in loco 16
de maio de 2007 por Leonardo Sette
Hoje
começam juntos a edição de número 60 do Festival de Cannes e a era Sarkozy na
França. A primeira imagem do dia veio das capas de revistas, com a foto do presidente
que toma posse três semanas após ter declarado que é preciso liquidar maio de
68. A segunda, também desanimadora, é a própria entrada do Palais du Festival:
em tamanho gigante, o pavoroso cartaz dessa edição traz homens e mulheres saltando
no ar, olhando pra lente, sorrindo ou fazendo caretas. Wong Kar Wai, Penélope
Cruz, Bruce Willis, Samuel Jackson, Pedro Almodóvar, Juliette Binoche e até mesmo
Alejandro Gonzáles Iñarritu, entre outros. Suficiente para abalar, ao menos por
alguns segundos, a vontade de entrar. Felizmente, essas imagens
devem certamente ficar para trás, de um minuto a outro, a partir da projeção do
filme que abre o festival, My Blueberry Nights, de Wong Kar Wai – que dá
início também à competição oficial. Sobre a competição oficial, a única coisa
que consigo dizer é que esse é um nome esquisito – não sei bem se mais por causa
do “competição” ou do “oficial”. Olhando a programação, alias, é tão inevitável
quanto difícil tentar captar antecipadamente os filmes que marcarão essa edição.
Intuir os que decepcionarão pode ser um pouco mais rápido, porém só aparentemente
menos impreciso. Alguém certamente já disse isso, lamento, mas é a única coisa
clara pra mim nesse primeiro dia, de um primeiro Festival de Cannes. Se
Wong Kar Wai dispensa apresentação, a expectativa vem pelo filme se passar nos
EUA, ter Norah Jones como protagonista – e tudo para produzir, mais uma vez, um
ótimo cd de trilha sonora. Não porque Jones cante no filme, mas porque seu personagem
atravessa os EUA para curar uma desilusão, deixando a sugestão que Wong Kar Wai
+ road movie = best seller fonográfico. Sem falar que a música original é de Ry
Cooder – especialista, digamos, em road movie e best seller. Outra questão é saber
o que será de Wong Kar Wai sem seu “co-autor” e diretor de fotografia, Christopher
Doyle, já que agora a imagem fica a cargo do francês Darius Khondji (Delicatessen,
Seven, Beleza Roubada). É mais difícil dizer
alguma coisa sobre 4 months, 3 weeks and 2 days, terceiro filme do romeno
Cristian Mungiu, a outra das duas projeções desse primeiro dia de festival. Resta
buscar referência em filmes romenos recentes, como o excelente A Morte do Sr.
Lazarescu (prêmio Un Certain Regard em 2005) e o ótimo A Leste de Bucareste
(Caméra d’Or em 2006). A Quinzena dos Realizadores, por
sinal, é um dos pontos que atrai interesse antecipadamente, não somente por ser
tradicionalmente celeiro de um cinema um pouco mais arriscado ou “estranho” demais
para a seleção oficial. Desde que assumiu a curadoria da Quinzena em 2004, Olivier
Père conseguiu imprimir uma marca pessoal à seleção, e no ano passado foi particularmente
feliz com uma lista que incluía, entre outros, Dans Paris (Christophe Honoré,
cineasta que volta em competição esse ano), A Leste de Bucareste (Corneliu
Porumboiu) e O Hospedeiro (Bong Joon-ho). No editorial que apresenta
a Quinzena 2007, Père mostra-se disposto: "Mais do que nunca, esse ano, a Quinzena dos
Realizadores tem o espírito da descoberta, audácia e emoção.” Por sinal, a Quinzena
é um dos frutos da agitação que “desceu” até Cannes com Godard e Truffaut paralizando
o festival em maio de 1968. Uma bela seleção seria uma bem-vinda silenciosa e
intimista resposta a eleição de Sarkozy. Hora de ir pra sessão
de My Blueberry Nights. Há alguns minutos, um jornalista americano se instalou
aqui ao lado, depois de sair da sessão matinal do filme. “E Norah Jones ?”, perguntou
seu colega, “Melhor na coletiva de imprensa que no filme”. Em Cannes, boa parte
do que se vê é pura caricatura, inclusive os jornalistas. A verdade é que a programação
amena de hoje é a última chance para respirar antes que o festival comece para
valer amanhã, com o início das outras sessões do festival. No meio disso tudo,
espero conseguir escrever razoavelmente – sobre os filmes e sobre o Festival.
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