in loco - cobertura do É Tudo Verdade
Academia de Boxe (Boxing Gym),
de Frederick Wiseman (EUA, 2010)
por Raul Arthuso
Um outro
olhar
Existe um imaginário consolidado, a partir do
cinema, que tem o ringue de boxe como um espaço de violência,
de superação de questões psicológicas por pessoas que descarregam
seus problemas nos adversários e de valores puramente competitivos.
Seja em Touro Indomável,
onde o boxe é repugnante com sua violência frontal e descabida;
seja em Rocky – O Lutador, filme no qual a luta de boxe
é o momento propício ao protagonista para provar algo para si
mesmo e para o mundo (portanto algo mais nobre), o boxe sempre
foi retratado como algo essencialmente individualista. Um dos
grandes trunfos de Academia de Boxe está em propor um novo
tipo de olhar, não mais violento e individualista, mas da lugar
que dá título ao filme como um espaço coletivo de interação entre
as pessoas que se ligam apenas por sua paixão – no caso, lutar
boxe.
Já
no início, Frederick Wiseman opera uma espécie de carta de intenções:
monta uma sequência de planos de fotos e cartazes de lutas célebres
e de filmes de boxe, para logo em seguida mostrar um cronômetro,
que marca o tempo dos rounds de treino na academia, apitando
como se terminasse um tempo e começasse um novo. Essas fotos,
que vemos ao longo do filme pregadas na parede ao fundo, adereçando
o local, não servem como inspiração cinematográfica: são página
virada. Ao olhar de Wiseman interessam outras coisas: os movimentos
dos corpos, os jogos dos pés, o balanço das mãos, os equipamentos
de treino batendo e voltando, os sons ritmando-se meio que ao
acaso. Há uma interação que vai muito além da conversa ou dos
exercícios feitos em conjunto e que se encontra em estar nesse
lugar, em fazer parte desse universo, no compartilhamento do gosto
por alguma coisa, apesar de todas as diferenças entre as pessoas
que freqüentam o lugar.
Eis
outra esperteza de Wiseman: no filme, ele não cria personagens
no sentido clássico da construção dramatúrgica (mesmo documental).
As pessoas não têm nomes: a personalidade delas é composta a partir
do momento em que a câmera ouve suas conversas, ou então vê seus
movimentos de pés. Assim, passamos a conhecer essas pessoas no
filme não por seus nomes, mas por suas particularidades: “aquele
que vai voltar a lutar”, “aquela que tem uma espuma de proteção
no pé”, “o garoto que tem que deixar seus pés paralelos para socar”.
Contudo, Wiseman não aposta em caricaturas. Ele
cria um universo alegre, onde os pequenos detalhes sobre cada
personagem vão adicionando cor ao longo do filme, transformando-se
numa rede variada de relações dos indivíduos com a atividade física
que coletivamente praticam. É notável como, em dado momento, a
academia parece mais um parque que um centro de treinamentos de
um esporte considerado violento: os homens fazem jogos de pular
no ringue, as mulheres levam seus bebês para ficar perto delas,
o velhinho soca o ar sozinho.
Wiseman
opera uma construção imagética para tornar esse espaço uma alegre
coletividade, marcando como as individualidades podem se encontrar
através de uma paixão, misturando-se nos movimentos dos corpos
e na musicalidade bruta dos ruídos. Numa cena em que uma mulher
vai buscar informações para matricular seu filho na academia,
ela diz que ele não quer ser um lutador, mas sim ver o outro lado
desta prática, a arte daquilo. É exatamente o ponto de Academia
de Boxe: onde todos vêem boxe, Wiseman vê arte.
Abril de 2011
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