A convicção de que tudo o que acontece
no mundo deve ser compreensível pode levar-nos
a interpretar a história por meio de lugares comuns.
Compreender não significa negar nos
fatos o chocante, eliminar deles o inaudito, ou, ao
explicar fenômenos, utilizar analogias e
generalidades que diminuam o impacto da realidade e
o choque da experiência.
Compreender significa, em suma, encarar a realidade
sem preconceitos e com atenção, e
resistir a ela – qualquer que seja.
Hannah Arendt [1]
Distante
das críticas à banalidade de um suposto “cotidiano”
e longe dos discursos de adesão, as tentativas de compreensão
dos contemporâneos programas de realidade tele-programada,
amplamente conhecidos por reality shows, movem-se
em terreno pantanoso. Não é mesmo fácil, muito menos
confortável, pensar aquilo que, sendo da ordem da movência,
permanentemente escapa a categorizações fixas e julgamentos
normativos. Não é mesmo fácil sermos contemporâneos
a nosso próprio tempo, pois, como já escrevera Hannah
Arendt, “somos contemporâneos somente até o ponto em
que chega nossa compreensão”. [2]
Tal
como nosso tempo, os reality shows requerem um
escopo que contemple suas formas cambiantes, múltiplas
e seus efeitos paradoxais - análise e diagnóstico que
não implicam predizer, apontando o dedo em riste para
a história e seus dispositivos culturais, mas, antes,
como diria Deleuze, “estar atento ao desconhecido que
bate a nossa porta”.
[3] Por isso, é sempre tão desafiante tentar
analisar aquilo que é escorregadiamente vivo, ou, no
caso da perspectiva aqui postulada, aquilo que faz da
própria vida, biopoliticamente, matéria-prima de observação,
instrumentalização e subjetivização compartilhada. Objeto
que grita, ou sorri sarcasticamente, na mesa do anatomista...
Michel Foucault, pensador que fez do presente
uma infindável superfície de investigação e do pensamento
uma abertura à historicidade e às urgências de seu próprio
tempo, dizia sentir-se, em sua escrita, como um anatomista
que percorre o corpo do outro, fazendo nele incisões,
levantando os tegumentos da pele, procurando trazer
os órgãos à tona e, com isso, tornando visível, finalmente,
o local da lesão. Foucault compreendera que o trabalho
do analista não é matar seu objeto, asfixiá-lo, domesticá-lo,
mas pressupor, antes mesmo da análise passar a operar
(e para que ela possa operar), sua circunstancial morte [4] . A escrita foucaultiana partia assim desta
premissa, de que toda análise - avaliativa e perspectiva
- requer recortes, cortes, suturas e rupturas. Portanto,
é sempre válido relembrar: para cada recorte tornado
visível há um sem-número de outros obscurecidos.
É
nesse intuito que procuramos compreender, por meio de
um recorte estético e biopolítico, o fenômeno dos reality
shows. Fenômeno a ser tomado como um campo de investigação
privilegiado, por fazer convergir, de maneira inaudita,
diversos interesses e relações de força, como as demandas
do capitalismo pós-industrial, pós-fordista ou imaterial
[5] por perfis identitários, corpos ajustados
e motivados, “intimidades” publicizadas, desejos de
visibilidade e autenticidade, dentre tantas outras demandas.
Os reality shows, assim como o capitalismo contemporâneo
em sua vertente imaterial, fariam então da própria vida,
“anônima” e “real”, o terreno mais fértil, “criativo”
e rentável para seus dinâmicos investimentos.
Porém, quando falamos em “o” fenômeno dos
reality shows, de modo algum queremos circunscrevê-lo,
ou reduzi-lo, a um corpus homogêneo, desprovido de matizes
e produtor de sentidos unívocos. De modo algum queremos
obscurecer a singularidade dos objetos que constituem
tal fenômeno, domesticando-os como mero e ilustrativo
suporte para uma tessitura teórico-conceitual. Tendo
em vista as relações de poder forjadas por esses programas
televisivos, seria até mesmo pertinente perguntar: como
não tiranizar objetos, no caso, também tirânicos? E
como fazê-los falar - sem torcê-los, sem autoritariamente
forçá-los -, a fim de que exprimam aquilo de que a linguagem,
por sua precariedade e perplexidade, muitas vezes não
dá conta? Nesse sentido, também seria o caso de nuançarmos
a idéia de “fenômeno”, denominação tingida por ares
de excepcionalidade.
