cartas dos leitores
David Lynch e a crítica

Aos editores da Revista Cinética

Li uma entrevista do David Lynch sobre o filme Inland Empire que lhe perguntam: "Tudo isto tem que ter sentido? Qual é o propósito do filme?", perguntou ao cineasta um jornalista que participava da entrevista coletiva. "O filme tem um sentido perfeito", respondeu Lynch. A um repórter britânico, que quis saber se Lynch podia "explicar o significado dos coelhos, especialmente um deles que aparecia passando roupa", ele respondeu: "Não. Não posso". "Tenho que perguntar com alguma preocupação, após ver este filme, se o senhor está bem", disse um norueguês. "Estou muito bem", respondeu Lynch. Um repórter italiano chegou a afirmar que Lynch "está pronto para vestir uma camisa de força".

Houve também quem qualificasse o filme de "obra prima", e se interessasse pela forma como foi rodado. O diretor foi questionado sobre a existência de um roteiro ou de um plano de filmagem. "Adoro o mistério e o desconhecido. Gosto de entrar em um mundo e não saber o que vem pela frente. Gosto do apagar das luzes, quando sobe o pano e entramos em um mundo novo", disse Lynch. "Não devemos ter medo de usar a intuição e sentir o caminho. Viver a experiência e confiar no conhecimento, interior. O cinema é uma linguagem tão bela... ele trata de coisas que vão além das palavras, e isso é belo", acrescentou o diretor.

Quando li as respostas dadas por Lynch no texto referido acima, me lembrei de uma entrevista do Glauber sobre A Idade da Terra, no mesmo festival de Veneza (acho que em 1980), em que ele respondeu mais os menos a mesma coisa.

A crítica cinematográfica continua a mesma ou piorou?

Cacá Nazario - diretor e produtor de cinema (curta metragem)

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Olá Cacá

Seu aparente espanto diante das perguntas dirigidas à David Lynch em Veneza não é muito diferente do nosso quando lemos os trechos das mesmas entrevistas. 

Não temos acesso aos registros de coletivas de Cannes e Veneza em décadas anteriores, para sabermos se o nível das perguntas era melhor antes do que agora. Por isso, nos limitemos ao "hoje".  Além de uma notável falta de empenho crítico para se relacionar com uma obra fora do esquema normatizado das organizações de sentidos da imagem, me espantou a falta de educação de algumas reações nessa coletiva especialmente (e houve variações mais suaves dessa mesma reação aos filmes de  Paul Verhoeven e de Manoel de Oliveira).

Essa falta de empenho crítico pode ser creditada ao fato de a maioria dos participantes dessas coletivas não serem críticos, mas jornalistas-repórteres enviados aos festivais para coletar aspas interessantes para suas publicações. Não são críticos de cinema,  no sentido de "pensadores de cinema", mas sobretudo jornalistas.

Agora, se a crítica em si mesma, piorou? Não sabemos. A crítica do passado não teve de lidar com o cinema do presente para termos esse efeito comparativo. O que Bazin teria para escrever em 2006? A crítica é produto histórico, como o cinema, e algumas comparações, entre momentos diferentes, são muito complexas. O que se pode afirmar é que os críticos, hoje, tem menos poder como circuladores e irradiadores da reflexão sobre o cinema. Não significa que, por isso, não haja ótimos críticos.

Esperamos que, em breve, possamos ter acesso ao filme de Lynch e reagir a ele aqui em Cinética.

Obrigado pela participação,
Cléber Eduardo


editoria@revistacinetica.com.br


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