cartas
dos leitores "O BBB e os meus alunos"
Olá Eduardo! Te
"conheci" agora há pouco vendo/ouvindo seus comentários no chat do BBB.
Pois é, assisto ao que meus amigos "intelectuais franceses e brasileiros"
chamam de "escrotice da cultura de massa". Acontece
que, como professora de Arte na única escola pública de Ensino Médio em uma cidade
satélite de Brasília, entendo que é meu dever profissional assistir o BBB. O programa
se tornou tema predileto de discussão dos alunos em sala de aula, principalmente
quando um participante é eliminado. Os alunos são PPPs, como eles mesmos dizem:
pobres, pretos e "putos" com a exclusão cultural e digital à que estão
sujeitos. Não possuem meios de comprar livros; para ir para o Plano (Plano Piloto
de Lúcio Costa ou Brasília) para assistir uma peça de teatro gratuita precisam
desembolsar R$ 3,00 para ir e R$ 3,00 para voltar, servindo-se do transporte,
talvez, mais precário e mais caro do Brasil. Os alunos só têm acesso à internet
se pagarem R$ 1,00 a hora nas poucas lan houses da cidade de 90.000 habitantes
sem infra-estrutura. Para completar a pintura do quadro, como a cidade se situa
em um vale, a televisão que "pega" melhor é a Globo, portanto, a "única"
fonte de informação, diversão e cultura da cidade. Nesse
quadro de precariedade, em uma cidade sem nenhum cinema, teatro nem shopping
center, onde o lazer que goza a população são banhos no Rio São Bartolomeu,
ou nos botecos onde o trabalhador enche a cara e nas inúmeras igrejas que promovem
festas e todos os eventos "culturais" da cidade, a televisão exerce
uma grande influência nos alunos. A cultura de massa é para muitos brasileiros,
como meus alunos, a cultura à qual eles têm acesso – e, logo, a única cultura,
uma migalha que a sociedade oferece ao pobre. Por esse motivo, sempre olhei os
programas da TV, procurando contextualizar de forma significativa algum tema da
"grande Arte", ou crítica a ela. Instrumentalizar meus alunos se tornou
um desafio. Neste mundo competitivo, é difícil para estes jovens de periferia
estar a altura dos inúmeros concursos e vestibulares que se apresentarão ao longo
de suas vidas. Tornar estes brasileiros aptos a competição é o grande desafio
do professor de periferia de uma grande cidade e qualquer ajuda é, mais que bem
vinda, necessária. Afinal, é mais fácil ser criminoso, ser pastor ou, como diz
o samba, deixar a vida te levar. Assim, o BBB hoje é mais
do que o lazer dessa "turma", é a aula de Arte. Esse programa já inspirou/possibilitou
a Autobiografia escrita dos alunos, o Auto-retrato visual, a Foto-novela da vida
real, a construção de roteiros aleatórios, o retrato desfocado do outro. Como
sou visto? Como me vejo? O que vejo? Vejo a partir de quais referenciais éticos,
morais? O Eu, identidade múltipla, O outro, alteridade do meu olhar. Eu no mundo,
eu mínimo no mundo. De certa forma meu trabalho com os alunos
precisava de uma fundamentação teórica que eu não tinha encontrado na semiótica.
Com seu texto me permiti uma análise mais abrangente, lúcida e, arriscaria dizer,
também visionária. Diante da resistência dos colegas em transformar o processo
de ensino-aprendizagem em algo prazeroso para os alunos, só posso lamentar a
evasão escolar, os altos índices de abandono, onerando ainda mais os cofres públicos. Essa
resistência a uma nova proposta de educação faz com que o aluno abandone
a escola e ingresse na escola da criminalidade. A política educacional vigente
funciona ainda hoje no século XXI, como em seus primórdios quando destinava-se
à instituição militar. Compartilho sua análise – e há alguns
anos venho praticando-a de forma intuitiva. Obrigado. Leisa
Sasso Professora de Artes Coordenadora Pedagógica Centro Ensino Médio 1 São
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