história(s) do cinema brasileiro
Cinema brasileiro para quem?
por Leonardo Mecchi

Parte 1: O documentário e o público

Na última semana de junho, o Boletim Filme B divulgou um dado preocupante para o cinema nacional: 83% dos filmes brasileiros lançados até o momento não alcançaram 50 mil espectadores. A julgar por estes números, substituímos a invisibilidade dos anos Collor (quando praticamente não se produziam filmes nacionais) pela invisibilidade do mercado (quando os filmes são produzidos, mas não são vistos). Para buscar compreender esse dado, é inevitável passar por dois fatores que saltam aos olhos no ranking das estréias nacionais desse primeiro semestre de 2006: o primeiro, analisado neste artigo, é o grande número de documentários sendo lançados comercialmente (o gênero representa um terço dos lançamentos do ano até o momento); o segundo, a ser exposto na segunda parte, o aumento considerável no número de estréias nacionais (31 contra 18 no mesmo período de 2005).

A tendência de crescimento do documentário em todo mundo (e no Brasil em particular) é um fato indiscutível – a ser comemorado. Atualmente, entretanto, a quantidade de estréias do gênero no mercado brasileiro encontra-se bem acima da média mundial (na França, por exemplo, o documentário representa cerca de 12% das estréias nacionais em salas de cinema). Como não há uma cultura documental marcante por parte do público brasileiro, esse desequilíbrio nas estréias reflete-se nos números: das dez menores bilheterias do ano, oito são documentários. Todos abaixo de 2 mil espectadores. A pergunta que fica é: a que serve o lançamento desses filmes nos cinemas?

Não se trata aqui de questionar a relevância dessas obras, mas sim se o lançamento comercial em salas de cinema é a melhor estratégia para que tais filmes atinjam seu público. Iniciativas como a do DocTV e Documenta Brasil nos mostram o início de uma parceria entre o formato do documentário (que deve ser diferenciado do jornalismo) e a televisão. Esta se mostra bastante promissora, com benefícios mais evidentes ainda se comparados ao dos lançamento em salas de cinema.

O programa DocTV (que já se encontra em sua terceira edição e amplia agora seu alcance para toda iberoamérica) já financiou 115 documentários de todos os estados do país, fomentando uma diversidade dificilmente atingível de outra forma. Cada documentário custou aos cofres públicos R$ 100 mil, e a transmissão desses programas, através de 25 emissoras da rede pública de televisão, chega a um público potencial de 100 milhões de pessoas em 2000 municípios dos 27 estados brasileiros. O Documenta Brasil, construído em moldes semelhantes aos do DOCTV, encerrou há pouco sua primeira convocação e irá financiar 4 projetos inéditos de documentário, com um orçamento de R$ 550 mil cada e posterior exibição garantida na TV aberta comercial (SBT).

Obviamente há projetos documentais com uma proposta claramente cinematográfica, e que, portanto, devem ter garantido seu direito a um lançamento em salas de cinema, mas muitos dos documentários que têm estreado no circuito comercial poderiam perfeitamente ter sido produzidos nesse formato, possibilitando inclusive uma maior repercussão e contribuição para o debate (como no recente caso de Falcão – Meninos do Tráfico). Entretanto, em se considerando o resultado recém-divulgado do edital da Petrobras, maior patrocinadora do cinema nacional, onde 30% dos projetos contemplados são de documentários, essa “inflação” de lançamentos documentais deve continuar.

Longe de utilizarem o lançamento em cinema como um trampolim para uma maior visibilidade em outras mídias – como muitas majors têm feito com seus produtos visando o muito mais rentável mercado de DVD – muitos desses cineastas e produtores parecem buscar nas salas comerciais apenas o (questionável) glamour do cinema. Para esses, vale lembrar a contribuição que mestres do documentário como Eduardo Coutinho, João Batista de Andrade, Frederick Wiseman e Robert Drew deixaram, utilizando com primazia as possibilidades abertas pela TV.


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