Revista Cinética Cultura e Pensamento
Reality show:
um dispositivo biopolítico
Ilana Feldman Ensaios Críticos

A convicção de que tudo o que acontece no mundo deve ser compreensível pode levar-nos
a interpretar a história por meio de lugares comuns. Compreender não significa negar nos
fatos o chocante, eliminar deles o inaudito, ou, ao explicar fenômenos, utilizar analogias e
generalidades que diminuam o impacto da realidade e o choque da experiência.
Compreender significa, em suma, encarar a realidade sem preconceitos e com atenção, e
resistir a ela – qualquer que seja.

Hannah Arendt [1]

 

Distante das críticas à banalidade de um suposto “cotidiano” e longe dos discursos de adesão, as tentativas de compreensão dos contemporâneos programas de realidade tele-programada, amplamente conhecidos por reality shows, movem-se em terreno pantanoso. Não é mesmo fácil, muito menos confortável, pensar aquilo que, sendo da ordem da movência, permanentemente escapa a categorizações fixas e julgamentos normativos. Não é mesmo fácil sermos contemporâneos a nosso próprio tempo, pois, como já escrevera Hannah Arendt, “somos contemporâneos somente até o ponto em que chega nossa compreensão”. [2]

Tal como nosso tempo, os reality shows requerem um escopo que contemple suas formas cambiantes, múltiplas e seus efeitos paradoxais - análise e diagnóstico que não implicam predizer, apontando o dedo em riste para a história e seus dispositivos culturais, mas, antes, como diria Deleuze, “estar atento ao desconhecido que bate a nossa porta”. [3] Por isso, é sempre tão desafiante tentar analisar aquilo que é escorregadiamente vivo, ou, no caso da perspectiva aqui postulada, aquilo que faz da própria vida, biopoliticamente, matéria-prima de observação, instrumentalização e subjetivização compartilhada. Objeto que grita, ou sorri sarcasticamente, na mesa do anatomista...

Michel Foucault, pensador que fez do presente uma infindável superfície de investigação e do pensamento uma abertura à historicidade e às urgências de seu próprio tempo, dizia sentir-se, em sua escrita, como um anatomista que percorre o corpo do outro, fazendo nele incisões, levantando os tegumentos da pele, procurando trazer os órgãos à tona e, com isso, tornando visível, finalmente, o local da lesão. Foucault compreendera que o trabalho do analista não é matar seu objeto, asfixiá-lo, domesticá-lo, mas pressupor, antes mesmo da análise passar a operar (e para que ela possa operar), sua circunstancial morte [4] . A escrita foucaultiana partia assim desta premissa, de que toda análise - avaliativa e perspectiva - requer recortes, cortes, suturas e rupturas. Portanto, é sempre válido relembrar: para cada recorte tornado visível há um sem-número de outros obscurecidos.

É nesse intuito que procuramos compreender, por meio de um recorte estético e biopolítico, o fenômeno dos reality shows. Fenômeno a ser tomado como um campo de investigação privilegiado, por fazer convergir, de maneira inaudita, diversos interesses e relações de força, como as demandas do capitalismo pós-industrial, pós-fordista ou imaterial [5]   por perfis identitários, corpos ajustados e motivados, “intimidades” publicizadas, desejos de visibilidade e autenticidade, dentre tantas outras demandas. Os reality shows, assim como o capitalismo contemporâneo em sua vertente imaterial, fariam então da própria vida, “anônima” e “real”, o terreno mais fértil, “criativo” e rentável para seus dinâmicos investimentos.

Porém, quando falamos em “o” fenômeno dos reality shows, de modo algum queremos circunscrevê-lo, ou reduzi-lo, a um corpus homogêneo, desprovido de matizes e produtor de sentidos unívocos. De modo algum queremos obscurecer a singularidade dos objetos que constituem tal fenômeno, domesticando-os como mero e ilustrativo suporte para uma tessitura teórico-conceitual. Tendo em vista as relações de poder forjadas por esses programas televisivos, seria até mesmo pertinente perguntar: como não tiranizar objetos, no caso, também tirânicos? E como fazê-los falar - sem torcê-los, sem autoritariamente forçá-los -, a fim de que exprimam aquilo de que a linguagem, por sua precariedade e perplexidade, muitas vezes não dá conta? Nesse sentido, também seria o caso de nuançarmos a idéia de “fenômeno”, denominação tingida por ares de excepcionalidade.

O “fenômeno” a que nos referimos indica que os reality shows, de uma tendência internacional no mercado do audiovisual, têm se transformado em presença permanente, manifestação massiva que se dissemina nos mídia, nacionais e estrangeiros, por meio da pluralidade de gêneros e formatos, da horizontalidade das formas de produção, exibição e circulação e, no caso do Big Brother Brasil, nosso mais expressivo reality, por meio do desenvolvimento galopante da chamada convergência de mídias, que insere o BBB como o produto central dentre uma rede de tecnologias e serviços. Serviços que, pautados por demandas de interatividade, essa capciosa forma de incitação à adesão voluntária, mobilizam simultaneamente diversos suportes tecnológicos e comunicacionais, como a televisão aberta e fechada, a telefonia fixa e móvel, site, fóruns, chats e canais de exibição na internet, além das publicações diárias e periódicas, eletrônicas ou tradicionais - das revistas de “gente” à pornografia, passando por diferentes perfis de jornais.

Em todas essas mídias, por mais diversificadas que se apresentem, trata-se de fazer convergir um mesmo interesse: é preciso que tudo se torne visível para que se possa administrar, prever, programar, monitorar e simular. É preciso que tudo se torne visível para que se possa não mais vigiar e punir - como nas modernas sociedades disciplinares -, mas espiar e premiar, controlar e estimular, constranger e liberar. Binômios paradoxais moduladores da experiência e da vida nas contemporâneas sociedades de controle [6] , vida que tanto escapa às dominações quanto demanda ser por elas reativada, vida que reivindica a possibilidade de se furtar ao olhar alheio ao mesmo tempo em que solicita ser permanente observada.

Nesse sentido, a clássica definição de voyeurismo, empregada muitas vezes para explicar brevemente nossa contemporânea “pulsão escópica”, não daria conta da complexidade das relações de poder em jogo no ato de “espiar”, pois nos reality shows não há roubo de imagem, não há uma observação sem consentimento e seletiva, a partir de um único ângulo (a clássica figura da fechadura ou da janela), não há alienação por parte dos vigiados, por mais que naturalizem - e eventualmente esqueçam - os olhares vigilantes. Antes, para além de um possível voyeurismo, trata-se da interiorização da vigilância por meio de um pacto de encenação, que por sua vez implica uma relação de poder produtiva, e não repressiva: encenando-se a si mesmos e interpretando seus tipos, em reação e em relação às câmeras, os participantes de um reality show demandam ser constantemente observados, em um tipo de pacto em que o ato de espiar, vigiar ou espreitar é ressignificado. Não se trata mais então de observar furtivamente, à distancia e na solidão, mas de tornar explicito, transparente e democrático o modo como opera esse olhar. Como diz freqüentemente o apresentador, Pedro Bial: “vamos exercer nosso direito de espiar!”.

