Bem-Vindo (Welcome), de Philippe Lioret
(França, 2009) por Cléber Eduardo
O
direito ao impasseAs primeiras imagens de Bem-Vindo
dizem pouco de seu enfoque. Um rapaz atende um telefonema para sua irmã e, apesar
do teor fragmentado da conversa, é mencionada uma relação proibida – o que faz
do telefonema, consequentemente, um gesto secreto na casa. Essa proibição não
é questão central, tampouco o rapaz que atende o telefone. Nem mesmo o pai dele,
que, na prática, é quem proíbe a relação. Esse segredinho, portanto, é cisco dramático.
Um clichê deslocado para a periferia do filme, embora essa periferia seja sua
carta de apresentação. Começa-se pelo que não importa. O único elemento central
nessas primeiras articulações é o jovem que ligou para a irmã do rapaz que o atende.
É um imigrante curdo que, depois de fracassar em uma primeira e rápida tentativa
de atravessar da França a Inglaterra, contrata um professor de natação para treiná-lo
para atravessar o Canal da Mancha. Antes
desse professor entrar em cena, antes desse futuro protagonista do filme envolver-se
com as conseqüências da imigração ilegal em sua vizinhança aparentemente ignorada
até recentemente, passamos alguns momentos ao lado do jovem curdo. Precisamos
ver seu sofrimento. Porque só depois de vermos como sofre o jovem curdo é que
Bem-Vindo terá pavimentado o caminho para seu verdadeiro destino: os sentimentos
em transformação de um europeu até pouco antes insensível para os problemas da
imigração. A chave de Bem-Vindo é menos essa travessia do curdo e suas
motivações amorosas; seu centro de tudo é o despertar do afeto do professor pelo
aluno. A narrativa inicialmente pautada pelo imigrante desloca seu gerador dramático
para o europeu, homem para quem cuidar de um jovem curdo sem futuro e de coração
apaixonado torna-se uma missão. Se podemos fazer uns tantos
elogios ao “bom gosto visual sóbrio e frio” de Bem-Vindo, com uma “de modo
geral” habilidade na arte do equilíbrio formal (seja na composição dos planos,
seja nas passagens entre eles), não podemos nos acomodar no conforto estético
e no reconhecimento de sua firmeza, de sua segurança de “como olhar uma cena ou
um momento”, como se a verdadeira concentração de Bem-Vindo estivesse na
construção da imagem, de seu quadro e de suas relações visuais, e não na construção
dos efeitos das ações e das escolhas dos dois protagonistas. O privilégio é do
dramático sobre o estético. Se
o filme desloca-se do aluno para o professor como eixo de sua dramaturgia, não
deixa de ser o deslocamento do objeto com apelo de real (o imigrante) para o sujeito
com mais porções de subjetividade em sua presença narrativa (o europeu). Bem-Vindo
parece ser construído e endereçado a um espectador eurocêntrico ou ao menos a
espectadores de um primeiro mundo qualquer em seus diferentes países, que, se
lidam com afeto pelas imagens do curdo em sua condição de deslocamento (amplo),
é mais por solidariedade progressista que por identificação com as circunstâncias
expostas. Seu personagem supostamente modelo é aquele que passa a se importar
com seu entorno, que se compromete pelo indivíduo (mas não por sua causa), que
age com afeto cívico – mais ou menos como um herói ONG, o herói voluntário dos
bons sentimentos em relação àqueles estigmatizados ou encarcerados em suas impossibilidades:
os encarcerados do deslocamento. Esse suposto modelo de comportamento, porém,
é colocado em beco sem saída ao final. Porque a ação amiga do europeu com o curdo
não deixa de ser responsável direta pelo fim da vida do curdo. A mesma ação política
em nome de um projeto de felicidade pessoal para o imigrante tem como conseqüência
seu fim. Um impasse. E parece ser essa a condição desse herói do voluntariado:
ter direito a um impasse.
Julho de 2009
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