O
“fenômeno” a que nos referimos indica que os reality
shows, de uma tendência internacional no mercado
do audiovisual, têm se transformado em presença permanente,
manifestação massiva que se dissemina nos mídia, nacionais
e estrangeiros, por meio da pluralidade de gêneros e
formatos, da horizontalidade das formas de produção,
exibição e circulação e, no caso do Big Brother Brasil,
nosso mais expressivo reality, por meio do desenvolvimento
galopante da chamada convergência de mídias, que insere
o BBB como o produto central dentre uma rede de tecnologias
e serviços. Serviços que, pautados por demandas de interatividade,
essa capciosa forma de incitação à adesão voluntária,
mobilizam simultaneamente diversos suportes tecnológicos
e comunicacionais, como a televisão aberta e fechada,
a telefonia fixa e móvel, site, fóruns, chats
e canais de exibição na internet, além das publicações
diárias e periódicas, eletrônicas ou tradicionais -
das revistas de “gente” à pornografia, passando por
diferentes perfis de jornais.
Em todas essas mídias, por mais diversificadas
que se apresentem, trata-se de fazer convergir um mesmo
interesse: é preciso que tudo se torne visível
para que se possa administrar, prever, programar, monitorar
e simular. É preciso que tudo se torne visível para
que se possa não mais vigiar e punir - como nas modernas
sociedades disciplinares -, mas espiar e premiar,
controlar e estimular, constranger
e liberar. Binômios paradoxais moduladores da
experiência e da vida nas contemporâneas sociedades
de controle
[6] , vida que tanto escapa às dominações quanto
demanda ser por elas reativada, vida que reivindica
a possibilidade de se furtar ao olhar alheio ao mesmo
tempo em que solicita ser permanente observada.
Nesse
sentido, a clássica definição de voyeurismo, empregada
muitas vezes para explicar brevemente nossa contemporânea
“pulsão escópica”, não daria conta da complexidade das
relações de poder em jogo no ato de “espiar”, pois nos
reality shows não há roubo de imagem, não há
uma observação sem consentimento e seletiva, a partir
de um único ângulo (a clássica figura da fechadura ou
da janela), não há alienação por parte dos vigiados,
por mais que naturalizem - e eventualmente esqueçam
- os olhares vigilantes. Antes, para além de um possível
voyeurismo, trata-se da interiorização da vigilância
por meio de um pacto de encenação, que por sua
vez implica uma relação de poder produtiva, e não repressiva:
encenando-se a si mesmos e interpretando seus tipos,
em reação e em relação às câmeras, os
participantes de um reality show demandam ser
constantemente observados, em um tipo de pacto em que
o ato de espiar, vigiar ou espreitar é ressignificado.
Não se trata mais então de observar furtivamente, à
distancia e na solidão, mas de tornar explicito, transparente
e democrático o modo como opera esse olhar. Como diz
freqüentemente o apresentador, Pedro Bial: “vamos exercer
nosso direito de espiar!”.
Antes de prosseguirmos, é importante ressaltar
que, agindo por modulação e modulando variações, o poder
atua como uma força social dinâmica e microfísica que
se dissemina e se multiplica capilarmente por todos
os setores da vida. Um poder produtivo, como
tão bem cartografou Foucault
[7] , e não mais repressivo, restritivo e punitivo.
Um poder que, além de infinitesimal e vascularizado
por todo o corpo social, cada vez mais seduz, solicita
e convoca nossa ativa colaboração - seja por meio de
renovadas estratégias de interação, seja por meio de
nossa voluntária observação (em função da qual o gesto
de espiar torna-se um “direito”). Um poder, em suma,
que rege e regulamenta a vida social desde dentro, de
modo imanente, cujo alcance e penetração social só se
efetivam com êxito porque o poder é exercido sobre sujeitos
livres e por meio de sujeitos livres: são os indivíduos
que o tomam para si, o abraçam, o incorporam e voluntariamente
o reativam como uma função vital.
Todavia, ao compreender o poder como produção
- de imaginário, de desejos, de corpos, de subjetividades
e de relações sociais -, não podemos perder de vista
que esta produção é processual e relacional, implicando
a constituição de produtos (materiais ou imateriais)
permanentemente inacabados: em contínua mutação, obsolescência,
atualização e reprogramação. Dinâmica que tanto vale
para as formas hegemônicas de produção subjetiva quanto
para certa produção audiovisual televisiva, caso dos
reality shows, tomados aqui como um dos modos
de operar da biopolítica: quando todas as dimensões
da vida, suas tecnologias de regulação, produção e gestão
e, até mesmo, suas formas de escape e liberação, tornam-se
o motor e o núcleo vital do capitalismo em sua faceta
cognitiva e imaterial.