Antes de prosseguirmos, é importante ressaltar que, agindo por modulação e modulando variações, o poder atua como uma força social dinâmica e microfísica que se dissemina e se multiplica capilarmente por todos os setores da vida. Um poder produtivo, como tão bem cartografou Foucault [7] , e não mais repressivo, restritivo e punitivo. Um poder que, além de infinitesimal e vascularizado por todo o corpo social, cada vez mais seduz, solicita e convoca nossa ativa colaboração - seja por meio de renovadas estratégias de interação, seja por meio de nossa voluntária observação (em função da qual o gesto de espiar torna-se um “direito”). Um poder, em suma, que rege e regulamenta a vida social desde dentro, de modo imanente, cujo alcance e penetração social só se efetivam com êxito porque o poder é exercido sobre sujeitos livres e por meio de sujeitos livres: são os indivíduos que o tomam para si, o abraçam, o incorporam e voluntariamente o reativam como uma função vital.

Todavia, ao compreender o poder como produção - de imaginário, de desejos, de corpos, de subjetividades e de relações sociais -, não podemos perder de vista que esta produção é processual e relacional, implicando a constituição de produtos (materiais ou imateriais) permanentemente inacabados: em contínua mutação, obsolescência, atualização e reprogramação. Dinâmica que tanto vale para as formas hegemônicas de produção subjetiva quanto para certa produção audiovisual televisiva, caso dos reality shows, tomados aqui como um dos modos de operar da biopolítica: quando todas as dimensões da vida, suas tecnologias de regulação, produção e gestão e, até mesmo, suas formas de escape e liberação, tornam-se o motor e o núcleo vital do capitalismo em sua faceta cognitiva e imaterial.

Cabe lembrar que a “biopolítica” foi definida por Foucault [8] como a entrada da vida e do corpo, bem como de seus mecanismos, no domínio dos cálculos explícitos do poder. A partir do século XVIII, a vida da população e dos indivíduos passa a ser politizada por meio da adoção de processos sócio-técnicos preocupados em garantir a reprodução e a sobrevivência da espécie, bem como por meio de diversas tecnologias de poder, como as instituições disciplinares (a escola, a fábrica, a prisão e o hospital) focadas na administração dos processos biológicos dos corpos humanos, a partir de então cada vez mais diferenciados individualmente. Desse modo, os poderes, ou biopoderes, configuram-se como dispositivos de normalização enquanto “mecanismos de regulação da vida”, inscritos em uma racionalidade política que irá determinar, de maneira horizontalizada, compartilhada e, muitas vezes, socialmente requerida, a forma de gestão das condutas dos indivíduos.

Porém, se as outrora estatais biopolíticas nascem como uma modalidade de poder sobre a vida e de governo da vida, hoje, privatizadas e hiper-individualizadas, elas se disseminam como técnicas de auto-gestão, pautadas por valores empresariais de custo-benefício e por demandas de otimização do desempenho e atualização permanente, quando o indivíduo torna-se um empreendedor de si, tomando a si mesmo como seu próprio produtor de rendimentos, ou mesmo como produto de seus rendimentos. Dentre essas técnicas de auto-gestão, teriam destaque as estratégias de “marketing pessoal” - em que está em jogo o aumento da “auto-estima”, do “carisma”, da “criatividade”, da “boa forma” e da “produtividade” - e a administração dos riscos que ameaçariam esses mesmos commodities. A vida, agora além de politizada, foi também capitalizada em sua mais ínfima dimensão: tornou-se um feixe de informações, de padrões comportamentais e de perfis de consumo, instrumentalização que alimenta tanto uma economia imaterial, em sua vertente informática e tecnocientífica, quanto uma produção audiovisual biopolítica.

Nesse sentido, e é aqui que reside nosso interesse maior, podemos constatar que, a despeito de uma pluralidade de formatos narrativos, dramatúrgicos e tecnológicos, os reality shows são, de fato, uma produção audiovisual atravessada por uma lógica comum, cultural e operacional. Similitude que não é identificada apenas em função das “vivas” estratégias de contínua adaptação e mutação dos programas; nem da exportação mundial, do Ocidente ao Oriente, de um mesmo formato, caso da matriz Big Brother; nem mesmo, ainda, dos lucrativos resultados adquiridos - em números de audiência, valor de patrocínios, cotas de anunciantes e “retorno de mídia”.

Antes, tal semelhança (que de modo algum oblitera as diferenças) pode ser identificada por meio da presença de um tipo de dispositivo audiovisual que se efetiva como uma disseminada “tecnologia de poder” e como um hegemônico regime de visibilidade da atualidade, ensejando relações sociais, processos de subjetivação, padrões corporais, demandas de visibilidade, de efeitos de verdade e de interatividade, além de valores empresariais. Como escrevera Deleuze, “pertencemos aos dispositivos e neles agimos” [9] , já que o dispositivo é uma máquina social, antes mesmo de ser técnica. De fato, para Deleuze, “todas as máquinas são sociais antes de serem técnicas” [10] , pois se constituem como arranjos descentralizados de poder que organizam, regulam e controlam novas multiplicidades de indivíduos.

Enquanto dispositivo, isto é, enquanto um modo de operar dotado de uma lógica e de efeitos que lhe são próprios, os reality shows se articulariam a outros objetos audiovisuais contíguos - como blogs, fotologs, vídeos amadores, simulação de flagras, transmissões via webcams, transmissões esportivas televisivas e alguns filmes documentais e ficcionais -, tendo sempre em vista de que se trata de um “mesmo”, porém bastante plástico e plural, regime de visibilidade. No entanto, tendo em vista os limites deste texto, privilegiamos o reality Big Brother Brasil como referência primeira. Neste ponto, é necessário salientar que, tal como o corpo que ressuscita nas mãos do anatomista, o BBB está sempre em mutação e em permanente atualização de seu formato, a fim de evitar qualquer tipo de envelhecimento de sua fórmula e desgaste de seus altos índices de audiência. O que significa que uma análise minuciosa precisaria acompanhar edição por edição, capítulo a capítulo, dando conta das complexidades inerentes tanto ao aprimoramento narrativo quanto às condutas humanas em jogo – aproximação que não responderia aos anseios deste texto.

