Antes que o Diabo Saiba que Você Está Morto
(Before the Devil Knows You're Dead),
de Sidney Lumet
(EUA, 2007)
por Eduardo Valente

It's an evil world, after all

Embora Sidney Lumet seja um diretor com décadas de serviços prestados aos grandes estúdios americanos, e este seu novo filme traga no elenco Philip Seymour Hoffman, Ethan Hawke, Marisa Tomei e Albert Finney, Antes que o Diabo Saiba que Você Está Morto é um filme americano realmente independente – o que já fica mais que claro no primeiríssimo plano, de uma frontalidade na situação sexual que apresenta como nenhum filme verdadeiramente hollywoodiano poderia ousar ser. Desde ali já estamos “avisados”: o novo filme de Lumet não irá dourar a pilula para o espectador.

E isso é apenas o começo, pois depois da sequência de abertura (que ao longo do filme entendemos ser uma lembrança com peso quase de um sonho – um idílio, que é tudo que o filme não terá mais espaço para vermos), entramos direto na trama de um assalto fracassado a uma joalheria. Logo a narrativa começa a ir e vir no tempo, e a princípio nos sentimos como se Lumet estivesse chegando um pouco tarde demais na onda tarantinesca de misturar tempos, personagens e situações – o que gera um certo incômodo enquanto parece que o motivo para este formato seria o de nos apresentar alguma grande “sacada” de roteiro.

No entanto, este está longe de ser o objetivo de Lumet, como longo entendemos. De fato, sua narração em camadas, que a cada “capítulo” volta ao passado de um personagem diferente, vai nos permitindo rever determinadas cenas sob um outro contexto, onde os mais banais acontecimentos de um suposto “filme policial” vão tomando contornos de verdadeira tragédia grega familiar. Logo os personagens parecem apenas peões de um grande plano (infernal – daí o título, aliás), onde o grande “tema” é expresso por um curioso personagem secundaríssimo: “O mundo é um lugar mau”, dirá ele, já com a narrativa bem avançada.

Lá pela metade do filme, o espectador já não tem a menor esperança de possuir um personagem em cena com quem possa realmente se identificar no sentido clássico do protagonista positivo (basta ver o papel nulo jogado pela instituição policial na trama). Somos expostos a uma família em pedaços, cheia de esqueletos no armário, e que vai se desfazendo fisicamente na nossa frente – e aqui notemos a impressionante dedicação dos atores, começando com uma Marisa Tomei apresentando uma despudorada nudez quase onipresente, passando por um Albert Finney arrasado e à beira do proposital patético, um Ethan Hawke apatetado e finalizando com Philip Seymour Hoffman numa composição um pouco over the top demais, mas ainda assim bastante corajosa.

Antes que o Diabo... é, antes de tudo, um filme extremamente desagradável – inclusive visualmente, com sua fotografia que vai ficando gradativamente mais dura, com suas sombras fortes e pouco bonitas. Seu realismo no trato com o gênero lembra o Lumet de Um Dia de Cão e afins, e o filme realmente nos parece um produto de uma Hollywood anterior, soando saudavelmente fora de seu tempo hoje.

Setembro de 2007


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