Cabe lembrar que a “biopolítica” foi definida
por Foucault
[8] como a entrada da vida e do corpo, bem
como de seus mecanismos, no domínio dos cálculos explícitos
do poder. A partir do século XVIII, a vida da população
e dos indivíduos passa a ser politizada por meio da
adoção de processos sócio-técnicos preocupados em garantir
a reprodução e a sobrevivência da espécie, bem como
por meio de diversas tecnologias de poder, como as instituições
disciplinares (a escola, a fábrica, a prisão e o hospital)
focadas na administração dos processos biológicos dos
corpos humanos, a partir de então cada vez mais diferenciados
individualmente. Desse modo, os poderes, ou biopoderes,
configuram-se como dispositivos de normalização enquanto
“mecanismos de regulação da vida”, inscritos em uma
racionalidade política que irá determinar, de maneira
horizontalizada, compartilhada e, muitas vezes, socialmente
requerida, a forma de gestão das condutas dos indivíduos.
Porém,
se as outrora estatais biopolíticas nascem como uma
modalidade de poder sobre a vida e de governo da vida,
hoje, privatizadas e hiper-individualizadas, elas se
disseminam como técnicas de auto-gestão, pautadas
por valores empresariais de custo-benefício e por demandas
de otimização do desempenho e atualização permanente,
quando o indivíduo torna-se um empreendedor de si,
tomando a si mesmo como seu próprio produtor de rendimentos,
ou mesmo como produto de seus rendimentos. Dentre essas
técnicas de auto-gestão, teriam destaque as estratégias
de “marketing pessoal” - em que está em jogo o aumento
da “auto-estima”, do “carisma”, da “criatividade”, da
“boa forma” e da “produtividade” - e a administração
dos riscos que ameaçariam esses mesmos commodities.
A vida, agora além de politizada, foi também capitalizada
em sua mais ínfima dimensão: tornou-se um feixe de informações,
de padrões comportamentais e de perfis de consumo, instrumentalização
que alimenta tanto uma economia imaterial, em sua vertente
informática e tecnocientífica, quanto uma produção
audiovisual biopolítica.
Nesse sentido, e é aqui que reside nosso
interesse maior, podemos constatar que, a despeito de
uma pluralidade de formatos narrativos, dramatúrgicos
e tecnológicos, os reality shows são, de fato,
uma produção audiovisual atravessada por uma lógica
comum, cultural e operacional. Similitude que não é identificada apenas em função
das “vivas” estratégias de contínua adaptação e mutação
dos programas; nem da exportação mundial, do Ocidente
ao Oriente, de um mesmo formato, caso da matriz Big
Brother; nem mesmo, ainda, dos lucrativos resultados
adquiridos - em números de audiência, valor de patrocínios,
cotas de anunciantes e “retorno de mídia”.
Antes,
tal semelhança (que de modo algum oblitera as diferenças)
pode ser identificada por meio da presença de um tipo
de dispositivo audiovisual que se efetiva como
uma disseminada “tecnologia de poder” e como um hegemônico
regime de visibilidade da atualidade, ensejando relações
sociais, processos de subjetivação, padrões corporais,
demandas de visibilidade, de efeitos de verdade e de
interatividade, além de valores empresariais. Como escrevera
Deleuze, “pertencemos aos dispositivos e neles agimos”
[9] , já que o dispositivo é uma máquina social,
antes mesmo de ser técnica. De fato, para Deleuze, “todas
as máquinas são sociais antes de serem técnicas”
[10] , pois se constituem como arranjos descentralizados
de poder que organizam, regulam e controlam novas multiplicidades
de indivíduos.
Enquanto dispositivo, isto é, enquanto
um modo de operar dotado de uma lógica e de efeitos
que lhe são próprios, os reality shows se articulariam
a outros objetos audiovisuais contíguos - como blogs,
fotologs, vídeos amadores, simulação de flagras,
transmissões via webcams, transmissões esportivas
televisivas e alguns filmes documentais e ficcionais
-, tendo sempre em vista de que se trata de um “mesmo”,
porém bastante plástico e plural, regime de visibilidade.