Dando então continuidade às metáforas clínicas foucaultianas, não se trataria, assim, de uma epidemia local, mas dos reality shows como um dispositivo biopolítico endêmico em nível global, ou como uma “lógica cultural do capitalismo imaterial”, para adaptarmos o subtítulo de um livro do crítico marxista Frederic Jameson [11] . Assim, quando falamos em reality shows, e de modo ainda mais expressivo no caso do Big Brother Brasil, estamos designando um duplo movimento, tanto os programas em si mesmos quanto a lógica, também dupla, por meio da qual operam, a saber: a convergência de “técnicas políticas” [12] que se pretendem objetivas e totalizantes - como a vigilância, o controle, a regulação dos comportamentos e da dimensão libidinal da vida, a punição e a premiação - com técnicas subjetivas de invidualização, ou “tecnologias do eu” [13] , por meio das quais se realizam os processos de subjetivação, de criação identitária, de auto-expressão e de exteriorização de si como personagem público. Sendo ambas as “técnicas” e “tecnologias” matéria-prima das estratégias biopolíticas.

É habitando esse duplo vínculo político, entre as técnicas políticas e as tecnologias de individuação, entre a interiorização dos poderes e da vigilância e a modulação dos processos de subjetivação, que a vida agenciada pelos reality shows revela-se, pelo menos em princípio, como o fundamento das democracias ocidentais modernas: pois, quanto mais rentabilizada e valorada como um “capital pessoal” a ser cuidadosamente administrado, negociado e atualizado; quanto mais investida e atravessada por poderes, dispositivos e tecnologias; e, quanto mais aparentemente valorizada, em sua dimensão “cotidiana” e “ordinária”, mais a vida é instrumentalizada, expropriada de sua existência propriamente política e reduzida a uma performance: comportamental, sexual, midiática e profissional.

Os programas: regulação policial e libidinal

Tal endemia dos reality shows faz-se então evidente quando tomamos o caso da franquia televisual Big Brother. Criado em 2000 pela empresa holandesa Endemol, os direitos autorais do Big Brother foram vendidos para, além do Brasil [14] , mais de 25 países, dos vizinhos nórdicos à Índia, Sérvia, Croácia, Finlândia, Tailândia, Rússia, África do Sul, Filipinas, Austrália, Bulgária, Estados Unidos, México e diversos países europeus e latino-americanos. Configurado, assim, como uma espécie de formato audiovisual internacionalista, em que empresas de comunicação nacionais pagam altas taxas pelos direitos de adaptação e exibição, o formato narrativo Big Brother seria análogo à função ocupada pelo próprio gênero do romance durante o período colonial e imperial. Segundo Edward Said, em Cultura e Imperialismo [15] , mesmo quando nacionalizado pelos países dominados, o romance, como um produto histórico, reproduzia, em sua forma e linguagem, a mentalidade da dominação.

No caso do dispositivo Big Brother, essa “forma narrativa da dominação” se dá não apenas por sua disseminação horizontalmente globalizada, em um nível macroeconômico, mas, sobretudo, pelo modo transversal com que ela atua sócio-culturalmente, em um nível microfísico. É no âmbito da própria diegese do programa que se efetivam, de fato, as variadas formas de dominação, subjetivação e exclusão, em uma dinâmica de poder que faz da “motivação” e das “técnicas motivacionais” (com todos os afetos que elas implicam) o modus operandi desse dispositivo de produção subjetiva alterdirigida [16] e simultânea produção capitalista, quando os modos ou “estilos de vida”, mesmo os mais singulares, se tornam a fonte de energia que alimenta a permanente renovação das tecnologias da comunicação, das irrestritas estratégias de marketing e dos fluxos capitalistas.

No bojo desse dispositivo biopolítico, próximo a um departamento de RH em período de contratação de pessoal para grandes companhias, no qual Pedro Bial seria um misto de pai, patrão e psicólogo-chefe, disse certa vez a personagem Nathália, do BBB5, em noite de “paredão”, quando podia ser uma das eliminadas: “Estou nervosa como em uma entrevista de emprego”. Ao que responderia, capítulos adiante, o concorrente Paulo André, conhecido como P.A: “Aqui é igual lá no emprego. Quem tá comigo sobe junto, quem não tá vai pra fora”. Frases e posturas próximas a outros realities, como “O Aprendiz”, espécie de “MBA para as massas” apresentado e liderado pelo empresário paulista Roberto Justus, na TV Record, e, por sua vez, uma adaptação da matriz norte-americana “The Apprentice”, programa do multimilionário Donald Trump, cujo bordão, também adaptado por Justus e seus “consultores”, é: “Você está demitido!”.

Interessante notar que o termo “apprentice” em inglês não se refere apenas ao caráter pedagógico do programa, nem à figura do aprendiz de um jogo capitalista sádico e amoral, como Justus/Trump e, por vezes, Bial (este com algum afeto) quer nos demonstrar, mas aos escravos libertos e livres - porém sem direito à cidadania - chamados, nas colônias inglesas, de apprentices, pois eram submetidos a uma espécie de “estágio” até serem considerados “aptos para a liberdade”. A vitória, considerada libertadora por esses programas, não se restringe, portanto, à conquista do prêmio milionário, a uma vertical mobilidade social e a um reconhecimento pessoal pela fama, mas se efetiva, de fato, por meio da entrada do indivíduo a um regime de visibilidade próprio aos aprendizes vencedores - agora reconhecidos como sujeitos de direito aptos para a liberdade do capitalismo sem fronteiras. Regime de visibilidade em que é preciso, primeiro, parecer bem-sucedido para tornar-se bem-sucedido e que condenaria todos os outros, anônimos, modestos, assalariados, hesitantes, autônomos, inseguros ou fracassados, a uma espécie de servidão do empregado. No entanto, pertencer ao regime de visibilidade em questão implica um outro tipo de - voluntária - prisão.

Do mesmo modo, no “formato narrativo” Big Brother, cuja matriz inspiradora é a distópica ficção-científica-política 1984, porém agora desprovida da pauta ideológica e amalgamada por uma cultura democrática, a vigilância não mais coage, como no romance, mas, de modo oposto, é requerida e consentida, conferindo visibilidade e existência social ao libertar o confinado da “aprisionante” condição do anonimato. O que significa dizer que, para que o anônimo candidato ao confinamento se “liberte” ou se “emancipe” socialmente, é preciso que ele demande e se submeta às novas e contínuas prisões - exercidas pela casa do programa, pela empresa, pela fama. Eterno jogo de espelhos entre a liberdade que impõe aprisionamento e o aprisionamento como condição de liberdade. Ou se trataria de uma estranha condição contemporânea - que nos evoca imagens kafkianas - em que sujeitos demandam assujeitamento para que deixem de ser sujeitados? Não seria exagero, aliás, aproximar a figura da porta que encerra os confinados no cativeiro de luxo do BBB à parábola de Kafka, “A porta diante da lei” [17] . Em ambos os casos, trata-se da espera - e da voluntariedade - diante da arbitrariedade do poder. Um poder que, ao encerrar quem está dentro, aprisiona os que vivem fora [18] .

