Os meios de conhecimento tornam-se
meios de produção e o capital aparece como o dispositivo mais potente,
se não for o único, para realizar a complexidade atingida
no campo das linguagens cognitivas. O capital não governa o conhecimento
da realidade, mas dá realidade ao conhecimento.
Jean-François Lyotard
Desdobrar o conceito de Foucault em torno do biopoder
e da biopolítica para o ambiente contemporâneo das imagens
só é possível se assumirmos que o poder agora também
se coloca pelas formas imagéticas que consumimos e que
circulam incansavelmente. Entre a vigilância desenfreada,
a total padronização e a excessiva exposição, as imagens
circulam agora em torno de um sistema que atesta seu
poder ao engendrar-se na vida. Passamos a conhecer o
mundo pelas imagens que circulam através dos conglomerados
das grandes redes transnacionais de comunicação. Esse
circuito traz todos os jogos de interesse, principalmente
em torno de uma imagem-modelo que se mostra equivocadamente
com a pretensão ser o todo. Não há nada “fora” dessa
imagem, parece que nada pode lhe escapar.
Foi nessa perspectiva que estruturei essa pequena curadoria,
tentando minar essa imagem - que nada nos dá nada a
ver - e trazendo trabalhos que se colocam como contrapontos
ao explicitarem arranjos pouco apaziguadores e não totalizadores
da imagem.
Gostaria, ainda, de destacar as situações em torno
do audiovisual on line e a questão da memória.
Ao contrário de sempre dar a ver o que há de mais novo
no sistema audiovisual contemporâneo, o ambiente audiovisual
on line pode se tornar um terreno fértil para
os exercícios da memória, para as buscas descompromissadas
por temas, artistas, músicas ou imagens que nos dizem
respeito por nos lembrarem de alguma coisa.
Sabemos que nossa memória é composta por fragmentos
e estilhaços de nossas experiências, inclusive com o
circuito midiático. Isso faz com que os sistemas colaborativos
de veiculação de audiovisual on line, como o
vimeo ou o youtube, transformem-se em
verdadeiros ancoradouros da memória, revelando as subjetividades
que estiveram em contato com aquelas imagens. Longe
da novidade atordoante da mais nova resolução do vídeo
digital, algumas vezes é possível passar horas vendo
imagens de antigos programas de televisão, vinhetas
e antigos videoclipes que ainda trazem a cor e o esgarçamento
do VHS, mesmo quando já está on line.
O vídeo de Acconci é um clássico da
videoarte, associado diretamente ao uso do dispositivo
no registro das performances. Nesse vídeo, Acconci tenta
abrir os olhos de Katty Dillon. Uma espécie de embate
entre os dois, enfatizado pelo plano
sempre fechado, que gera
uma imagem bastante contundente. A performance prossegue
em seus 21 minutos de duração sem que nada se resolva.
Tudo segue em aberto.
Nesta reportagem-entrevista
com o artista búlgaro Nedko Solakov, ele nos mostra
sua obra Top Secret. A obra mostra um pequeno
arquivo de fichas com seu diário de juventude. Ao lado
do arquivo, que fica fechado com uma redoma de vidro,
um vídeo mostra o artista manipulando as fichas e revelando
os fatos que ocorreram em sua juventude. Um deles, a
participação no serviço secreto búlgaro, marcou para
sempre a trajetória de Solakov e foi revelado através
da obra, já que os arquivos do país ainda não foram
abertos. A obra de Solakov abre toda uma situação de
exposição de seu passado e de suas opções na juventude.
Arte e verdades. Situações de confronto e de exposição
engendradas no cerne da produção artística e viabilizadas
pelo uso do vídeo.
(trecho curto e doméstico
do vídeo exibido junto ao arquivo na XII Documenta de
Kassel)
Sorria, você não está vendo um videoclipe,
no sentido mais comercial e restrito do termo. Nenhuma
super produção, nenhum figurino mirabolante e tampouco
uma performance alucinante. Nesse vídeo do experiente
e radical Jem Cohen, as imagens domésticas de Pat Smith
geram um clima de melancolia enfatizado, talvez, pela
música imortalizada por Curt Cobain ou pela misteriosa
despretensão das imagens comuns em preto e branco.
Moysés, dentista (2006)
Igor Amin e Rodrigo Passini
O procedimento simples e despretensioso
com o aparelho de celular acaba por revelar a estranha
insegurança que habita a vida contemporânea. Tomando
partido de uma espécie de “pegadinha”, o vídeo acaba
por revelar os medos e tensões típicas de hoje em dia.
Beuys assiste uma televisão coberta
por um feltro. Talvez esse seja o modo de Beuys nos
perguntar o que vemos, já que a tela foi coberta por
uma grossa placa de feltro. Obra-prima da performance,
explicitando o sentido político, utópico e visionário
da trajetória de Beuys.
Visions of
Europe (prólogo) Béla Tarr
O projeto “Visions of Europe”, capitaneado
pela produtora de Lars Von Trier, reuniu diretores de
vinte e cinco países para desenvolverem com o mesmo
orçamento curtas de cinco minutos, revelando suas visões
da Europa. O prólogo ficou com o cineasta húngaro Béla
Tarr e sua pessimista visão. Com um procedimento bastante
simples, Tarr nos convoca a ver a espera.
Eduardo de Jesus é graduado em
Comunicação Social (PUC-Minas), mestre
em Comunicação (UFMG) e doutorando na ECA-USP. É professor
da Faculdade de Comunicação e Artes da PUC-Minas onde
integra a equipe do CEIS - Centro de Experimentação em
Imagem e Som. Faz parte do Conselho da Associação Cultural
Videobrasil. Coordena e atua como curador dos projetos
“Circuito mineiro de Audiovisual” e “Imagem-pensamento”.