in loco
Dia 5: Os Coen estão de volta + 35 diretores num filme + chega de Seidl
por Eduardo Valente

No Country for Old Men, de Joel e Ethan Coen (EUA, 2007) – Competição

Assim que começa o novo filme dos irmãos Coen, com a voz de Tommy Lee Jones soando sobre a paisagem do oeste americano, dá para sentir que o tom do que vem aí é algo bem diferente das comédias e filmes auto-centrados sobre a história do cinema que andavam dominando o cinema deles atualmente. No Country for Old Men é claramente um filme ambicioso, bem pensado pelos irmãos como um momento para voltar ao centro do cinema mundial depois de parecerem fadados a sumir pelos cantos. Falou-se muito numa semelhança entre o filme e Fargo, e de fato o personagem de Tommy Lee Jones pode ser aproximado ao de Frances McDormand sem grande dificuldade, porém o tom do filme nos leva muito mais perto de um momento bastante anterior na carreira deles. Talvez desde Ajuste Final e Barton Fink os irmãos não tenham se dedicado a um filme tão cru e duro na relação com o mundo, onde a piada e o humor até surgem, mas apenas como constatação de que podemos sempre rir do mundo – mas esta risada está longe de ser uma simplesente alegre ou cínica: ela dói bastante. Como dói cada tiro disparado no filme, cuja aproximação com a encenação da violência lembra bastante (como notou Kleber Mendonça) Marcas da Violência, de Cronenberg.

Parte da força do filme, é bom que se diga, está num simples (ou melhor, nada simples) domínio da linguagem do cinema clássico demonstrado pelos irmãos, que narram sua história com um preciso ritmo e atenção à construção de personagens (e aqui também precisamos voltar ao início dos anos 90 para lembrar a última vez em que construir personagens foi tão importante no cinema deles). E, claro, não atrapalha nada ter aqui Tommy Lee Jones, Javier Bardem e um surpreendente Josh Brolin em performances absolutamente inspiradas – e que, ainda que em registros bem distintos, se complementam bastante. O filme não passa sem alguns momentos menos felizes (em especial os que envolvem Woody Harrelson e Stephen Root), mas nos deixa na cabeça algumas imagens bem difíceis de esquecer – e dá vontade de ver de novo assim que possível. E quando foi a última vez que dissemos isso dos irmãos?

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Chacun son cinéma, de 35 cineastas (França, 2007) – Sessão Especial Comemorativa

33 curtas, de 35 dos mais importantes nomes do cinema mundial. A primeira diversão de ver o filme era conseguir identificar o mais rápido de quem era o próximo filme, já que na maioria os créditos vinham no final. Claro que muitas vezes era fácil pela nacionalidade, mas mais do que isso impressiona o quanto várias das pílulas remetiam diretamente ao cinema de cada um deles (algo especialmente claro no caso de Kitano, Tsai, Wong Kar Wai, Gus Van Sant – todos eles, diga-se, episódios apenas protocolares).

O desafio lançado por Gilles Jacob era simples: encenar em 3 minutos uma história que tivesse uma sala de cinema como locação. A motivação por trás é clara, em tempos de proliferação de meios para ver filmes que não a sala de cinema: prestigiá-la como espaço. Bom, não foi o que aconteceu exatamente porque uma maioria considerável dos episódios apresenta a sala de cinema como espaço deserto, como espaço do passado. A nostalgia não chega a ser surpreendente se pensamos que a imensa maioria dos convidados já está entrando na terceira idade (não Manoel de Oliveira, claro, porque ele não tem idade), mas chegou a ser surpreendente ver o quanto voltavam duas imagens básicas: um cego no cinema, ou a sala de cinema vazia. Seria essa a opinião dos cineastas sobre o estado do cinema (e do seu espectador) hoje? Se completamos o filme com a (a esta altura já muito noticiada) saída de Polanski, revoltado com o baixo nível das perguntas dos jornalistas, no meio da coletiva que se seguiu à exibição do filme, podemos chegar a conclusão que sim.

