cartas
dos leitores Luz em Movimento, mostra
em debate Prezados Cléber
e Eduardo, editores da Revista Cinética, e Felipe e Leonardo, sub-editores, fiquei
bastante decepcionado com a Revista Cinética pela nota (assinada por Leonardo
Mecchi), na seção Na Agenda de Janeiro de 2007, sobre
a mostra "Luz em Movimento - A Fotografia no Cinema Brasileiro", cuja
curadoria é assinada por Mariana Kaufman e mim. Obviamente,
estamos abertos a críticas sobre nossa mostra, que, na realidade, se propõe a
isso: é uma "provocação" para uma nova reflexão sobre o cinema brasileiro.
Só escrevo esse email a vocês porque conheço parte do Conselho Editorial da revista
e, assim, sinto-me à vontade para questionar a postura de uma revista que
procura ter uma proposta diferente na mídia, de uma reflexão mais detida sobre
o cinema. Não sei se o Leonardo Mecchi esteve de má vontade
ou mesmo muito mal-informado sobre o evento. E me questiono também sobre os demais
redatores, haja vista que o Eduardo Valente começa a nota de baixo em coesão com
a nota de cima. Para começar, não se trata de uma "mostra
temática", como dito, mas de uma mostra panorâmica, o que é radicalmente
diferente, e sei que vocês, como freqüentadores de mostras e festivais de cinema,
saberiam fazer a diferenciação. Assim, com a simples compreensão de que se trata
de uma mostra panorâmica, fica bem mais simples compreender o porquê da seleção,
por parte da curadoria, de tantos filmes clássicos. Trata-se de uma mostra sobre
a história da estética fotográfica do cinema brasileiro. Ou seja, uma história
do cinema brasileiro feita com um recorte estético, algo, surpreendente e infelizmente,
inédito. Como falar sobre isso sem passar pelos filmes que
mais marcaram certos momentos, que mais influenciaram seus contemporâneos
e outras gerações de cineastas e diretores de fotografia? Esses filmes
são clássicos pela própria coesão e coerência entre todos os seus "departamentos",
o que significa que o diretor de fotografia soube traduzir magistralmente para
a fotografia a proposta estética do filme. Em outras palavras: os clássicos só
são clássicos por causa da fotografia (além de outros elementos); e também o inverso:
as grandes fotografias são de grandes filmes. Não acredito que seja muito proveitoso
falar sobre a História da Fotografia no Cinema Brasileiro só com filmes obscuros,
que pouca gente viu. É verdade que essa é uma estratégia bastante eficiente de
auto-legitimação de alguns circuitos cinéfilos (falar do que ninguém sabe), mas
vai radicalmente contra o que estamos propondo. E realmente não precisamos desencavar
filmes desconhecidos para demonstrar conhecimento de causa. [É importante marcar,
no entanto, que o grosso da nossa programação não é de clássicos.] Como
acredito que vocês devem saber, todas as histórias do cinema brasileiro são construídas
a partir de paradigmas externos aos filmes, em geral, voltados ao modo de produção,
à relação dos produtores com o estado, recortes políticos, ideológicos e econômicos.
Estranho, portanto, que uma revista que tanto apelo faz à cinefilia, julgue uma
mostra panorâmica sobre a estética do cinema brasileiro como pouco criativa ou
ousada. Assim, acho bastante difícil vocês associarem a proposta
da mostra "Luz em Movimento" ao "mesmo cânone constante".
Como se vê, tudo o que tentamos combater é o cânone constante. Estamos propondo
que se assistam aos filmes com um olhar estético, voltado para a construção da
imagem do filme. Evitamos a todo custo utilizar no catálogo, nos debates, nas
apresentações da sessões, expressões da historiografia clássica, canônica, como
Cinema Novo, Cinema Marginal, Chanchada, etc. Queremos que se vejam os filmes. O
mais estranho é que se questiona uma mostra por ela ser supostamente canônica,
mas a Revista nos convida, literalmente, a "reverenciar os clássicos"! O que
pode haver de mais canônico na cinefilia do que Godard, Fassbinder e Fellini?
