in loco - cobertura dos festivais
O Canto dos Pássaros (El Cant dels Ocells), de
Albert Serra (Espanha, 2008) por Francis Vogner
dos Reis Canto
de sereia
Não é de se estranhar que O Canto
dos Pássaros, do diretor Albert Serra, esteja sendo comemorado por muita gente
de bom senso. Em um panorama em que a rebeldia estética é domesticada, certo tipo
de cinema “artístico” procura sempre ser minimamente digerível (para não estragar
o paladar do fino espectador) e o gosto duvidoso de alguns cineastas por uma certa
concepção de atualidade é cada vez mais programática e virtual, é totalmente compreensível
que o filme de Albert Serra insufle algum ânimo no espectador mais exigente. Mas
o fato de Albert Serra não se colocar na fileira dos modistas (como Wayne Wang
em A Garota de Nebraska) e daqueles que fazem de seu estilo uma tenda tranquila
– e monolítica – de autoria (os irmãos Dardenne em O Silêncio de Lorna)
pode torná-lo um diretor que empreenda uma busca mais digna. Mas o fato dele procurar
um caminho alternativo, sem concessões, se submetendo a riscos extremos, não faz
automaticamente de O Canto dos Pássaros um grande filme. Temos
três gordos reis magos em viagem para ver o messias que nasceu. Atravessam campos
imensos, dunas e, vez ou outra, seus corpos ficam em relação e interação com a
terra (deitados e sentados) e a água (a imagem de um deles nadando com a câmera
filmando do fundo da água é sensacional). Essa cosmovisão de Albert Serra empreende
uma busca de apreensão de um estado do ser, na figura dos reis magos e da sagrada
família. Busca-se não só uma interação entre todos as coisas, mas um teste de
força entre contrários e diferentes: o céu que pesa sobre o horizonte da terra,
os reis magos submetidos à gravidade (e o tempo), as distâncias que existem somente
no enquadramento e não em uma lógica narrativa, as diferentes gradações de cores
entre o branco e o preto, etc. O espaço aqui não existe sem o tempo, e vice e
versa. Tudo
isso é muito interessante e bonito, e seria até comovente se não fosse por uma
coisa: sua extrema correção e certeza de seus efeitos. O efeito de cada uma das
escolhas é por demais conhecido e esperado (sabemos aonde aquilo tudo vai dar),
não há a graça da descoberta, do que foge do cálculo. Falta ao filme uma qualidade
de inocência que existe, por exemplo, em Rossellini, no que o mestre faz na síntese
entre a vastidão cósmica do mundo e a abertura de seus personagens no que diz
respeito à força do universo sobre eles. Enquanto Rossellini, por exemplo, nos
choca com a serenidade, não destituída de angústia, de seu São Francisco perante
o mundo enquanto “presença” (a paisagem é uma presença, o leproso também, o leproso
faz parte dela, o santo está ali...), temos em Albert Serra três personagens que
simulam uma relação com as coisas. Não que seja obrigado haver harmonia e integração,
mas, quando o cineasta coloca três personagens para interagirem com o meio, espera-se
que haja uma relação deles com aquilo. É clara a vontade de Albert Serra em fazer
isso, e é patente seu fracasso.
Seu desejo de simplicidade
no respeito ao tempo que transcorre em cada plano fixo e no mínimo necessário
na fala dos atores, não são cingidos de uma beleza natural, mas de um enlevo fácil
e árido. Entre o enlevo e a aridez Bressane já conseguiu obras-primas e a dupla
Straub e Huillet fez história, mas Serra conseguiu somente vacuidade e confinamento
nas formas. Entre a paisagem e a miragem, O Canto dos Pássaros fica com
a miragem. Outubro de 2008 editoria@revistacinetica.com.br
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