in loco Sob
a sombra de Tarkovski por Leonardo Sette
Izgnanie, de Andreï Zviaguintsev
(Rússia, 2007) - Competição Somente por alguns
segundos, o primeiro plano de Izgnanie lembra o de A Humanidade,
de Bruno Dumont. O quadro que delimita um plano campestre com uma árvore vista
por inteiro, começa então a se deslocar para a esquerda, e Andreï Zviaguintsev
lança assim as 2h30 de um filme rebuscado e grudento de cola, perdido em constrangedora
obsessão por Andreï Tarkovski. No catálogo da seleção oficial,
a longa sinopse do filme tenta explicar que um casal se transfere de uma cidade
industrial para viver no campo com seus dois filhos, na antiga casa do pai do
marido. No início, a proximidade com a natureza embala a felicidade da família
em seu novo lar idílico. Em seguida, como é de se esperar, as coisas começam a
escurecer, das nuvens no céu às roupas dos personagens, literalmente. Essa
instalação da família na casa é filmada por Zviaguintsev com carinhosa atenção
e algum talento. A rusticidade do ambiente que aproxima os quatro membros da família
não aparece somente como informação causa-efeito para a trama. A câmera contempla
o pai que no meio da sala esquenta a água, leva-a numa jarra até a banheira onde
está a filha que em seguida é colocada ao lado do irmão. Úmidos e despenteados,
os dois meninos se entrelaçam em cúmplices da aventura. As crianças, por sinal,
recebem do cineasta um tratamento interessante, próximo ao que é dedicado aos
personagens adultos. Em planos realmente seus, os filhos têm direito a caprichos
e manipulação, coisa bem mais rara no cinema que na vida “real”. Os
problemas surgem quando Zviaguintsev decide introduzir sua gota de veneno na história
– uma certa revelação da esposa ao marido. A partir daí, infelizmente, quase tudo
o que surge é pobremente demonstrativo e simbólico, atingindo o auge num plano
em que dezenas de urubus sobrevoam a casa. Há ainda um flashback explicativo
que conclui o filme de maneira lamentável, no verdadeiro sentido da palavra, dado
o momento de algum brilho no início. Só
que Izgnanie vai além de somente decepcionar. É curioso, e também triste,
observar um jovem cineasta russo debatendo-se em sua admiração por um mito do
cinema de seu país. É sofrível como Zviaguintsev parece fixar com alfinetes várias
fotinhos de O Sacrifício ao longo de todo o seu filme, produzindo um constrangedor
contrabando de elementos sem função. Há em Izgnanie o mesmo bosque de esguios
troncos paralelos, há esse mesmo bosque filmado em lentos travellings laterais,
há um protagonista que se chama Alexander, uma casa de madeira isolada no campo,
uma mesa no exterior onde a asfixia se atenua um pouco, uma injeção de calmante,
uma idêntica maleta de onde sai a injeção de calmante, um idêntico carro de ambulância,
uma pintura de Leonardo e até mesmo um repentino ataque cardíaco parece tristemente
decalcado do desmaio por suposta catarse espiritual do personagem Otto, no filme
de Tarkovski. Desse modo, longe de uma eventualmente interessante
homenagem ou releitura, Zviaguintsev caminha eternamente distante de seu filme
predileto. Na verdade, o mais próximo que Izgnanie consegue chegar de O
Sacrifício é dar a impressão de que toda sua ação poderia estar se passando,
na melhor das hipóteses, dentro da miniatura da casa de Alexander, no filme de
Tarkovski (acima, o cineasta no set de O Sacrifício). editoria@revistacinetica.com.br
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