E, mais abaixo, se faz um elogio de uma mostra que quer justamente ir ao
cânone: "Revisão do Cinema Novo". Não que a mostra não seja elogiável,
muito pelo contrário, mas se vocês se propõem a questionar o cânone, por que não
questioná-lo aqui? Será que é porque no nome da mostra existe a palavra "revisão"?
Também acho triste a defesa veemente de uma "cinefilia
alegre" em detrimento
de uma discussão realmente significativa sobre o cinema brasileiro. Não que nossa
proposta tenha a pretensão de ser "definitiva" sobre qualquer coisa,
mas aí, mais uma vez, precisaria partir de vocês um mínimo de boa vontade para
compreender isso. É por todas essas incoerências que acho
que a nota é mais do que uma mera crítica desfavorável. Quer dizer que a Revista
Cinética não faz "simples reprodução de press-releases", mas
faz críticas de releases? Vocês não fazem crítica de filmes a partir de
release, certo? Então porque serem tão rasteiros com os eventos noticiados? E
por que esse foi o único evento criticado no mês? E de uma maneira tão estapafúrdia
que não condizia com as informações apresentadas no release... atenciosamente, Eduardo
Ades Curador da Mostra "Luz em Movimento - A Fotografia no Cinema Brasileiro" *
* * Olá Leonardo Mecchi, Estou trabalhando
na mostra Luz em Movimento, mas felizmente também posso me considerar espectadora
dela, já que estou conseguindo ver e rever alguns dos filmes, o que nem sempre
é possível quando fazemos parte da equipe de uma mostra. Achei
o seu comentário na seção Na Agenda infeliz por dois motivos principais. Primeiramente
por você considerar que é o modelo de público que vai ao cinema, o que posso te
dizer que não é verdade. Tenho que confessar que um dos meus prazeres da
mostra têm sido as sessões com pessoas de diferentes lugares, pessoas
que eu não sei de onde vêm. Acho isso muito bom: temos um público diferente
do que vemos nas mostras, mas não por isso ignorantes em relação ao cinema brasileiro.
Ao mesmo tempo, o público parece redescobrir aqueles filmes e ter prazer
em assistí-los. Além disso, a mostra tem lotado em quase
90% de suas sessões, o que também mostra que apesar de conhecidos e de certa forma
sim, filmes cânones, estes filmes ainda apresentam bastante ao seu público.
Chego a concordar com você até quando você faz uso dos seus adjetivos, mas
quando você passa a fazer uso do valor dos advérbios, seu comentário me parece
um pouco prepotente e alienado, com todo respeito. Talvez por gostar de cinema
e provavelmente por considerar-se uma cinéfila, entendo a sua consideração,
mas acho-a limitada. Por exemplo, tenho que admitir que
adorei rever o Carlota ontem na mostra, mesmo sendo um filme sobre o qual
se falou tanto a respeito, mas pouco revisto, você não acha? Carlota
está longe de ser um filme raro, concordo com você , mas adorei revê-lo, e foi
bom me surpreender com a minha reação, justamente ele que era um dos
filmes da mostra que menos me interessava ao primeiro olhar. Não
sei, um lado meu fica pensando que poderiam sair algumas idéias e considerações
interessantes caso você expusesse a sua opinião lá em um dos debates da mostra
ou para público que vai apenas para ver os filmes. Outro lado meu acha um
pouco absurdo desqualificar a mostra como você fez e tratar filmes como No
paiz das Amazonas, Aitaré da Praia, Menino do Rio, 24
horas de sonho e Terra Estrangeira como se eles não pudessem trazer
nada de novo ao público. (...) Há muitos tipos de mostras e olhares, eles são
diferentes e acho que já que você está escrevendo numa revista de cinema e não
num blog, seria interessante pensar sobre isso. Espero que
você leia meu email com compreensão e sem achá-lo simplesmente uma provocação
de uma integrante da equipe da Luz em Movimento. Considero-me também parte
do público que quer saber mais e mais sobre o nosso cinema. Obrigada, Juliana *
* * Caros amigos Muito me surpreendeu sua reação
à minha nota sobre a mostra “Luz em Movimento”. Não apenas por sua virulência
(da acusação de “prepotente e alienado” ao questionamento da própria “orientação
editorial” da revista), mas principalmente por induzir a uma leitura incorreta
da nota publicada na seção “Na Agenda”.