Nesse estado de exceção [19] em que se desenrolam os programas, sobretudo se pensarmos no dispositivo de convivialidade vigiada do Big Brother Brasil, quando a suspensão do ordenamento jurídico-constitucional, a partir de práticas de poder teoricamente inconstitucionais, é naturalizada, normatizada e revertida em uma tecnologia de governo da vida, a felicidade e a liberdade de cada participante se inscreverão no ponto exato de sua própria submissão. Evocar, porém, a forte figura do estado de exceção não significa, de modo algum, metaforizá-la. É por meio dela que podemos perceber certas práticas de poder não como extra-ordinárias, mas como a exceção que teria se tornado norma vigente, tal como a disponibilização total de direitos considerados constitucionalmente fundamentais e indisponíveis, como a “intimidade”, a “privacidade”, a “honra” e, até, a “personalidade”, já que, juridicamente, os participantes do Big Brother Brasil são considerados “personagens de ficção” [20] , não podendo, por tempo determinado, interpretar seus tipos em outros meios e veículos, como se a emissora assumisse contratualmente que suas identidades e personalidades agora pertencem à empresa tal como produtos de ficção. É essa espécie de “servidão voluntária”, de sujeição ao assujeitamento, demandada pela vida “anônima” e “real”, pela vida-nua, como nos diz Giorgio Agamben [21] , essa vida que foi reduzida à sua condição biológica, corporal, libidinal e fenomenológica, que constituirá a própria argila, a argamassa da produção audiovisual biopolítica.

Produzindo e reproduzindo relações concorrenciais e competitivas baseadas na estimulação e contenção do conflito [22] , esse grande motor narrativo, incitando e, simultaneamente, controlando, o Big Brother brasileiro engendra uma sofisticada prática biopolítica de regulação policial e libidinal - dos corpos, de suas condutas e de sua libido. Diferentemente do formato pioneiro criado pela Endemol, “concebido originalmente para gerar conflito e sexo”, nas palavras do apresentador Pedro Bial [23] , o Big Brother Brasil se caracteriza não só pelo estímulo a “cenas picantes sob o edredom” [24] ou por embriagar seus participantes “para produzir beijos, tombos e vexames” [25] , mas por estratégias de moralização folhetinescas, vinculadas aos códigos do melodrama, que punem aqueles que passam dos “limites” - sejam morais, relativos às aproximações sexuais, sejam concorrenciais, relativos a uma ética da competição. Se pensarmos no melodrama como uma forma de regulação do olhar [26] do espectador na sociedade de massa e como um gênero, historicamente, de “correção” social, a partir da criação de oposições morais e estereotipias, ficam evidentes, no BBB, os estratagemas moralizadores, agenciados tanto pela edição quanto pelos critérios de punição e eleição, agenciados pela audiência, dos candidatos ao milhão.  No limite, é a própria administração da dimensão libidinal da vida, com seus instintos e impulsos (sexuais, afetivos, agressivos e competitivos), que é tornada matéria-prima dessa economia audiovisual biopolítica.

Porém, além do Big Brother Brasil, cujo impacto [27] e repercussão no país devem-se, em primeira instância, ao fato de ser veiculado pela emissora líder e em horário - do ponto de vista dos patrocinares - nobre, inúmeros outros reality shows participam dessa economia audiovisual biopolítica, sendo também importados e exibidos em seus formatos originais ou reproduzidos em versões nacionais. Lembremos que, no início da veiculação dos reality shows nas televisões brasileiras, dois programas eram paradigmáticos dessa mistura biopolítica entre conflito, sexo e experiência behaviorista: o inglês “Zoológico Humano”, exibido pelo GNT, e o norte-americano “Ilha da Tentação”, exibido pela FOX. Enquanto o primeiro era, literalmente, um laboratório humano, acompanhado por psicólogos que, do outro lado das câmeras de vigilância, disparavam seus frios e normativos comentários, o segundo vinculava-se à dimensão estritamente sexual da vida, instigando e gerindo traições, infidelidades e disputas entre casais.

Conformando, desse modo, todo um regime de verdade, de visibilidade e de sensibilidade, sobre o qual assentamos nossas práticas, crenças e desejos mais cotidianos, a lógica cultural dos reality shows diz respeito a um modo de operar, estética e biopoliticamente, próprio à dinâmica neoliberal, moral e policial de um certo espetáculo globalizado. Dinâmica essa que, em seu bojo, está a capitalização - e a conseqüente modulação, também reguladora - das categorias identitárias. Não por acaso, um reality show como o norte-americano Survivor chegou tomar as categorizações identitárias como critérios estritamente “raciais”, dividindo os candidatos em “tribos” de brancos, asiáticos, negros e latinos, os quais competiriam entre si em uma multicultural ilha deserta [28] . Já no caso do Big Brother Brasil, encenando-se a si mesmos, como em uma moderna dramaturgia, os participantes-personagens têm sua convivência assentada na relação paradoxal entre a crença unívoca em identidades fixas, homogêneas e pré-estabelecidas - uma mistura das classificações do IBGE com categorizações protofascistas - e a aceitação de que, na prática, essas mesmas identidades são construídas relacional e posicionalmente, isto é, de maneira não-essencializada.

A encenação auto-reflexiva, que faz da própria cena, dos personagens e das cambiantes e múltiplas relações entre eles o assunto principal, também contribui para acentuar o jogo de máscaras e de espelhos, os quais não implicam nenhuma identidade como garantia, mesmo que eles sejam, sobretudo, identificados por suas rígidas categorias e formatados, pela edição, conforme as estratégias narrativas de criação de antagonismos e estereotipias. Nesse sentido, são evidentes os critérios de seleção dos candidatos-concorrentes, tais como gênero, faixa etária (jovem, sobretudo), renda e origens “étnica” e regional, além dos fundamentais “carisma” [29] e “boa aparência” - o que significa, na prática, capacidade de exteriorização das emoções e um alto coeficiente de humor e sensualidade. Como já admitiu o diretor de núcleo de criação do programa, Boninho [30] : “O que se quer são figuras interessantes, gente que sirva para fazer uma boa festa. Tem que ter a barraqueira, o cara engraçado e por aí vai. São as reações dessas pessoas juntas - os conflitos, as armações, as tensões, o humor e os romances - que farão a receita”.

