in loco
Diário de Berlim - 6
por Leonardo Mecchi

Boa notícia para a divulgação do cinema brasileiro no exterior. Estava conversando ontem com Peter Cowie, crítico de cinema e ex-editor da revista Variety (uma das principais publicações direcionadas ao mercado cinematográfico) e ele me falou que está coordenando um projeto para lançar filmes do Cinema Novo (ele falou especificamente sobre as obras de Glauber Rocha e Nelson Pereira dos Santos) pela coleção Criterion. Quem conhece o selo americano, sabe bem o que isso significa: a Criterion é conhecida por lançar os melhores DVDs disponíveis no mercado para os grandes clássicos do cinema mundial, sempre com qualidade técnica impecável e recheados de extras. Pode ser uma bela oportunidade de nosso cinema voltar a ser estudado aqui fora.

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Yella, de Christian Petzold (Alemanha, 2007) – Competição

Do argentino O Método ao hollywoodiano O Diabo Veste Prada, passando pelo francês O Corte, o cinema contemporâneo parece estar se interessando cada vez mais pelo mundo dos negócios e das grandes corporações. Por mais diferente que sejam tais retratos, uma característica acaba os aproximando: em todos os filmes citados, quanto mais os personagens se imbricam e mergulham nesse meio, mais eles vão perdendo sua alma e sua humanidade. O que esses filmes parecem querer nos dizer é que, para ser bem sucedido no mundo dos negócios, é necessário deixar de lado sentimentos nobres como compaixão, humildade e carinho.

Yella não é uma exceção em seu retrato de uma jovem alemã que busca uma virada em sua carreira após o fim de um relacionamento conturbado. Yella, a personagem título, deixa o ex-marido e seu pai para trás em busca de um emprego no Oeste da Alemanha (e essa migração da personagem da ex-Alemanha Ocidental para o lado Oriental do país não deixa de trazer uma conotação política ao filme). Ao descobrir que o emprego que lhe havia sido prometido na realidade não existe, Yella acaba encontrando refugio em Philipp, um executivo especializado em negociar empréstimos de alto risco.

Philipp acolhe Yella como sua assistente, ensinando-a os macetes das negociações (em um dos poucos momentos de alívio cômico neste filme bastante tenso) e como chegar ao ponto fraco do cliente para tirar vantagem da situação. Quanto mais envolvida com os negócios e com Philipp, mais Yella vai se profissionalizando e, conseqüentemente, se desumanizando.

O cotidiano desses personagens, conforme retratado por Christian Petzold, é composto basicamente por escritórios, quartos de hotel e longas viagens de carro. Um universo impessoal e puramente funcional, onde tudo é construído em torno dos negócios. Mesmo as relações pessoais são pautadas como numa negociação, com frases calculadas e muita linguagem corporal. Mas há também um outro lado nessa história, algo estranho no ar, que está sempre presente graças ao bom uso da trilha sonora e à atuação de Nina Hoss, sempre meio ausente e deslocada da situação onde se encontra. Sabemos que há algo mais, mas não sabemos exatamente o que, o que aumenta a tensão ao longo da projeção e transforma o que seria um filme sobre o universo corporativo numa espécie de suspense inexplicável.

Ao final, descobrimos que Yella é construído sobre um artifício, uma informação omitida ao espectador. Entretanto, diferentemente de tantos outros filmes que se utilizam de expedientes semelhantes, Petzold consegue sustentar seu filme para além e apesar deste artifício, graças à sua direção econômica, mas precisa, à excelente fotografia e à marcante atuação de Nina Hoss. Dessa forma, a virada final do roteiro acaba sendo quase que uma concessão supérflua a este filme bastante intrigante.


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