in loco Diário
de Berlim - 7 por Leonardo Mecchi
Casa de Alice, de
Chico Teixeira (Brasil, 2006) - Panorama A
estréia em ficção do diretor Chico Teixeira é uma obra poderosa, digna de figurar
entre os grandes filmes da nova geração do cinema brasileiro. O que diferencia
Casa de Alice é o ambiente retratado: a classe média baixa paulistana.
Estamos, entretanto, longe do cinismo e do negativismo programático de um Contra
Todos, embora tenhamos aqui
também a família desestruturada, a sexualidade à flor da pele, uma certa imoralidade
nos relacionamentos. De fato trata-se quase de um anti-Contra Todos,
porque Casa de Alice está colado em seus personagens (em especial na
protagonista), acompanhando cada um de seus movimentos não com desdém, mas com
carinho e curiosidade. Nesse sentido, o filme se aproxima mais de O Céu de
Suely, com sua câmera contemplativa, suas atuações naturalistas, sua forte
protagonista feminina. Alice é o eixo em torno do qual se
sustenta a família: sua mãe, o marido e três filhos homens. Todos com
segredos a esconder, e só a mãe/sogra/avó (que ironicamente está perdendo a visão)
observa a tudo em silêncio. Em suas conversas no salão de beleza onde trabalha
como manicure, nas crendices e superstições que compartilha com a mãe, no meio
extremamente machista em que convive, na rádio AM ligada o dia inteiro, nas viagens
de ônibus para o trabalho, no refresco de uva das refeições: tudo em Casa
de Alice reflete a perfeição o ambiente retratado, e Chico Teixeira sabe
utilizar sua câmera com precisão para, através de seus longos planos e cortes
secos, desvendar esse universo para o espectador. *** Deserto
Feliz, de Paulo Caldas (Brasil/Alemanha, 2007) - Panorama Sete
anos depois de O Rap do Pequeno Príncipe Contra as Almas Sebosas, e dez anos após sua revelação com O Baile
Perfumado, Paulo Caldas nos entrega Deserto Feliz, mais uma
obra a confirmar a vitalidade do cinema realizado hoje no Nordeste (de Marcelo
Gomes – co-autor tanto do roteiro de Deserto Feliz quanto de Casa
de Alice -, Karim Aïnouz, Lirio Ferreira, Cláudio Assis e Sergio Machado). Paulo
Caldas, entretanto, não foi tão feliz nesta história de uma garota do sertão nordestino
que, após ser violentada pelo padrasto, vira uma prostituta em Recife – em busca
de um gringo que a leve para longe do Brasil. Em primeiro lugar porque, ao contrário
de Casa de Alice, aqui os personagens parecem ratos de laboratório (ou
tatus trancafiados em um latão, para utilizar a analogia que o próprio filme nos fornece),
tendo suas reações observadas enquanto submetidos às mais diversas experiências
e situações. Não há aqui uma chama de vida como a que vemos nos personagens de
Chico Teixeira. Outra característica que acaba depondo contra
o filme – e que já fazia parte das obras anteriores de Caldas – é a técnica
ostensiva e desnecessariamente presente, sobrepondo-se aos personagens e
à narrativa, a chamar a atenção para si. Se em O Baile Perfumado
essa técnica ainda fazia parte de uma certa estética mangue beat, em Deserto
Feliz ela acaba desestruturando a busca por um olhar mais naturalista e minimalista
que estava presente no roteiro.
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