Nessa receita, além dos critérios identitários, físicos e comportamentais, bem como dos estratagemas narrativos, faz-se presente valorização da “rentabilidade” da cena no âmbito de uma “economia emocional-funcional” [31] , relativa às dinâmicas concorrenciais da sociedade brasileira. No Big Brother Brasil, “rende” mais - em termos da economia de distribuição de imagens na edição - quem é considerado carismático, quem tem presença cênica e quem faz da própria cena um solo performático. É por essa razão que a edição do Big Brother Brasil não tem qualquer compromisso com a exibição equânime das imagens de cada personagem, não tem qualquer compromisso com uma verdade que esteja fora da cena, fora da relação com as câmeras. O que importa, antes, é a potencialização da performance, potencialização de uma verdade que emerge na relação com os outros participantes, em relação às câmeras.  O que importa é a verdade dos conflitos, isto é, a verdade da encenação - e não na encenação [32] . Por isso o privilégio concedido ao potencial dramático da ação, no caso, uma auto-mise-en-scène [33] , isto é, uma auto-encenação que parece reproduzir e codificar “performances comuns a um amplo leque de relações sociais contemporâneas” [34] .

Assim, ao naturalizar e consolidar, por meio das opções e operações de linguagem, relações de força e de poder no bojo daquilo que chamamos, usualmente, de “leis de mercado”, os programas de realidade tele-programada, com toda a criatividade narrativa e dramatúrgica que possam apresentar - basta acompanhar os desenvolvimentos de uma decupagem narrativa nas sucessivas edições do Big Brother brasileiro -, prestam-se a uma função social-técnica: espécie de serviço “público” ou programação e regulação pedagógica das condutas “privadas”. Certamente, um e outro “modelo” muitas vezes se sobrepõem. Além dos reality shows de confinamento hedonista e voluntário (sendo o Big Brother a matriz), cujo dispositivo de convivialidade vigiada estimula a produção de conflitos e a exposição de condutas privadas, há os realities “profissionalizantes”, cujo método passa por estratégias de humilhação deliberadas (caso de “Ídolos”, por exemplo), além dos reality shows de intervenção [35] : aqueles que, enquanto oferecem oportunidades de reformatação - do corpo, da casa ou do comportamento - para os participantes, funcionam como um tipo de serviço “assistencial” [36] para os telespectadores. Neste caso, é possível aprender a: emagrecer (“Você é o que você come”; “O Grande Perdedor”), cuidar dos filhos, (“Super-babá”), adestrar homens (“Traga seu Marido na Coleira”), submeter-se a homens machistas (“Garota FX”), reformatar o visual através de cirurgias plásticas (“Extreme Makeover”; “The Swan”, “Beleza Comprada”), dominar técnicas de sedução (“Inspetores do sexo”), empreender ações ambientalistas (“Planeta em ação”), arrumar e remodelar a casa (“Minha casa, sua casa”, “Queer eye for the straight guy”), vestir-se de acordo com a moda em voga (“Esquadrão da Moda”), ser competitivo na selva (“Survivor”), ser competitivo no mundo corporativo (“O Aprendiz”), além de diversos exotismos: como desempenhar o papel de mãe em outra família cujo perfil identitário seja oposto (“Troca de família”), dispor de apenas um único mês para mudar radicalmente de profissão (“Tudo é possível”), sobreviver em uma fazenda de 1900 nas condições do passado (“A casa de 1900”) ou conviver com tribos que habitam remotas regiões do planeta (“Woman on the tribe”), para citar apenas alguns.

Ultrapassando a casa da centena, todos esses gêneros e formatos de reality shows são conformados por uma mesma dinâmica narrativa e por um mesmo padrão de linguagem. Entendidos comumente como um dispositivo de captura e busca por autenticidade, aquela autenticidade que teria sido perdida pela ficção assumida como tal (“Já estamos cansados de atores com emoções falsas”, nos diz Cristof, criador do Programa de TV ‘O show de Truman’, no filme homônimo [37] ), os reality shows têm também tornado cada vez mais explícitos e evidentes os artifícios ficcionais que organizam e engendram as narrativas. Assim, no que diz respeito à linguagem, além da utilização dos códigos do melodrama, o método de aproximação dos personagens revela-se um híbrido entre o documentário observacional - o ideal de uma câmera-testemunha transparente, isto é, de captura e busca por uma autenticidade, que seria revelada - e o documentário interativo - a prática de uma câmera autoconsciente e provocativa, a partir do qual essa mesma autenticidade é posta-em-cena, em um processo não apenas de captação, mas de simultânea construção compartilhada.

Desse modo, a câmera deixa de ser somente um instrumento de captação e revelação para tornar-se, simultaneamente, um instrumento de catalisação e produção das verdades dos personagens. O que significa que, tal como o poder e como um aparato de poder, a câmera possui uma função produtiva. Como já disse o mestre do cinéma-verité Jean Rouch, para quem a ficção era o único caminho para se penetrar a realidade, “a câmera não deve ser um obstáculo para a expressão dos personagens, mas uma testemunha indispensável que motivará sua expressão” [38] . Decerto, trata-se aqui, diferentemente do ideal de “testemunha ocular” do cinema-direto e da simples vigilância, de um outro tipo de testemunha, espécie de “estimulante psicanalítico” [39] com o qual é possível interagir. 

Quanto à dinâmica narrativa, as trajetórias pessoais são sempre alicerçadas em uma jornada tanto de auto-superação quanto de superação das adversidades exteriores. Como em uma via-crúcis do corpo, trajeto atravessado por sacrifícios físicos e emocionais, a “redenção” do herói será alcançada não apenas por meio da conquista do prêmio em jogo, como também pela conquista de uma auto-estima e de uma visibilidade próprias aos vencedores. A “redenção” será, ao conquistar a imagem, apesar de todos os embaraços, constrangimentos e, mesmo, humilhações, ser redimido por ela. Em um momento histórico em que a conquista e a manutenção da visibilidade estão associadas ao movimento natural da própria vida, resumiu certa vez com propriedade o personagem Jean Willys, vencedor do BBB5, enquanto tomava seu relaxante banho de ofurô: “A vida é igual a nossa experiência no Big Brother: uma hora sai do ar”.

