Abutres (Carancho), de Pablo Trapero
(Argentina/França/Chile, 2010)

por Eduardo Valente

O insustentável peso de ser (comercial)

Ainda que o impactante plano final de Carancho não deixe qualquer dúvida sobre a potência que Pablo Trapero pode atingir como cineasta, ainda assim este seu novo filme acaba resultando bastante insatisfatório como experiência de fruição. O primeiro e principal motivo talvez seja de casting, e aí a questão é caseira mesmo: ao colocar sua mulher (e produtora!) como protagonista feminina do filme, Trapero parece cometer um equívoco sério (mesmo que por razões pessoais bastante compreensíveis). Pois, se Martina Guzmán tinha a força de presença ideal para Leonera, onde precisava ser uma “mãe coragem obsessiva e presidiária”, ela não consegue fazer com que a parte romântica deste novo filme decole. Tudo que envolve sua relação com o personagem de Ricardo Darín acaba soando falso, uma imposição do roteiro, simplesmente por esta falta de química (algo, aliás, de que Darín já sofreu em O Segredo dos Seus Olhos – não haveria atriz argentina na sua idade capaz de segurar a onda como seu par romântico?). Por outro lado, talvez o problema seja ainda anterior ao do casting da atriz, pois assim como acontecia no citado filme ganhador do Oscar, de Juan José Campanella, a questão de fundo parece realmente ser a simples necessidade, de fundo obviamente comercial (o cinema, esta arte prostituta), de criar esse caso de amor entre os dois personagens.

O fato é que Carancho parece bastante constrangido por isso (assim como era o caso no filme de Campanella), ao mesmo tempo com um certo medo de "sujar as mãos" no que é preciso para fazer uma história de amor funcionar na tela (algo de que, por exemplo, o cinema americano – matriz/referência clara, e de qualidade, para os dois filmes – raramente sofre). Assim, o filme de Trapero parece sempre mancar entre seus dois lados: o de uma história de amor e o de denúncia de um sistema de exploração legal de pessoas que sofrem acidentes de automóvel. No fundo, não parece haver convicção de fato em nenhum deles, com um roteiro que faz o mínimo necessário para estruturar ambas as narrativas da maneira mais banal e desinteressada. Assim, o filme termina vivendo exclusivamente de tours de force eventuais de direção e de atuação de Darín, o que pode até ter resultado num sucesso comercial, mas é um tremendo passo atrás no cinema de Trapero (certamente, aliás, não foi por acaso que Cannes optou por “rebaixá-lo” da Competição para a Un Certain Regard).

Maio de 2010

editoria@revistacinetica.com.br


« Volta