The Bubble (Ha-Buah),
de Eytan Fox (Israel, 2006)
por Cléber Eduardo

É possível furar a bolha?

Eytan Fox, americano com cidadania israelense, é celebridade do mundo GLS: já foi homenageado tanto pelo Festival de Cinema Judaico de São Paulo como pelo Mix Brasil. Além de ter realizado um fenômeno de público dentro e fora de Israel (Walk on Water), mantendo a imagem positiva de personagens homossexuais afirmada em Yossi & Jagger, Fox também comanda uma série sobre a cena noturna de Tel Aviv (Florentene, 10 anos no ar).

Em The Bubble, a experiência homossexual na capital do país, mostrada com levada pop e atitude libertária, é uma questão central, afirmativa e eventualmente anedótica, mas o contexto político, inevitavelmente, molda a sexualidade e os afetos. Parece haver uma pergunta pedagógica colocada pelas situações: qual o limite e a potência da liberdade, do amor e do prazer, bandeiras do grupo de personagens GLS de The Bubble, em uma cidade marcada pela guerra, mesmo situando a ação em uma parte “prafrentex” da capital (o Sheikin St District)?

A resposta não é exatamente cercada de sorrisos, carrega um romantismo cético e expõe um determinismo bola baixa. Fox promove o confronto da política de Estado (Israel) e de lideranças (os terroristas árabes) contra a política dos corpos e da felicidade, expressa tanto nas situações sexuais quanto na seqüência ambientada em uma rave na praia. Constatado o fato de que as relações íntimas, sobretudo quando compostas por um gay judeu e outro árabe, são afetadas pelo lugar onde se vive, as questões pessoais conectam-se ao contexto belicista, independentemente do desejo de despolitização dos personagens e da militância deles pela paz dentro de uma linha “esquerda light”. Essa conexão indivíduos/guerra é colocada de maneira bastante esquemática pelo roteiro, mas, enquanto o enfoque está concentrado nas relações pessoais, o “retrato de Israel e o retrato de Palestina” servem para mostrar uma sociedade dividida (a israelense), assim como uma comunidade de valores conservadores (a palestina), nos dando a ver a dinâmica de pensamento das pessoas ao redor dos protagonistas. O caldo desanda quando Israel e Palestina tornam-se superiores em relação aos personagens, levando-nos a suspeitar de que, em vez de afirmar a política dos corpos e dos indivíduos, Fox os utiliza somente para ilustrar sua tese: a inviabilidade da aceitação da diferença em um ambiente de ortodoxias e ressentimentos

É como se Fox precisasse, para transmitir sua mensagem de amor e paz sem nenhum idealismo em relação a seu efeito transformador, alterar a dinâmica dramática. Não era necessário. Tudo já está mais que dado e transmitido quando, no terço final, procura-se amplificar a carga dramática e as coincidências, colocando o personagem árabe como cunhado de um líder do Hamas, que, por sua vez, será responsável pelo desfecho bastante questionável em seu posicionamento político e em sua pertinência dramática. Esse aparente deslize não tira de The Bubble a impressão de busca da visão mais adequada. Se o final pode ajudar a confirmar estigmas (em relação aos árabes), mostrando a força da cultura de origem na atitude de quem está disposto a relativizá-la, todo o roteiro empenha-se em organizar-se como um manifesto pelo bom senso, pela visão correta, humanista, progressista, pacifista e liberal, reivindicando para a representação uma justa política – sobretudo quando, naquele contexto, os personagens são, inevitavelmente, carregados de significados, mesmo quando se busca esvaziá-los, tão somente por serem de um lado ou de outro dos postos de fronteira. Fox faz questão de sobrepor a juventude e a identidade sexual de seus personagens às suas identidades étnicas e nacionais, deslocando a determinação por origem (parcialmente ao menos) pela opção de seus corpos e sentimentos.

O título refere-se a como os israelenses chamam Tel Aviv, a Bolha, uma forma de expor a indiferença dos moradores em relação ao conflito com os palestinos. Pois é justamente para furar a bolha que Fox articula seu roteiro de forma esquemática. Em um momento emblemático, um jovem, diante das cores da bandeira de Israel e Palestina no cartaz de divulgação de uma rave, questiona se essas cores, afinal de contas, não iriam ser propaganda negativa, por serem politizadas, sem se dar conta de que a rave é um ritual contra a ocupação dos territórios palestinos. A rave não deixa de reproduzir uma bolha, já que, em última instância, só tem apelo para jovens israelenses: apenas um palestino está lá, mesmo assim como amante de um dos organizadores. Em outro momento, um dos personagens centrais, ao perceber o grau de envolvimento de seu melhor amigo com um árabe, lembra o compromisso de que, na comunidade GLS deles, política é uma questão proibida. O lembrete não deixa de ser curioso quando o personagem lembrado de tal compromisso é um rapaz recém saído de uma experiência como guarda de fronteira, atividade na qual testemunha o nascimento de um bebê morto de uma mulher árabe.

Em um filme iniciado com essa morte, e permeado por memórias de infância manchadas pelos ressentimentos étnicos, mesmo quando aparentemente superados, não se pode esperar falsas utopias. Apesar de seu jeitão de sitcom descompromissada, apesar de sua crença em corpos de homens se tocando em substituição a corpos de homens explodindo, The Bubble esvazia seu próprio discurso de afirmação pelo prazer. A disposição de superação dos carimbos identitários está sempre sendo sabotada, seja pelas lembranças psicologizadas de cada parte do casal árabe/judeu, seja pelas várias menções a essa divisão étnica. Sua conclusão lança-o a um discurso de uma jovem esquerda israelense cansada, impotente, resignada; aberta a diferenças, sim, mas sem esperança de políticas para além dos próprios corpos. Mas haveria política possível nessa individualização? Ou The Bubble não seria, no fundo, um xeque-mate em seus princípios? Ou seja: não existem, nesse contexto, corpos despolitizados.

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