Pertencendo então à esfera do visível, o vencedor do jogo se revelará como um modelo de empreendedor [40] capitalista, no âmbito de um “capitalismo legal”: aquele que lida com os obstáculos sem problematizá-los e sem reclamar, por meio de um desempenho sempre colaborativo, motivado e alegremente engajado. Como já disse o empresário norte-americano Ted Bell, “seja a pessoa mais entusiasmada. Não a mais inteligente, não a mais esperta, mas a mais entusiasmada. E você será o vencedor”. [41] Nesse sentido, a complexidade da própria vida humana, no âmbito da tele-realidade programada e programática, tende a ser reduzida a padrões comportamentais e motivacionais, categorias identitárias, presença ou ausência de carisma, características fenotípicas e grau de auto-estima. O que nos permitiria pensar que o modo de subjetivação dominante no seio desses programas revela-se, ao fim, como um modo de roteirização e instrumentalização subjetiva. Panorama em que se desenha uma espécie “subjetividade S/A” ou “subjetividade corporativa”.


Efeito e diagnóstico

Embaralhando as outrora nítidas fronteiras existentes entre as dimensões do público e do privado, do real e do ficcional, da pessoa e do personagem, da intimidade e da visibilidade, da democracia e da tirania, e operando no bojo desse estado de indeterminação entre as dimensões elencadas, podemos afirmar que os reality shows vieram para ficar, sendo eles próprios objetos indeterminados por atuarem simultaneamente nas zonas nebulosas entre o estético, o econômico, o político e o tecnológico. Tal aposta pode ser feita sem hesitação, já que esta alcunha que designa uma realidade apresentada tal como um show - isto é, organizada intensiva e ficcionalmente para o consumo imediato -, não diz respeito, como vimos, apenas a um tipo de formato narrativo e dramatúrgico, bastante rentável e a baixo custo, se comparado à produção de teledramaturgia.

Se compreendemos os reality shows, portanto, como sintoma e diagnóstico de um panorama sócio-político marcado pela rarefação das fronteiras constituintes do mundo moderno, podemos então sugerir que eles operariam em dois sentidos justapostos: ao mesmo tempo em que são efeito de uma série de mudanças e deslocamentos históricos ocorridos desde as últimas décadas do século XX, apresentam-se também como um instrumento, que, ao capitalizar o problema, visa, de certo modo, contorná-lo. Esta espécie de atenuação se evidencia pelo fato de que a lucratividade dos reality shows está em promover uma pedagogia social no âmbito do audiovisual, por meio da qual se criam e se compartilham repertórios consensuais de modos de gestão da própria vida - como a produção alterdirigida do corpo, do comportamento e de uma imagem de si performativa.

O que poderia então ser visto como uma pedagogia corretiva, que, ao incitar, estimular e seduzir (lembremos das festas no Big Brother Brasil), também regula, moraliza e policia, revela-se muitas vezes como um mecanismo confortador e conformador. Confortador porque, além de testemunharmos os métodos de “sucesso” de algumas das pessoas reais, ainda podemos nos solidarizar e nos identificar com o “fracasso” ou com a humilhação dos demais, expurgando, com isso, nossos próprios temores de exclusão, desfiliação, desligamento e “demissão” [42] por má administração de nossa auto-imagem. E conformador porque essa pedagógica dinâmica narrativa, além de conformar padrões de conduta e comportamentos, produzindo, com isso, certa conformidade, naturaliza tirânicas relações de poder no bojo de um “capitalismo legal”, em que as regras do jogo capitalista são, paradoxalmente, democraticamente tematizadas e discutidas pelos próprios jogadores.

É importante lembrar que nomear de “tirania” essa radical assimetria das relações de poder no âmbito do Big Brother Brasil não significa, de modo algum, reduzi-la a imagem metafórica, embora as metáforas bélicas e autoritárias lá existam: a presença do “paredão” nas noites de “eliminação”; a utilização da “cadeira elétrica” como a última entrevista, antes de o programa começar, que irá determinar a inclusão ou exclusão do candidato, em que é preciso confessar toda a verdade sobre si; e o emprego do “detector de mentiras” ou polígrafos durante os depoimentos dos participantes no “confessionário”, instrumento utilizado em investigações policiais em diversas partes do mundo. No jogo em questão, as três figuras das relações de poder ali estabelecidas - paternais, patronais e empresariais - se confundem e se indeterminam, do mesmo modo em que ficam turvas as fronteiras entre os poderes exercidos pela audiência brasileira, pelo apresentador e interlocutor Pedro Bial, pelo diretor do programa Boninho e pela própria TV Globo.

No entanto, compreender a fonte de legitimação deste poder tirânico apenas por meio da hegemonia nacional da Rede Globo seria esquecer-se da mistificação divinizante do aparato tecnológico da vigilância empregado, baseado nos atributos divinos da onividência e da onisciência. Como enfatiza o próprio Boninho [43] :O BBB não é um estudo psicológico de personalidades. É um jogo, e eu me divirto muito com ele. Ano retrasado [2005], quando estava um marasmo no final, apagamos a luz do programa. Podemos fazer isso. Mandar eles acordarem, eles dormirem, eles fazerem alguma coisa. É brincar de Deus”. E, ainda, na mesma entrevista, que nos remete à célebre frase de Kafka [44] , segundo o qual Deus teria empreendido sua criação em um momento de mau-humor:

Há um limite, não podemos influenciar o relacionamento entre os participantes. Mas podemos influenciar a vida do grupo. O que posso fazer é falar: ‘Fiquei de mau humor e amanhã não haverá festa’. E decidi e ponto. Na hora que eu quero que todo mundo acorde, todo mundo acorda, faz parte da regra. Toca uma música e todos têm que acordar. Do contrário, há punição...

O Big Brother pode tudo, eles não podem nada.

Não seria exagero, portanto, sugerir que, cada vez mais, os dispositivos tecnológicos, telecomunicacionais e audiovisuais contemporâneos põem em funcionamento - como já nos havia alertado Paul Virilio [45] , no início dos anos 90 - um “integrismo técnico”, marcado por algumas propriedades do divino, como, além da onividência e onisciência, a onipresença, a ubiqüidade, a instantaneidade e a transparência. Nesse sentido, poderíamos também compreender a proliferação de reality shows e de toda sorte de objetos audiovisuais contíguos que apelam constantemente à realidade, por meio da intensificação de efeitos de real e de verdade, como a expansão de um regime de visibilidade fascinado pela ilusão da transparência total - tudo ver, tudo mostrar, tudo provar, nada esconder.

Ao mesmo tempo, tal desejo de transparência carrega consigo o fantasma da vigilância, evocado em nome da segurança: é preciso cada vez mais fechar, codificar, constranger, isolar. Contudo, se esse regime de visibilidade pode ser instrumentalizado e reduzido a uma função social-técnica - reguladora de condutas, de comportamentos e de libidos -, atuante em nível local, seu objetivo maior é tornar-se uma linguagem hegemônica em nível global, justamente porque totalizante, roteirizada, programada e programática - como, aliás, é a linguagem da cibernética, da estatística e da genética. Os reality shows se afigurariam assim como um dispositivo biopolítico e como uma linguagem hegemônica do capitalismo imaterial, quando a dimensão inventiva, libidinal e produtiva da vida e da experiência humana torna-se matéria-prima e núcleo vital da política, da produção estética, do desenvolvimento tecnológico e da organização dos fluxos capitalistas.

