Revista Cinética Cultura e Pensamento
Imagens e biopolítica
Eduardo Jesus Indicações
Os meios de conhecimento tornam-se meios de produção e o
capital aparece como o dispositivo mais potente, se não for
o único, para realizar a complexidade atingida no campo das linguagens
cognitivas. O capital não governa o conhecimento da realidade,
mas dá realidade ao conhecimento.

Jean-François Lyotard

Desdobrar o conceito de Foucault em torno do biopoder e da biopolítica para o ambiente contemporâneo das imagens só é possível se assumirmos que o poder agora também se coloca pelas formas imagéticas que consumimos e que circulam incansavelmente. Entre a vigilância desenfreada, a total padronização e a excessiva exposição, as imagens circulam agora em torno de um sistema que atesta seu poder ao engendrar-se na vida. Passamos a conhecer o mundo pelas imagens que circulam através dos conglomerados das grandes redes transnacionais de comunicação. Esse circuito traz todos os jogos de interesse, principalmente em torno de uma imagem-modelo que se mostra equivocadamente com a pretensão ser o todo. Não há nada “fora” dessa imagem, parece que nada pode lhe escapar.

Foi nessa perspectiva que estruturei essa pequena curadoria, tentando minar essa imagem - que nada nos dá nada a ver - e trazendo trabalhos que se colocam como contrapontos ao explicitarem arranjos pouco apaziguadores e não totalizadores da imagem.

Gostaria, ainda, de destacar as situações em torno do audiovisual on line e a questão da memória. Ao contrário de sempre dar a ver o que há de mais novo no sistema audiovisual contemporâneo, o ambiente audiovisual on line pode se tornar um terreno fértil para os exercícios da memória, para as buscas descompromissadas por temas, artistas, músicas ou imagens que nos dizem respeito por nos lembrarem de alguma coisa.

Sabemos que nossa memória é composta por fragmentos e estilhaços de nossas experiências, inclusive com o circuito midiático. Isso faz com que os sistemas colaborativos de veiculação de audiovisual on line, como o vimeo ou o youtube, transformem-se em verdadeiros ancoradouros da memória, revelando as subjetividades que estiveram em contato com aquelas imagens. Longe da novidade atordoante da mais nova resolução do vídeo digital, algumas vezes é possível passar horas vendo imagens de antigos programas de televisão, vinhetas e antigos videoclipes que ainda trazem a cor e o esgarçamento do VHS, mesmo quando já está on line.

Pryings (1971)
Vito Acconci
http://www.ubu.com/film/acconci.html

O vídeo de Acconci é um clássico da videoarte, associado diretamente ao uso do dispositivo no registro das performances. Nesse vídeo, Acconci tenta abrir os olhos de Katty Dillon. Uma espécie de embate entre os dois, enfatizado pelo plano sempre fechado, que gera uma imagem bastante contundente. A performance prossegue em seus 21 minutos de duração sem que nada se resolva. Tudo segue em aberto.

Top Secret (1989)
Nedko Solakov
http://web.mac.com/rossner/iWeb/dmovies/documenta12/93735DAA-EFEA-4190-98EF-1FE3F8586ACB.html

Nesta reportagem-entrevista com o artista búlgaro Nedko Solakov, ele nos mostra sua obra Top Secret. A obra mostra um pequeno arquivo de fichas com seu diário de juventude. Ao lado do arquivo, que fica fechado com uma redoma de vidro, um vídeo mostra o artista manipulando as fichas e revelando os fatos que ocorreram em sua juventude. Um deles, a participação no serviço secreto búlgaro, marcou para sempre a trajetória de Solakov e foi revelado através da obra, já que os arquivos do país ainda não foram abertos. A obra de Solakov abre toda uma situação de exposição de seu passado e de suas opções na juventude. Arte e verdades. Situações de confronto e de exposição engendradas no cerne da produção artística e viabilizadas pelo uso do vídeo.


(trecho curto e doméstico do vídeo exibido junto ao arquivo na XII Documenta de Kassel)

Smells likes a teen spirit (2007)
Jem Cohen

http://www.youtube.com/watch?v=QwpLqrh19Ws

Sorria, você não está vendo um videoclipe, no sentido mais comercial e restrito do termo. Nenhuma super produção, nenhum figurino mirabolante e tampouco uma performance alucinante. Nesse vídeo do experiente e radical Jem Cohen, as imagens domésticas de Pat Smith geram um clima de melancolia enfatizado, talvez, pela música imortalizada por Curt Cobain ou pela misteriosa despretensão das imagens comuns em preto e branco.

Moysés, dentista (2006)
Igor Amin e Rodrigo Passini

O procedimento simples e despretensioso com o aparelho de celular acaba por revelar a estranha insegurança que habita a vida contemporânea. Tomando partido de uma espécie de “pegadinha”, o vídeo acaba por revelar os medos e tensões típicas de hoje em dia.

FilzTV (1970)
Joseph Beuys
http://www.ubu.com/film/beuys.html

Beuys assiste uma televisão coberta por um feltro. Talvez esse seja o modo de Beuys nos perguntar o que vemos, já que a tela foi coberta por uma grossa placa de feltro. Obra-prima da performance, explicitando o sentido político, utópico e visionário da trajetória de Beuys.

Visions of Europe (prólogo)
Béla Tarr

O projeto “Visions of Europe”, capitaneado pela produtora de Lars Von Trier, reuniu diretores de vinte e cinco países para desenvolverem com o mesmo orçamento curtas de cinco minutos, revelando suas visões da Europa. O prólogo ficou com o cineasta húngaro Béla Tarr e sua pessimista visão. Com um procedimento bastante simples, Tarr nos convoca a ver a espera.

Eduardo de Jesus é graduado em Comunicação Social (PUC-Minas), mestre em Comunicação (UFMG) e doutorando na ECA-USP. É professor da Faculdade de Comunicação e Artes da PUC-Minas onde integra a equipe do CEIS - Centro de Experimentação em Imagem e Som. Faz parte do Conselho da Associação Cultural Videobrasil. Coordena e atua como curador dos projetos “Circuito mineiro de Audiovisual” e “Imagem-pensamento”.