdadeiro teatro de guerra do
absurdo. O forte é filmado como um labirinto de túneis e salas exíguas, por onde
os soldados passam como verdadeiras formigas sem direção, na maior parte do tempo.
É o que Beaufort tem de melhor: um impressionante trabalho de iluminação,
direção de arte e desenho sonoro que empresta ao filme uma curiosa semelhança
com os filmes passados em naves espaciais apertadas, na tradição de um Alien,
o Oitavo Passageiro. No entanto, aqui não existe o elemento alienígena ameaçador
em cena, tão somente as suas agressivas encarnações na forma de minas, mísseis
e bombas que caem sobre a cabeça dos soldados constantemente – aliás tão constantemente
que dão ao próprio evento uma banalidade assustadora. É um
fato que a situação em que se encontram os soldados é assunto cinematográfico
por si mesma e que Joseph Cedar consegue construir climas muito bem com um trabalho
cuidadoso tanto na imagem quanto no som. No entanto, aonde o filme encontra seu
calcanhar de Aquiles é na
necessidade de urdir uma dramaturgia a partir dos soldados ali presentes, e aí
quase sempre Cedar parece apelar para as soluções mais simples e imediatas de
construção psicológica de personagens e de resolução de conflitos. De fato, todos
os eventos “traumáticos” do filme, como as mortes de três soldados ao longo da
duração, parecem extremamente previsíveis dentro da lógica que Cedar vai montando
em sua dinâmica de apresentação e interrelação entre os soldados em cena. Esta
escolha acaba dando uma sensação de “lógica” para o absurdo da guerra que vai
frontalmente contra o caos e a forma aleatória como as coisas efetivamente se
dão ali. Que fique claro que por previsível não necessariamente
falamos do efeito de choque causado no espectador quando do momento destas mortes
em cena (como a primeira de todas, efetivamente impressionante), mas principalmente
ao que elas constroem como discurso e moral sobre o estado de guerra. Porque o
fato é que, uma vez que estamos verdadeiramente instaurados dentro daquele espaço,
em suas regras completamente surreais, precisamos de muito pouco para sentir aquilo
que interessa ao filme constatar (a insanidade do dispêndio de vidas em uma situação
destas). E aí, tudo que Cedar soma a isso como dramaturgia (onde o exemplo principal
pode ser a fala do pai do desarmador de bombas num programa de TV, vista com uma
câmera que solenemente se aproxima da tela do aparelho) parece tão somente redundante
e diminuidor do efeito inicial em si. Novembro
de 2007
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