Porém, se “nossa política não conhece hoje outro valor que a vida” [46] , essa vida natural, “nua”, que se localiza aquém e além do “real” e do “ficcional”, há algo no funcionamento das vivas estratégias biopolíticas que é puro desfuncionamento. No limite, os dispositivos estéticos e biopolíticos de regulação, administração e controle da vida vão gerir, justamente, o risco da perda de controle, os lapsos, as brechas e aquilo que dela escapa, como os afetos. No jogo da revelação e do engano engendrado pelas imagens biopolíticas, a vida, mesmo que fragilmente opaca, ainda por vezes resiste às tentativas de transparência total, de dominação e de instrumentalização extrema, pois sua capacidade de resistir não se aloca em sua matéria rija, na argamassa de que é feita, mas na poeira que dela deriva.

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[1] ARENDT, H. As Origens do Totalitarismo. São Paulo: Cia das Letras, 1989, p.12.

[2] ARENDT, H. Compreensão e Política, Lisboa: Relógio D’água, 1993, p.53.

[3] DELEUZE, G. “O que é um dispositivo?”. In: O Mistério de Ariana. Lisboa: Vega, 1996.

[4] FOUCAULT, M. “Eu compreendo porque as pessoas sentem minha escrita como uma agressão. Elas sentem que existe nela alguma coisa que as condena à morte. Na realidade, sou bem mais ingênuo do que isso. Eu não as condeno à morte, simplesmente suponho que já estejam mortas. É por isso que me surpreendo quando as ouço gritar. Fico tão espantado quanto o anatomista que sentisse redespertar de repente, sob a ação de seu bisturi, o homem sobre o qual pretendia fazer uma demonstração. Bruscamente, os olhos se abrem, a boca se mete a gritar, o corpo a se retorcer, e o anatomista se espanta: ‘Então ele não estava morto!’” In: “A palavra nua de Foucault”, entrevista publicada pelo Caderno Mais!, Folha de São Paulo, 21/11/2004 (tradução a partir de entrevista concedida ao Le Monde, 1966).

[5] O regime de produção “pós-fordista” ou “pós-industrial” ensejou, segundo diversos autores, um novo modo de agenciamento capitalista, denominado “capitalismo imaterial” ou “cognitivo”, cujo núcleo da produção econômica é a própria vida, o conhecimento, a criatividade, o imaginário, a comunicação e a informação. Ver: COCCO, G. Capitalismo cognitivo - trabalho, redes e inovação. Rio de Janeiro: DP&A, 2003; bem como NEGRI, A. e LAZZARATO, M. Trabalho imaterial. Rio de Janeiro: DP&A, 2001.

[6] Apesar do termo “controle” já aparecer na obra de Foucault (notadamente no capítulo “O Panoptismo”, do livro Vigiar e Punir), é Gilles Deleuze quem vai conceitualizá-lo, consagrando a expressão “sociedade de controle” como denominação de nossa atual forma de organização sócio-técnica. Ver o texto seminal de Deleuze, “Post-Escripum sobre as sociedades de controle”. In: Conversações. São Paulo: Ed. 34, 2000; bem como o desenvolvimento do conceito por Michel Hardt, em “A sociedade mundial de controle”. In: Alliez, Éric (org.) Gilles Deleuze: uma vida filosófica. Rio de Janeiro: Ed. 34, 2000.

[7] Segundo Foucault, o poder “não é uma instituição nem uma estrutura, não é uma certa potência de que alguns seriam dotados: é o nome dado a uma situação estratégica (...)”, em História da Sexualidade - vol.1, Rio de janeiro: Graal, 1997, p. 89.

[8] Para um aprofundamento do conceito de biopolítica, ver: FOUCAULT, M. “Aula de 17 de março de 1976”. In: Em defesa da sociedade. São Paulo: Martins Fontes, 2005; “O nascimento da biopolítica”. In: Resumo dos cursos do Collège de France (1970-1982). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997; bem como “O nascimento da medicina social”. In: Microfísica do poder. Rio de janeiro: Graal, 2000.

[9] DELEUZE, G. “O que é um dispositivo?”. In: O Mistério de Ariana. Lisboa: Vega, 1996.

[10] DELEUZE, G. Foucault, São Paulo: Brasiliense, 2005.

[11] JAMESON, F. Pós-modernismo - a lógica cultural do capitalismo tardio. Rio de Janeiro: Ática, 1997.

[12] FOUCAULT, M. Ditos e Escritos, vol. IV, Estratégia, Poder-Saber. Rio de Janeiro: Forense, 2003.

[13] FOUCAULT, M. Ditos e Escritos, vol. IV, Estratégia, Poder-Saber. Rio de Janeiro: Forense, 2003.

[14] Segundo matéria publicada pela Folha Online, o contrato da Rede Globo com a Endemol segue até 2012, se não for renovado antes desta data. Em: http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u69997.shtml

[15] SAID, E. Cultura e Imperialismo São Paulo: Cia. das Letras, 1999.

[16] Em entrevista a revista eletrônica Trópico, Paula Sibilia nos diz que, contemporaneamente, haveria um deslocamento dos eixos em torno dos quais as subjetividades se constroem, as quais tenderiam a uma gradativa exteriorização do eu e a uma construção de si alterdirigida. “Assim, hoje proliferara um tipo de subjetividade que precisa da confirmação do olhar alheio para consumar a sua existência: um eu que precisa aparecer para ser”. Ver FELDMAN, I. “O pavor da carne” – entrevista com Paula Sibilia. In: revista Trópico, jan.2007. Disponível em: http://p.php.uol.com.br/tropico/html/textos/2853,1.shl

[17] KAFKA, F. O Processo. São Paulo: Cia. das Letras, 2003 (cap. IX).

[18] Presos do lado de fora, estaríamos, assim como o personagem K., de O Processo, em constante observação, pois nossa vida privada é permanentemente rastreada e digitalizada por cada vez mais difusas e renovadas estratégias de controle e vigilância, baseadas agora não apenas em regimes escópicos centrados na função primordial da observação, mas na própria dimensão infinitesimal da informação digital.

[19] AGAMBEN, G. Homo Sacer - o poder soberano e a vida nua. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2002 e AGAMBEN, G., Estado de exceção. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2005.

