in loco - cobertura dos festivais
O Segredo da Cabana (Cabin in the Woods),
de Drew Goddard (EUA/2011)
por Filipe Furtado

A crise da ficção

Filmes que se propõem a realizar um revisionismo de gênero precisam lidar com uma série de questões de forma a melhor apresentar suas ideias. É uma questão de equilíbrio complicada, em que se mover demais em determinada direção pode soterrar a revisão numa simples referência ou tornar o filme sobrecarregado demais. É um processo especialmente complexo quando o filme em questão, como este O Segredo da Cabana, deseja também funcionar na medida do possível como um exemplar desse mesmo gênero.

Um bom contracampo para as contradições de um projeto como este pode ser encontrado em dois filmes muito populares em seus respectivos meios no final da década de 90: Pânico (Wes Craven) e Violência Gratuita (Michael Haneke). O filme de Craven majoritariamente usava referências para ancorar o filme no universo dos seus personagens, terminando por se revelar muito mais próximo de Gus Van Sant ou Larry Clark do que do filme "meta" que era vendido como sendo; já Haneke, usava o confronto direto com o gênero mais como um ponto de partida para jogar com o espectador (de certa forma, o remake plano a plano que realizaria 10 anos depois se revelaria um filme melhor justamente por reforçar a crueldade do projeto).

O Segredo da Cabana procura combinar o domino da linguagem e história do gênero de Craven com a abordagem direta de Haneke, e logo se coloca diante de mais problemas do que seu diretor Drew Goddard e o produtor/co-roteirista Joss Whedon são capazes de lidar. Se há alguma promessa nas sequências iniciais de O Segredo da Cabana, e um simpático jovem elenco que se lança ao material com muita mais vontade do que ele e seus realizadores merecem, ela se evapora rapidamente no peso nas costas do seu conceito. A ideia central – de que a situação típica de horror apresentada pelo filme é parte de um projeto secreto de uma organização do governo americano para aprazer uma entidade fora de cena que quer ver um grupo de jovens ser assassinado à maneira de um filme de horror banal – pode parecer forte no papel, mas é um conceito, não uma ficção. Há algumas poucas boas ideias (o mesmo projeto se desenvolvendo em cada país do mundo pelas vias da tradição de horror local, a câmara com toda a variedade de monstros da mitologia americana) que servem como lembrete de que Joss Whedon é geralmente muito habilidoso com a construção de seus mundos ficcionais. São momentos isolados, porém, que se empurram numa narrativa que nunca se sente a vontade, vítima da ideia central e o peso de sugestão que ela carrega.

É antes de tudo uma questão de enunciação: o revisionismo de Pânico vinha acompanhado de um “nós”; o dos dois Violência Gratuita de um “vocês”; O Segredo da Cabana vem do muito mais aprazível “eles”. Todo o jogo metalinguístico que o filme propõe (e, ao contrário do longa de Craven, aqui tudo é completamente dependente dele) é baseado na saída fácil de apontar uma plateia/realizador muito longe da sala de cinema, congratulando constantemente o espectador que comprou a proposta por ser capaz de discernir um filme de gênero esperto como o deles de um filme de horror rotineiro. Chega a ser ofensiva a forma como O Segredo da Cabana sugere que a falência de ficção é culpa de uma plateia fictícia, com seu gosto viciado e troglodita, enquanto majoritariamente lava as próprias mãos de qualquer responsabilidade - o que é particularmente notável se consideramos as próprias dificuldades do filme em desenvolver a sua ficção. O segundo ato, que pode ser descrito como a parte “filme de horror convencional”, é especialmente frágil justamente porque Goddard fracassa em tornar suas sequências minimamente envolventes, optando por usá-las quase como estudos de caso, meros exemplos de diagnóstico. É a versão filme de horror de uma destas parodias terríveis em que o “humor” existe exclusivamente no espectador reconhecer uma situação presente em outro filme.

O fato de Goddard e Whedon se perderem completamente no seu diagnóstico diz muito sobre as limitações de O Segredo da Cabana. Se é verdade que o cinema americano está cheio de filmes de horror medíocres, a disposição em seguir com pouco interesse sua fórmula, mitologia inflada (a disposição de cada filme em se perder em regras, explicações e uma construção de mundo que engole qualquer prazer na ficção) é muito mais sintomática dessa crise do que clichês surrados. O Segredo da Cabana é ele próprio um perfeito exemplar deste fenômeno, seu último ato se reduzindo a uma tentativa de disfarçar que todas as suas sequências são pouco mais que uma longa explicação para sua própria lógica. À altura do clímax, Whedon e Goddard desistente de tentar e oferecem um simples monólogo para cobrir os poucos detalhes que faltam até para o mais desatento dos seus espectadores. Pela crítica da ficção alheia, Goddard e Whedon terminam por revelar somente o fracasso da sua própria imaginação.

Setembro de 2012

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