Paranoid Park (idem), de Gus Van Sant (EUA, 2007)
por Leonardo Sette

Frescor de um cineasta em movimento

Em seu novo filme, Gus Van Sant adapta o livro Paranoid Park, de Blake Nelson. A história tem como personagem central um rapaz de 16 anos, Alex, calouro numa temida arena de skate em Portland, Paranoid Park. Certa noite, um agente de segurança é encontrado morto nas redondezas, a polícia não sabe se está diante de um acidente ou de um crime.

Gus Van Sant segue interessado na juventude americana, mas em Paranoid Park o cineasta se renova, flexibilizando e reciclando o formalismo de seus três últimos filmes, utilizando livremente diversos recursos de linguagem. O filme lembra o Van Sant de obras como My Own Private Idaho (1991) – mas o que é de fato interessante é que Paranoid Park é também marcado pela realização de Gerry (2002), Elefante (2003) e Last Days (2005). É um filme claramente identificável dentro da linha de evolução de um cineasta que atravessou essa trilogia e não saiu ileso.

Não que Paranoid Park seja “maior” que Elefante ou Last Days. Isso nem importa muito e certamente vai girar na esfera da preferência de cada espectador. Pessoalmente, em análise espontânea envolvida pelo calor do festival, vejo Paranoid Park como um filme extremamente jovial, cheio de frescor, e cujos poucos excessos se metamorfoseiam em quase-virtudes, ao entrarem no campo sedutor da liberdade juvenil – falo de uma ou duas (belas) brincadeiras de fotografia a mais, por exemplo.

Essa sensação de frescor que o filme transmite se reforçou durante a entrevista coletiva. “E a música de Nino Rota ?”, perguntei querendo saber sobre utilização de trechos da trilha de Julieta dos Espíritos (1965) e Amarcord (1973). A resposta, adorável e confirmadora: “Quando estávamos editando e finalizando, cada um tinha um ipod, ficávamos trocando músicas. Um de meus colaboradores era fã de Nino Rota, tinha tudo dele. Aí baixei no computador e fui colocando as faixas no Final Cut Pro, testando. No início hesitamos um pouco, achei que não ia poder obter os direitos ou que seria melhor ter um músico que fizesse algo original, no estilo de Rota. Mas logo abandonei essa idéia e descobrimos que não era complicado obter a musica original.”

Ainda na coletiva, outra resposta ilustrativa da gênese de Paranoid Park, quando alguém perguntou sobre o significado das diversas passagens em câmera lenta. “Hum... isso foi idéia de Chris... Você pode dizer alguma coisa, Chris ?”. Christopher Doyle, diretor de fotografia australiano mais conhecido pelos filmes de Wong Kar Wai, já havia trabalhado com Van Sant em seu remake plano a plano de Psicose (1998). Doyle até tentou explicar, mas não dava mais para prestar atenção depois que o próprio diretor do filme esnobou educadamente a pergunta. “O que importava é que nenhum de nós dois queria repetir algo já houvesse feito”, acrescentou Doyle mais tarde.

Essa descontração poderia certamente ser sinal de fragilidade ou displicência. Mas aliada a uma real densidade artística, ela só confirma a séria vitalidade desse filme, “espécie de Crime e Castigo no colégio”, diz Van Sant. A beleza de Paranoid Park se forma assim, da combinação de aspectos densos do roteiro (ou do texto original) com a maturidade e o apetite criativo de um cineasta que continua olhando pra frente, filme após filme.

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