O
Curioso Caso de Benjamin Button (The Curious Case of Benjamin Button), de David
Fincher (EUA, 2008) por Cléber Eduardo
Imagens
de um filme moribundo
O que é patético em O
Curioso Caso de Benjamin Button? Não é a premissa de um menino com aparência
de velho que tem o corpo rejuvenescido conforme envelhece. Nem as situações possíveis
de motivar, como motivaram, as comparações e analogias com Forrest Gump.
Tampouco o fato em si de um diretor de thrillers sombrios, como David Fincher,
sair da aguda impotência diante da violência em Zoodiaco, o melhor de seus
filmes, e entrar em um registro de aparente investimento mais forte na imaginação,
no qual o sombrio está na premissa e não em como ela é desenvolvida. Onde está,
então, o patético? Está na falta de crença do filme no filme. Não se toma um material
tão bizarro como o de Benjamin Button sem o desejo muito forte de expressar
algo em suas imagens (e não apenas a partir delas). Para se encontrar as verdades
de uma fabulação, é preciso tomá-la como o próprio mundo, porque, sem essa convicção,
a força da imaginação é enfraquecida pelos artifícios de encenação. Deixamos de
ver o mundo da imaginação e passamos a ver a técnica de sua construção. É o que
ocorre, desde o início, em Benjamin Button. Fabulação não é soma de relatos
somente. E o que David Fincher dirige, em atmosfera excessivamente falsa de imaginação
assumida, é apenas um relato sobre relatos. Filma pessoas lendo ou narrando histórias,
com imagens dessas histórias lidas ou narradas – muito pouco como estratégia de
fabulação. Além
do narrador cinematográfico, há a memória de uma velha, a voz de sua filha lendo
o diário de Benjamin, a própria memória de Benjamin, imagens de outras memórias.
Sempre alguém tem algo para contar e, para o filme, essas transmissões de histórias
já compõem uma fabulação. Se a narração está sempre vazando para fora de sua história
central, centrando seu relato nos próprios relatos dos personagens, esse vazamento
é falso porque todas as situações têm sua função (como as presenças do relógio
de movimento anti-horário e do beija flor, por exemplo). Escrever, dirigir e montar
não é questão de expressão em Benjamin Button, mas uma questão de obrigação,
contrato e de compromisso com a clareza e com a agilidade. O filme todo é empurrado
pela soma dos relatos, empurrado adiante, para frente, sem tempo pra vivenciar
nada, para nos aproximar das experiências de Benjamin. As experiências, afinal,
pouco importam. Só interessa a narração delas. Em
vez de Benjamin, o homem, o personagem, temos a maquiagem de Brad Pitt. Ou seja,
a técnica em vez de emoções, expressões, presenças. O artifício, somente. E a
maquiagem, assim como toda técnica e todo artifício, não tem vida em si. É preciso
mais, bem mais. Se o percurso do protagonista tem seus momentos de liberdade,
a narração do filme parte do irreversível. É um luto lacrimoso. Uma velha choraminga
seu passado enquanto ouve o diário de Benjamin (lido pela filha dela com ele).
Em vez de celebração, como o próprio filme prega (celebre o que tem), temos um
ritual de luto. A leitura do diário é uma variação do flash com o filme
sobre a vida diante da morte. Não há potência nenhuma na história de Benjamin,
como sentido final, porque essa história é modelada pela imagem da morte. Essa
velha é filmada como a própria imagem de quem lamenta sempre o passado porque
é passado, imagem de um corpo já sem energia, já sem desejo, apenas com a dolorida
memória do já vivido e da consciência do nada mais a viver. Esse
núcleo do presente não tem a menor importância no filme, a não ser como ponto
de onde se articula o passado, e alguns dos constantes retornos a ele são precários
em sua gratuidade. Mãe e filha diante de revelações intermediadas por um diário.
Parece haver a necessidade de retornar a essa situação apenas para se evidenciar
essa mediação. Não deixa de ser uma constante nos filmes do Oscar 2009, de Milk
a O Leitor, essa estruturação por mediações internas. Um gravador,
um livro, uma lembrança. Por não dar a menor importância a esse núcleo do presente,
mas somente à sua mediação e aos relatos dali oriundos, Benjamin Button
é um filme morto. Nem tanto porque esse núcleo é ambientado em um hospital ameaçado
por um furacão, mas simplesmente porque o filme só se interessa pelo já vivido
e só vê a morte no ainda não-experimentado. A morte e sua ameaça, sua irreversibilidade.
Talvez não seja por acidente ou distração que suas imagens são também moribundas,
sem carisma, ilustrativas, preocupadas apenas em mostrarem uma técnica de relato.
Fevereiro de 2009editoria@revistacinetica.com.br
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