No entanto, tendo em vista os limites deste texto, privilegiamos
o reality Big Brother Brasil como referência
primeira. Neste ponto, é necessário salientar que, tal como o
corpo que ressuscita nas mãos do anatomista, o BBB está
sempre em mutação e em permanente atualização de seu
formato, a fim de evitar qualquer tipo de envelhecimento
de sua fórmula e desgaste de seus altos índices de audiência.
O que significa que uma análise minuciosa precisaria
acompanhar edição por edição, capítulo a capítulo, dando
conta das complexidades inerentes tanto ao aprimoramento
narrativo quanto às condutas humanas em jogo – aproximação
que não responderia aos anseios deste texto.
Dando
então continuidade às metáforas clínicas foucaultianas,
não se trataria, assim, de uma epidemia local, mas dos
reality shows como um dispositivo biopolítico
endêmico em nível global, ou como uma “lógica cultural
do capitalismo imaterial”, para adaptarmos o subtítulo
de um livro do crítico marxista Frederic Jameson
[11] . Assim, quando falamos em reality
shows, e de modo ainda mais expressivo no caso do
Big Brother Brasil, estamos designando um duplo movimento,
tanto os programas em si mesmos quanto a lógica, também
dupla, por meio da qual operam, a saber: a convergência
de “técnicas políticas” [12] que se pretendem objetivas e totalizantes
- como a vigilância, o controle, a regulação dos comportamentos
e da dimensão libidinal da vida, a punição e a premiação
- com técnicas subjetivas de invidualização, ou “tecnologias
do eu” [13] , por meio das quais se realizam os processos
de subjetivação, de criação identitária, de auto-expressão
e de exteriorização de si como personagem público. Sendo
ambas as “técnicas” e “tecnologias” matéria-prima das
estratégias biopolíticas.
É
habitando esse duplo vínculo político, entre as técnicas
políticas e as tecnologias de individuação, entre a
interiorização dos poderes e da vigilância e a modulação
dos processos de subjetivação, que a vida agenciada
pelos reality shows revela-se, pelo menos em
princípio, como o fundamento das democracias ocidentais
modernas: pois, quanto mais rentabilizada e valorada
como um “capital pessoal” a ser cuidadosamente administrado,
negociado e atualizado; quanto mais investida e atravessada
por poderes, dispositivos e tecnologias; e, quanto mais
aparentemente valorizada, em sua dimensão “cotidiana”
e “ordinária”, mais a vida é instrumentalizada, expropriada
de sua existência propriamente política e reduzida a
uma performance: comportamental, sexual, midiática e
profissional.
Os programas: regulação policial e libidinal
Tal
endemia dos reality shows faz-se então evidente
quando tomamos o caso da franquia televisual Big Brother.
Criado em 2000 pela empresa holandesa Endemol, os direitos
autorais do Big Brother foram vendidos para, além do
Brasil [14]
, mais de 25 países, dos vizinhos nórdicos à Índia,
Sérvia, Croácia, Finlândia, Tailândia, Rússia, África
do Sul, Filipinas, Austrália, Bulgária, Estados Unidos,
México e diversos países europeus e latino-americanos.
Configurado, assim, como uma espécie de formato audiovisual
internacionalista, em que empresas de comunicação nacionais
pagam altas taxas pelos direitos de adaptação e exibição,
o formato narrativo Big Brother seria análogo à função
ocupada pelo próprio gênero do romance durante o período
colonial e imperial. Segundo Edward Said, em Cultura
e Imperialismo [15] , mesmo quando nacionalizado pelos países
dominados, o romance, como um produto histórico, reproduzia,
em sua forma e linguagem, a mentalidade da dominação.
No caso do dispositivo Big Brother, essa
“forma narrativa da dominação” se dá não apenas por
sua disseminação horizontalmente globalizada, em um
nível macroeconômico, mas, sobretudo, pelo modo transversal
com que ela atua sócio-culturalmente, em um nível microfísico.
É no âmbito da própria diegese do programa que se efetivam,
de fato, as variadas formas de dominação, subjetivação
e exclusão, em uma dinâmica de poder que faz da “motivação”
e das “técnicas motivacionais” (com todos os afetos
que elas implicam) o modus operandi desse dispositivo
de produção subjetiva alterdirigida
[16] e simultânea produção capitalista, quando
os modos ou “estilos de vida”, mesmo os mais singulares,
se tornam a fonte de energia que alimenta a permanente
renovação das tecnologias da comunicação, das irrestritas
estratégias de marketing e dos fluxos capitalistas.
