Um Beijo Roubado (My Blueberry Nights),
de Wong Kar Wai (EUA, 2007) por Leonardo Sette
Over
the RainbowUm Beijo Roubado
traz logo no início a boa surpresa de não ser um road movie normal – ou
de simplesmente não sê-lo. No lugar de expandir o campo cinematográfico e banhar
de sol uma estrada retilínea do oeste americano, Wong Kar Wai instala o coração
partido de Elisabeth (Norah Jones) em noturnos espaços fechados, povoados inicialmente
por sorrisinhos de Jude Law. Aparentemente, os bons e maus
momentos desse filme irregular distribuem-se em intervalos variados, em duas metades
bem divididas. A primeira parte vem conduzida com uma embriaguez daqueles slows
“poéticos”, talvez a mais célebre trademark do cineasta, aqui com o
pé enfiado no (des)acelerador. Essa primeira parte – e talvez o filme inteiro
– sofre ainda com a fragilidade da história e as atuações de Law e Jones. E por
sua vez, Rachel Weisz não vai além de um aquecimento para entrada de Natalie Portman,
já lá pelo meio do filme. Perto da interessante felinidade de Portman, Weiz parece
ter começado a construir seu personagem com as duas mãos assanhando os cabelos.
Um Beijo Roubado racha-se portanto em duas metades desiguais, bem no momento
em que Leslie (Natalie Portman) senta-se na mesa do cassino onde Elisabeth tem
um dos empregos que viabilizam e pontuam sua viagem-terapia. “É
um filme de cinéfilo”, contou Wong Kar Wai à revista Cahiers du Cinema. De fato,
é realmente um filme repleto de citações, sobretudo à própria obra do diretor:
parte de um próprio curta-metragem para construir esse longa ou recicla o hit
de Amor à Flor da Pele (2000) em versão “guitarra-texana” por Ry Cooder
- passando ainda por outras interessantes piscadelas ao espelho. Há também, de
alguma uma forma, um pouco de uma das facetas de Wenders em Um Beijo Roubado.
Além de Ry Cooder, do filme se passar nos EUA e do esboço de busca pelo pai/mãe
(Leslie-Portman), há um curioso personagem desimportante que se chama Travis,
ainda que semelhança aí não vá muito além do nome. Mas se tomamos a Leslie de
Natalie Portman como uma viável encarnação do relato de Nastassja Kinski em Paris
Texas (1984), temos nesse dia de abertura mais uma declaração de amor a uma
Palma de Ouro, e nesse caso uma das mais queridas da memória do Festival de Cannes.
Há ainda outras tentativas de dribles interessantes em Um
Beijo Roubado. Ter Norah Jones cantando no filme certamente teria sido uma
má idéia; talvez não. O fato é que Jones tem algo mais de Judy Garland além da
aparente fragilidade e da leve semelhança física entre as duas. Como bem notou
Kleber Mendonça Filho, Wong Kar Wai parece seguir protegendo atentamente a viagem
de sua Elisabeth/Dorothy, lembrando como George Cukor não larga a mão da personagem
de Garland em A Star is born (1954), para não citar logo O Mágico de
Oz (1939). Assim, esse novo filme de Wong Kar Wai está agradavelmente mais
perto da tempestade que leva para além do arco íris que da foto de um terreno
vazio no Texas. E se os sapatinhos vermelhos dão lugar a tortas de framboesa,
a fotografia de Darius Khondji, que vai um pouco além de exercer a franquia de
Chris Doyle, tem todas as 7 cores, inclusive o roxo.
Maio de 2007 editoria@revistacinetica.com.br
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