Por isso que, qualidade de encenação à parte, os dois episódios que mais me agradaram foram justamente os dos irmãos Coen (olha eles aí de novo!), de longe o mais bem resolvido na sua duração, e o de Olivier Assayas. No caso do primeiro, uma ode à possibilidade do cinema ainda se comunicar com as platéias mais distantes e servir inclusive para trazer próximas as pessoas mais diferentes (tudo isso sem um pingo de sentimentalismo, é bom que se diga); enquanto o de Assayas foi o único que pareceu abraçar a contemporaneidade, sendo não só filmado em digital como num verdadeiro cinema em funcionamento hoje, em Paris (e que tinha uma certa semelhança narrativa com o dos irmãos Dardenne, também bastante bem resolvido, ainda que simples ao extremo).

A maioria dos outros episódios ou foi feito em cinemas vazios, desocupados ou destruídos, cheios de melancolia (onde pelo menos o de Hou Hsiao-hsien prefere encenar o passado do que lamentar o presente – movimento mais honesto, ao menos); ou buscava construir pequenas parábolas de “esperança” cuja simples necessidade de afirmar esta esperança de maneira quase utópica me pareceram as mais claras representações da distopia geral com o cinema (e, entre estes, por incrível que pareça o mais bonito – e de longe seu melhor filme até aqui – era o de Iñarritu). Entre os distópicos melhor ficar então com o humor confrontador (e auto-centrado, claro, sempre) de Lars Von Trier; e a encenação bem realizada e engraçada de Ken Loach do que com a lacrimosidade exagerada dos chineses Chen Kaige e Zhang Yimou (ainda que aja no deste um belíssimo plano, pelo menos); o romantismo lugar-comum de Bille August e Lelouch; ou a nostalgia um tanto paralisada de Konchalovski e Angelopoulos.

Mas, claro, não convém levar tão a sério um filme feito de encomenda para um aniversário de um Festival – afinal ninguém pediu que se tratasse exatamente de uma “carta de intenções”. Por isso vale louvar também os que entenderam o projeto como uma senhora brincadeira: caso de Polanski, por exemplo, que fez um dos únicos verdadeiros curtas da leva – sem fazer um ensaio; do menino Oliveira, sempre brilhante e inesperado; de um Elia Suleiman que mais parecia a reencarnação de Buster Keaton no seu filme; e de Aki Kaurismaki. Para eles, o que o convite afirmava era que o que vale mesmo é continuar fazendo cinema, e pronto.

(ps: ah, sim, houve ainda os verdadeiros aliens da seleção: Cronenberg, Cimino e Campion fizeram filmes tão curiosos e diferentes de todo o resto, que com o tempo que havia para passar de um para o outro, confesso que não cheguei a formar uma opinião balizada sobre o que achar deles)

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De vez em quando mesmo o crítico, que deve tentar analisar e contextualizar e tentar trazer alguma luz sobre a experiência artística, tentando achar algum olhar objetivo a partir da sua subjetividade, deve se permitir um momento em que simplesmente deixe de lado o distanciamento e trace um limite. Pois o meu é este: depois de tentar 3 vezes, sem conseguir, ver até o fim o primeiro filme de Ulrich Seidl na Mostra de SP (Dias de Cão), ontem eu resolvi arriscar uma olhada no seu novo filme na Competição, Import Export. E, doloroso como foi, eu até assisti 1h50 das 2h15 do filme – mas, como dizem os americanos “enough is enough”. Me perdoem se não haverá nenhum comentário crítico sobre o filme, portanto, para além deste: nem por todo o dinheiro do mundo eu entro de novo numa sala de cinema passando um filme de Ulrich Seidl – assim como eu não assisto o vídeo do assassino de Virginia Tech. Há determinados limites onde compactuar com certas coisas é apóia-las. Estou fora.

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