No
bojo desse dispositivo biopolítico, próximo a
um departamento de RH em período de contratação de pessoal
para grandes companhias, no qual Pedro Bial seria um
misto de pai, patrão e psicólogo-chefe, disse certa
vez a personagem Nathália, do BBB5, em noite de “paredão”,
quando podia ser uma das eliminadas: “Estou nervosa
como em uma entrevista de emprego”. Ao que responderia,
capítulos adiante, o concorrente Paulo André, conhecido
como P.A: “Aqui é igual lá no emprego. Quem tá comigo
sobe junto, quem não tá vai pra fora”. Frases e posturas
próximas a outros realities, como “O Aprendiz”,
espécie de “MBA para as massas” apresentado e liderado
pelo empresário paulista Roberto Justus, na TV Record,
e, por sua vez, uma adaptação da matriz norte-americana
“The Apprentice”, programa do multimilionário Donald
Trump, cujo bordão, também adaptado por Justus e seus
“consultores”, é: “Você está demitido!”.
Interessante notar que o termo “apprentice”
em inglês não se refere apenas ao caráter pedagógico
do programa, nem à figura do aprendiz de um jogo capitalista
sádico e amoral, como Justus/Trump e, por vezes, Bial
(este com algum afeto) quer nos demonstrar, mas aos
escravos libertos e livres - porém sem direito à cidadania
- chamados, nas colônias inglesas, de apprentices,
pois eram submetidos a uma espécie de “estágio” até
serem considerados “aptos para a liberdade”. A vitória,
considerada libertadora por esses programas, não se
restringe, portanto, à conquista do prêmio milionário,
a uma vertical mobilidade social e a um reconhecimento
pessoal pela fama, mas se efetiva, de fato, por meio
da entrada do indivíduo a um regime de visibilidade
próprio aos aprendizes vencedores - agora reconhecidos
como sujeitos de direito aptos para a liberdade do capitalismo
sem fronteiras. Regime de visibilidade em que é preciso,
primeiro, parecer bem-sucedido para tornar-se
bem-sucedido e que condenaria todos os outros, anônimos,
modestos, assalariados, hesitantes, autônomos, inseguros
ou fracassados, a uma espécie de servidão do empregado.
No entanto, pertencer ao regime de visibilidade em questão
implica um outro tipo de - voluntária - prisão.
Do
mesmo modo, no “formato narrativo” Big Brother, cuja
matriz inspiradora é a distópica ficção-científica-política
1984, porém agora desprovida da pauta ideológica e amalgamada
por uma cultura democrática, a vigilância não mais coage,
como no romance, mas, de modo oposto, é requerida e
consentida, conferindo visibilidade e existência social
ao libertar o confinado da “aprisionante” condição do
anonimato. O que significa dizer que, para que o anônimo
candidato ao confinamento se “liberte” ou se “emancipe”
socialmente, é preciso que ele demande e se submeta
às novas e contínuas prisões - exercidas pela casa do
programa, pela empresa, pela fama. Eterno jogo de espelhos
entre a liberdade que impõe aprisionamento e o aprisionamento
como condição de liberdade. Ou se trataria de uma estranha
condição contemporânea - que nos evoca imagens kafkianas
- em que sujeitos demandam assujeitamento para que deixem
de ser sujeitados? Não seria exagero, aliás, aproximar
a figura da porta que encerra os confinados no cativeiro
de luxo do BBB à parábola de Kafka, “A porta diante
da lei” [17]
. Em ambos os casos, trata-se da espera - e da voluntariedade
- diante da arbitrariedade do poder. Um poder que, ao
encerrar quem está dentro, aprisiona os que vivem fora
[18] .
Nesse estado de exceção [19] em que
se desenrolam os programas, sobretudo se pensarmos no
dispositivo de convivialidade vigiada do Big Brother
Brasil, quando a suspensão do ordenamento jurídico-constitucional,
a partir de práticas de poder teoricamente inconstitucionais,
é naturalizada, normatizada e revertida em uma tecnologia
de governo da vida, a felicidade e a liberdade de cada
participante se inscreverão no ponto exato de sua própria
submissão. Evocar, porém, a forte figura do estado
de exceção não significa, de modo algum, metaforizá-la.
