in loco Colaboração
Especial: American Crime Movie + Sicko, Scaphandre por
Pedro Butcher Prólogo do Editor: Como
se fosse pouco escrever para a Folha de S. Paulo e editar diariamente no Filme
B a melhor central de notícias
do Festival em português (aliás, devíamos ter dado este
link antes, recomendo ao leitor que vá lá ver com urgência),
nosso colaborador Pedro Butcher arranjou tempo para, antes do anúncio dos
premiados, falar para o leitor da Cinética sobre três filmes que
nem eu nem Leo conseguimos ver durante o Festival. Com a palavra, então:
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* *
Em primeiro lugar, algumas palavras sobre
a seleção americana da competição. Foi a maior dos últimos anos, com cinco filmes:
Zodíaco (David Fincher); No Country for Old Men (irmãos Coen); Paranoid
Park (Gus Van Sant), À prova de morte (Tarantino), e We Own the
Night (James Gray). A quantidade assustou, mas o conjunto apresentado não
só confirmou o que já sabemos (que a vitalidade do cinema americano é, de fato,
impressionante) como se revelou uma mostra à parte, com uma curadoria específica.
Todos, de certa forma, são filmes de gênero, variações da grande tradição do American
crime movie, com tamanhos e propostas variados. *
* * Zodíaco (Zodiac), de David Fincher (EUA,
2007) – Competição Nesse conjunto, Zodíaco
foi a maior surpresa. Do ponto de vista estético, é a negação de Seven.
Fincher se livrou das firulas e maneirismos sem perder a assinatura: elementos
de Seven e Clube da luta reaparecem de forma bem mais sóbria, com
muito mais densidade. É uma superprodução (custou mais de US$ 85 milhões) que
resultou em um filme longo (2h36) e complexo, sem uma conclusão propriamente dita.
O
gênero, especificamente, é o serial killer movie. A absoluta crueza dos
crimes – assassinatos brutais que apavoraram a região de São Francisco entre o
fim dos anos 60 e o começo dos anos 70, em uma reconstituição de época impecável
– lembra William Friedkin (especialmente Parceiros da noite, que também
foi exibido por aqui, em cópia nova, numa sessão especial da Quinzena que contou
com a presença de Friedkin e de Tarantino). Mais impressionante, porém, é o estado
de confusão que se estabelece à medida que ninguém – nem a polícia nem a imprensa
– consegue chegar perto do assassino. A obsessão e o desespero tomam conta da
vida dos que se envolvem com o caso, até hoje em aberto. A própria questão da
imagem da violência, já proposta em Clube da luta, ganha uma força ainda
maior. Em uma das melhores seqüências do filme, o policial interpretado por Mark
Ruffallo e o cartunista vivido por Jake Gyllenhaal, ambos obcecados pela procura
do assassino, se encontram em uma sessão do filme de Dirty Harry dedicado
ao caso. As investigações demoraram tanto tempo que Hollywood não esperou Zodíaco
ser pego para produzir sua versão da história. * * * Sicko,
de Michael Moore (EUA, 2007) – Fora de Competição Ame
ou odeie Michael Moore, mas é preciso reconhecer que se trata de um grande estrategista.
Sicko está cheio de suas canalhices, mas toca em outra ferida aberta da
nação americana, era Bush: um sistema de saúde vergonhosamente privatizado que
abandona cidadãos ao léu. A melhor sacada de Moore é contar histórias de pessoas
que têm plano de saúde mas precisaram vender suas casas, etc, etc, para
pagar seus tratamentos médicos. Há o caso singular de um homem que perdeu a falange
de dois dedos: o reimplante de uma custava US$ 120 mil, o de outra, US$ 60 mil.
Ele teve que escolher o mais barato. As canalhices: para
destruir a saúde americana, Mooore idealiza os sistemas de outros países, em visitas
ao Canadá, à França e à Inglaterra. Seu sistema de convencimento aqui é poderoso,
mas altamente questionável. A visita final, essa a mais canalha e genial de todas,
é a Cuba. Moore leva três voluntários do 11 de setembro, hoje sofrendo de doenças
pulmonares e nervosas, para a base de Guantánamo, em Cuba, onde há um hospital
com excelentes condições. Como, evidentemente, é ignorado, os leva para um hospital
cubano, que os trata com a devida dignidade. É uma canalhice, mas que, confesso,
deu o maior gosto de ver.
* * * Le scaphandre
et le papillon, de Julian Schnabel (França/EUA, 2007) – Competição Sei
que esse critério é sempre perigoso, mas considero válido, no caso: o que teria
acontecido a esse filme nas mãos de Ron Howard? É a história de Jean Dominique
Bauby, jornalista que sofreu um acidente cardiovascular e perdeu todos os movimentos
do corpo, menos o de uma pálpebra. Antes de morrer, escreveu um livro inteiro
piscando o olho. O projeto era de Johnny Depp, e seria feito com a DreamWorks.
Depp chamou Julian Schnabel, mas teve que sair para concluir a trilogia Piratas
do Caribe. Schnabel ficou, e levou o projeto para a França. Fez um filme sincero,
em que cerca de 40 minutos iniciais são de planos subjetivos – inclusive um plano
digno de Dario Argento, quando o médico sutura as pálpebras de um dos olhos de
Bauby, filmado do ponto de vista do paciente. editoria@revistacinetica.com.br
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