Apesar das aproximações distintas
– com Eduardo dedicando mais da metade de seus parágrafos para atacar e desautorizar
a revista, enquanto Juliana prefere argumentar, a meu ver muito mais produtivamente,
via o prazer cinéfilo de se ver e rever as obras selecionadas para a mostra –,
ambos partem da mesma (e equivocada) premissa: a de que me oponho à exibição de
filmes clássicos e canônicos em mostras dedicadas ao cinema brasileiro, e que
isso desqualificaria a mostra em questão. Uma leitura mais
atenta da nota perceberá claramente que, além de celebrar a possibilidade de se
ver e rever tais filmes, parto em meu texto de um evento específico (a mostra
Luz em Movimento) para tratar de uma questão mais geral (a reincidência do mesmo
cânone em diversas mostras dedicadas ao cinema brasileiro). A partir de tal diagnóstico
– dificilmente questionável, uma vez que basta passar os olhos pelas mostras produzidas
nos últimos anos para se deparar com uma coincidência expressiva de títulos –,
parto para três hipóteses possíveis. A primeira é que, como
as instituições que deveriam zelar pela preservação e difusão desse cânone não
o fazem (ao menos de maneira satisfatória), torna-se necessário que tais mostras
existam e programem os clássicos da cinematrografia brasileira para que esses
filmes possam ser vistos, não importa se pela primeira ou pela enésima vez. A
segunda hipótese é a de que a motivação por trás da programação de tais filmes
não seria essa intenção de difusão dos grandes clássicos, mas sim um certo comodismo
por parte de determinados “curadores” que preferem incluir títulos notórios em
suas mostras a se arriscarem a uma seleção mais atrevida ou criativa (até para
garantir a presença de um público muitas vezes avesso a ousadias ou mesmo para
aumentar as chances de seu projeto ser contemplado na busca por patrocínios).
E, finalmente, a última hipótese, de que mesmo que quisessem programar filmes
menos conhecidos e mais representativos do tema (ou panorama) que pretendem tratar,
os curadores dessas mostras não conseguiriam acesso a essas obras, em função do
estado precário de conservação em que se encontra grande parte do acervo cinematográfico
brasileiro. Mesmo sendo tal diagnóstico (e suas hipotéticas
causas) claramente direcionado às mostras em geral, não apenas Eduardo e Juliana
tomaram tais análises como um ataque pessoal ao seu evento como escolheram, entre
as três hipóteses levantadas, justamente a segunda como aquela que seria teoricamente
direcionada à Luz em Movimento. Apesar de corroborarem em suas cartas minhas duas
outras hipóteses (a primeira, ao destacarem a resposta do público aos filmes selecionados,
a terceira ao mencionarem a dificuldade de se conseguir cópias de filmes), foi
na única proposição onde se poderia apontar o dedo para a curadoria que encontraram
uma relação com seu trabalho, tomando dessa forma por afronta pessoal o que era
uma análise geral. Como o tom das mensagens deixa claro que
o que se buscava não era debater os critérios que pautaram a curadoria da mostra,
mas sim desautorizar uma crítica supostamente direcionada a ela, limito-me aqui
a desfazer o mal entendido e colocar-me a disposição para, caso haja interesse,
aí sim discutir a seleção dessa mostra em particular, e o tema em geral. Leonardo
Mecchi * * * Caro Eduardo, Vou
deixar de lado uma certa animosidade exagerada das suas palavras, especialmente
na série de "menções cifradas” que você faz ao trabalho que tanto nós como
a Contracampo e seus membros têm realizado nos últimos anos – assim como não compro
a oposição entre “cinefilia alegre” e “discussão mais significativa”, que é você
quem faz, não nós (que só dissemos que a cinefilia alegre também tem importância
significativa). Prefiro me ater ao ponto em questão, ou seja a suposta “crítica
desfavorável e estapafúrdia” que teria sido feita ao seu evento. Apesar
de achar que Leonardo já deu conta do principal do tema (ou seja, a leitura no
mínimo exagerada que você fez da nota publicada na revista), com o adendo de que
foi bem feliz a lembrança da Juliana da importância de dar ao público acesso a
estes filmes (do que aliás eu também tratei na nota sobre o Cinema Novo), gostaria
só de explicitar dois pontos, uma vez que você pediu em nossa correspondência
uma resposta da “editoria”. Primeiro, que a seção Na Agenda
não faz crítica – nem de eventos (já que eles ainda não aconteceram), nem de releases.
