in loco
Preso no seu próprio cinema
por Leonardo Sette

Stellet Licht, de Carlos Reygadas (México/França/Holanda, 2007) – Competição

Para quem conhece seus dois filmes anteriores, não há nenhuma surpresa aqui, Carlos Reygadas (Japón, Batalla en el Cielo) traz os mesmos planos rebuscados e a mesma deslocação desses planos dentro de um filme por inteiro. Quando saímos da sessão de Izgnanie, de Andreï Zviaguintsev, quinta-feira passada, brinquei com amigos que Reygadas já tinha um forte concorrente. De fato Izgnanie e Stellet Light são filmes muito próximos, ambos admiradores de um cinema metafísico e contemplador – Bresson, Tarkovski, Dreyer – e nenhum deles capaz de propor o que seria uma bem-vinda e válida continuidade dos cineastas que admiram. Nem Reygadas nem Zviaguintsev conseguem ir além do decalque escolar lamentavelmente mal feito.

Rodado numa comunidade de menonitas no norte do México, a história fala de um marido em crise por estar apaixonado por outra mulher. Dirigindo um olhar exotizante às pessoas que filma, Reygadas não consegue esconder que sua preocupação maior é saber em que momento poderá fazer a platéia dizer “oh ! que plano incrível”. O irônico é que eu diria que a fotografia de Stellet Licht é uma das piores que vi nos últimos tempos. Uma grande angular parece ter ficado grudada no bocal da câmera, produzindo portas arredondadas e rostos estranhamente deformados em quase todas as seqüências de interior – o auge é uma vela entortada numa seqüência de velório que deveria ser comovente.

Por outro lado, o primeiro plano do filme é bem especial, e até belo plasticamente. Só que Reygadas teria feito melhor se o lançasse como um curta, ao invés de revisitá-lo na conclusão de seu filme, numa proposta de fechar o círculo narrativo, sendo mais uma vez fragilmente escolar (lamento a insistência no termo mas aqui na pressa não me vem outro, e de qualquer forma é isso mesmo que quero dizer). Curioso observar ainda que no uso que faz do som Reygadas trabalha da mesma maneira – remixa em loop sons de grilos ou de outros “elementos da natureza”, tocados em volume acima do normal, na tentativa insistente de criar uma “atmosfera”. Evidentemente, nenhum desses procedimentos por si só é algo que faz necessariamente mal a um filme. O problema aqui é a maneira e a dosagem com que são usados, e sobretudo a falta de harmonia com o conteúdo do filme, que já é frágil por si só. Na falta do que dizer, Reygadas compõe pro final de Stellet Licht uma duvidosa citação/homenagem a Ordet (1955), de Dreyer. Admito que para mim parece mais plágio puro e simples.

Há mais coisas para dizer e acho que, dada a distância entre seu valor e o acolhimento que tem aqui, esse é um cineasta que merece ser combatido. Mas preciso sair para a sessão do filme de Béla Tarr. O que posso acrescentar ainda é que é muito interessante observar como a sobrecarga de filmes em Cannes faz com que alguns deles sejam observados numa relação entre si. Nesse sentido, assistir a Stellet Licht imediatamente após Paranoid Park, de Gus Van Sant, produziu um efeito parecido com pensar a diferença entre Mozart e Salieri.

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