[20] Em “Para Globo, ‘big brother’ é personagem”, matéria de Daniel Castro, publicada no jornal FSP, Caderno Ilustrada, em 21/03/2005.

[21] AGAMBEN, G. Homo Sacer - o poder soberano e a vida nua. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2002.

[22] A respeito da administração do conflito no BBB, ver: FELDMAN, I. e EDUARDO, C. “Protocolos do ‘bom senso conjugal’ e do ‘conflito cordial - de ‘Páginas da Vida’ ao ‘Big Brother Brasil’ explicitam-se normas de conduta e comportamento’”. In: revista Cinética, mar. 2007. Disponível em: http://www.revistacinetica.com.br/protocolos.htm

[23] Ver entrevista de Pedro Bial ao O Globo, Segundo Caderno, em 26/03/05.

[24] Como, por exemplo, em “Casal do ‘BBB’ protagoniza cenas picantes sob o edredom”. Folha Online, 6/02/2008. http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u370073.shtml

[25] Em: “Big Brother" embriaga participantes para produzir beijos, tombos e vexames”. Folha Online, 10/012008. http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u361904.shtml

[26] Ver XAVIER, I. O olhar e a cena – Melodrama, Hollywood, Cinema Novo, Nelson Rodrigues. São Paulo: Cosac&Naify, 2003

[27] O Big Brother Brasil tem sido, tradicionalmente, a maior audiência da TV brasileira no verão e a maior fonte de lucros da Globo no período. Da primeira à sétima edição (2000 a 2007), os índices do ibope variaram de 42 a 52 pontos (cada ponto equivale a 55 mil domicílios), o que significa 62% e 72% de todos os televisores ligados só na Grande São Paulo. Mesmo o BBB8, que começou com 37 pontos no Ibope, “a segunda menor audiência da história do reality” na Globo, já a recuperou, oscilação que não implicou qualquer efeito nas cotas dos patrocinadores. Ver:
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http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u361079.shtml
http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u361635.shtml

[28] Ver as matérias “Race a factor in US reality show”, em http://news.bbc.co.uk/2/hi/entertainment/5281220.stm, bem como “Reality show ‘Survivor’ é criticado por uso de ‘critérios raciais’”, em
http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u64071.shtml. Folha Online, 2006.

[29] Sobre a capitalização do “carisma” pelo capitalismo empresarial-midiático e o histórico deslocamento que o termo vem sofrendo, seria interessante ver a definição clássica em Max Weber, vinculada à religião. Em WEBER, Max. Economia e Sociedade. Brasília: UnB, 1991.

[30] Ver entrevista de Boninho à revista Playboy, em maio de 2002.

[31] SARAIVA, L. “BBB e Edifício Master: espetáculo e anti-espetáculo”. In: Sinopse – revista de cinema, número 11, ano VIII, setembro 2006.

[32] Aproprio-me, aqui, da célebre frase do etnógrafo e documentarista francês Jean Rouch, quando definia o seu cinéma-verité como uma busca pela verdade do cinema e não no cinema.

[33] O conceito de auto-mise-en-scène foi formulado por Claudine de France e retomado por Jean-Luis Comolli em “Carta de Marselha sobre auto-mise-en-scène”. In: Catálogo “forum.doc.bh.2001”, 5º. Festival do Filme Documentário e Etnográfico - Fórum de Antropologia, Cinema e Vídeo, Belo Horizonte, novembro de 2001.

[34] SARAIVA, L. “BBB e Edifício Master: espetáculo e anti-espetáculo”. In: Sinopse – revista de cinema, número 11, ano VIII, setembro 2006.

[35] FELDMAN, I. “Antes e depois’: reality shows de intervenção, reformatação do corpo e produção de esquecimento”. V Encontro de Núcleos de Pesquisa do XXVIII INTERCOM, NP 21 - Comunicação e Culturas Urbanas. UERJ - Rio de Janeiro, de 5 a 9 de setembro de 2005 (disponível em PDF na internet);

[36] Decerto, a função “assistencialista” da televisão ultrapassa o horizonte dos reality shows sendo, inclusive, anterior à sua lógica. Na TV Record, por exemplo, há “Endividados”, um programa que paga as dívidas dos participantes, enquanto o SBT oferece o mesmo “serviço” em “Devo, não nego, pago quando puder”. Contudo, os reality shows vão intensificar, de forma mais sutil e modulável, esse aspecto assistencial da TV.

[37] The Truman Show. Dir. de Peter Weir e roteiro de Andrew Niccol (EUA, 1998).

[38] ROUCH, J. Apud BRAGANÇA, Felipe. “Mestres dos mestres”. In: revista eletrônica Contracampo http://www.contracampo.com.br/58/jeanrouch.htm

[39] ROUCH, J. Apud BRAGANÇA, Felipe. “Mestres dos mestres”. In: revista eletrônica Contracampo
http://www.contracampo.com.br/58/jeanrouch.htm

[40]   Sobre a mutação do perfil de ganhadores do Big Brother Brasil FELDMAN, I. “Um novo tipo de jogador: a vitória de Alemão e a ‘profissionalização’ no BBB”. In: revista Cinética, abr. 2007. Disponível em:
http://www.revistacinetica.com.br/vitoriaalemao.htm

[41] Apud WATSON, Lucinda. Trajetória de grandes líderes - carreira e vida de pessoas que fizeram diferença. São Paulo: Negócio Ed., 2002.

[42] Sobre a relação entre exclusão e “demissão” nos reality shows, ver: FELDMAN, I. “Programas de Desemprego Programado”. In: Contracampo No. 8 - Revista do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UFF - Visões em Movimento. Niterói: IACS, 2003.

[43] Em entrevista ao O Globo, Segundo Caderno, “Brincando de Deus”, em 8/01/2007.

[44] Apud BLOOM, H. Jesus e Javé, os nomes divinos. Rio de Janeiro: Objetiva, 2007. p. 234.

[45] VIRILIO, P. L’écran du désert. Paris: Galilée, 1991.

[46] AGAMBEN, G. Homo Sacer - o poder soberano e a vida nua. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2002. p.18

Ilana Feldman é graduada em Cinema (UFF), mestre em Comunicação pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação, Imagem e Informação da mesma universidade, onde também exerceu atividades docentes no curso de Estudos Culturais e Mídia, e doutoranda no Programa de Pós-graduação em Ciências da Comunicação da Escola de Comunicação e Artes da USP. Como ensaísta e crítica, é colaboradora da revista Trópico e redatora da revista eletrônica Cinética. Como realizadora, dirigiu os filmes Almas Passantes – um percurso com João do Rio e Charles Baudelaire e Se tu fores.