Ela apenas serve para chamar a atenção do leitor para eventos que chegam ao nosso
conhecimento e nos interessam (nos baseando tanto em releases que nos são
enviados, como em informações que nós mesmos descobrimos de outras maneiras),
de maneira que não nos refiramos a eles apenas após a sua realização. Neste
ponto, o importante são as expressões “chamar a atenção” e “nos interessam”: ou
seja, se seu evento foi sequer mencionado ali, é porque achamos que ele é interessante,
senão nem o faríamos. Portanto, não pode haver “menção negativa” a um evento nesta
seção, visto que menção negativa, neste caso, é exatamente a não menção a um evento.
Se mencionamos o seu evento, é porque queremos chamar a atenção do leitor para
ele, e não podemos falar ali do catálogo, nem das apresentações das sessões, nem
delas mesmas, uma vez que a escrevemos antes do evento começar – o que, acho,
fica bastante claro. Em segundo lugar, no que se refere à
comparação que você fez entre as menções ao seu evento e ao do Cinema Novo, o
ponto é exatamente o conhecimento de que a nota de Leonardo (que, de novo, não
era uma crítica ao seu evento de forma nenhuma – por favor, a releia com um pouco
mais de calma) tratava exatamente da recorrência de um cânone, de forma geral
(em todas as mostras, não na sua). Portanto, não fazia sentido eu escrever isso
de novo, já que estava dito logo acima. Dialogando com esse ponto, porém, eu coloquei
em questão o fato de que esta mostra estava, ela mesma, problematizando o assunto,
o que parecia um interessante complemento ao que escrevera o Leo. Isso não faz
da mostra do Cinema Novo melhor nem pior que a sua, apenas era algo que precisava
ser anotado numa nota que se seguia àquela. De qualquer maneira,
assumimos sem problemas o mal entendido como falha nossa, e afirmamos que foi
bom receber seu email para percebermos e relembrarmos para a redação que, mesmo
em nossas pequenas notas, é preciso exercer um grande controle e cuidado com a
formulação de coisas que até podem nos parecer claras, mas dão margem a interpretações
diferentes. Finalmente, cabe só uma observação importante,
a título de justiça: dificilmente se sustenta a sua afirmação de que é inédita
a iniciativa de uma mostra com recorte estético dentro do cinema brasileiro –
a não ser que por estético você compreenda apenas o que se refere ao estudo específico
da fotografia. Os exemplos só nos últimos anos são razoáveis, entre as mostras
realizadas na Cinemateca Brasileira e CCBBs, aonde é importante citar individualmente
pelo menos a mostra “A Montagem no Cinema”, do CCBB-SP. Mas, que fique claro:
dizer que sua mostra não é uma iniciativa inédita (pelo menos não no que se refere
a fazer um recorte estético, se entendido com a abrangência que o termo tem) é
questão apenas dar crédito ao trabalho de tantos outros – e espero que você não
vá interpretar de novo isso como uma diminuição do seu trabalho.
Estabelecer
animosidades, comparações e brigas por um imaginário "quem-fez-o-quê-primeiro"
certamente não nos interessa, e imaginamos que a vocês também
não - até porque nosso trabalho tem muito em comum, e só
nos interessa fortalecer a já difícil visibilidade dele. Um
abraço Eduardo Valente editor
editoria@revistacinetica.com.br
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