A Casa (La Casa Muda),
de Gustavo Hernández (Uruguai, 2010)
por Eduardo Valente
Fazendo
gênero
Na maior parte de sua duração, La
Casa Muda abraça completamente quase todos
os clichês do filme de “casa assombrada”: uso do som fora de quadro
para criar suspense e sustos; a mulher bonita e indefesa; as incongruências
absolutas de roteiro e ações dos personagens - até mesmo a mais
que batida figura de uma sinistra menininha morta. Por que então
um filme tão “comum” na aproximação com o cinema
de gênero terminou selecionado para o Festival de Cannes?
Começamos a entender essa escolha ao sabermos que o filme foi
realizado (ou simulado, não importa muito - importa mais que o
resultado proponha essa percepção) em plano sequência,
pois sabemos como os festivais adoram essas “ousadias” formais.
É como se, para atingir essa aceitação, nem
importasse importar tanto notar que, na maior parte da sua duração,
o filme se ressinta absolutamente dessa opção - afinal, uma decupagem
dentro das cenas, o uso de algumas elipses e de um ritmo dado
pela montagem certamente o fariam atingir determinados resultados
de forma bem mais fácil. Sem contar que, afinal, sem precisar
ir mais ali atrás a um Arca Russa, ou mais ainda
até o Festim Diabólico de Hitchcock, em tempos
recentes de REC ou de um filme exibido na mesma Quinzena
dos Realizadores há alguns anos (PVC-1), este estratagema
por si já não pareça chegar a ser uma tão grande
"novidade".
No
entanto, é o final de La
Casa Muda (que tentaremos
ao máximo não desvendar, mas é impossível falar do filme sem uma
mínima menção a ele) que parece ser a cereja do bolo, ao propor
uma surpresa que causa a reinterpretação de todo o filme (e que,
verdade seja dita, até cria uma questão interessante que
permite discutir o filme e sua forma - até mesmo a escolha pelo
plano-sequência - sob outras luzes). Pois, voilá!,
com essas duas características (plano-sequência e resignificação
da narrativa pelo seu final), está completo o menu para o filme
ser mais do que “apenas mais um filme de terror”, e estar em Cannes.
Mas, a verdade é que, para o espectador atento (especialmente
aquele que aprecia o cinema de gênero e suas potências),
fica apenas uma pergunta: melhor seria ver um autêntico filme
de terror, que se preocupe mais em apresentar a quem vê as sensações
e a forma que melhor resolvem sua fruição, ou um filme que durante
boa parte do tempo parece banal e pobremente realizado, mas está
centrado em duas idéias formais e narrativas que o justificam
como experiência a ser discutida/legitimada como obra de arte?
Como quase sempre é o caso, a cada espectador fica o direito e
o dever de encontrar sua própria resposta.
Maio de 2010
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