É por meio dela que podemos perceber certas práticas
de poder não como extra-ordinárias, mas como a exceção
que teria se tornado norma vigente, tal como a disponibilização
total de direitos considerados constitucionalmente fundamentais
e indisponíveis, como a “intimidade”, a “privacidade”,
a “honra” e, até, a “personalidade”, já que, juridicamente,
os participantes do Big Brother Brasil são considerados
“personagens de ficção” [20] , não podendo, por tempo determinado,
interpretar seus tipos em outros meios e veículos, como
se a emissora assumisse contratualmente que suas identidades
e personalidades agora pertencem à empresa tal como
produtos de ficção. É essa espécie de “servidão voluntária”,
de sujeição ao assujeitamento, demandada pela vida “anônima”
e “real”, pela vida-nua, como nos diz
Giorgio Agamben
[21] , essa vida que foi reduzida à sua condição
biológica, corporal, libidinal e fenomenológica, que
constituirá a própria argila, a argamassa da produção
audiovisual biopolítica.
Produzindo
e reproduzindo relações concorrenciais e competitivas
baseadas na estimulação e contenção do conflito
[22] , esse grande motor narrativo, incitando
e, simultaneamente, controlando, o Big Brother brasileiro
engendra uma sofisticada prática biopolítica de regulação
policial e libidinal - dos corpos, de suas
condutas e de sua libido. Diferentemente do formato
pioneiro criado pela Endemol, “concebido originalmente
para gerar conflito e sexo”, nas palavras do apresentador
Pedro Bial [23] , o Big Brother Brasil se caracteriza
não só pelo estímulo a “cenas picantes sob o edredom” [24]
ou por embriagar seus participantes “para produzir
beijos, tombos e vexames”
[25] , mas por estratégias de moralização folhetinescas,
vinculadas aos códigos do melodrama, que punem aqueles
que passam dos “limites” - sejam morais, relativos às
aproximações sexuais, sejam concorrenciais, relativos
a uma ética da competição. Se pensarmos no melodrama
como uma forma de regulação do olhar
[26]
do espectador na sociedade de massa e como
um gênero, historicamente, de “correção” social, a partir
da criação de oposições morais e estereotipias, ficam
evidentes, no BBB, os estratagemas moralizadores, agenciados
tanto pela edição quanto pelos critérios de punição
e eleição, agenciados pela audiência, dos candidatos
ao milhão. No limite, é a própria administração
da dimensão libidinal da vida, com seus instintos e
impulsos (sexuais, afetivos, agressivos e competitivos),
que é tornada matéria-prima dessa economia audiovisual
biopolítica.
Porém, além do Big Brother Brasil, cujo
impacto
[27] e repercussão no país devem-se, em primeira
instância, ao fato de ser veiculado pela emissora líder
e em horário - do ponto de vista dos patrocinares -
nobre, inúmeros outros reality shows participam
dessa economia audiovisual biopolítica, sendo também
importados e exibidos em seus formatos originais ou
reproduzidos em versões nacionais. Lembremos que, no
início da veiculação dos reality shows nas televisões
brasileiras, dois programas eram paradigmáticos dessa
mistura biopolítica entre conflito, sexo e experiência
behaviorista: o inglês “Zoológico Humano”, exibido pelo
GNT, e o norte-americano “Ilha da Tentação”, exibido
pela FOX. Enquanto o primeiro era, literalmente, um
laboratório humano, acompanhado por psicólogos que,
do outro lado das câmeras de vigilância, disparavam
seus frios e normativos comentários, o segundo vinculava-se
à dimensão estritamente sexual da vida, instigando e
gerindo traições, infidelidades e disputas entre
casais.
Conformando,
desse modo, todo um regime de verdade, de visibilidade
e de sensibilidade, sobre o qual assentamos nossas práticas,
crenças e desejos mais cotidianos, a lógica cultural
dos reality shows diz respeito a um modo de operar,
estética e biopoliticamente, próprio à dinâmica neoliberal,
moral e policial de um certo espetáculo globalizado.
Dinâmica essa que, em seu bojo, está a capitalização
- e a conseqüente modulação, também reguladora - das
categorias identitárias. Não por acaso, um reality
show como o norte-americano Survivor chegou
tomar as categorizações identitárias como critérios
estritamente “raciais”, dividindo os candidatos em “tribos”
de brancos, asiáticos, negros e latinos, os quais competiriam
entre si em uma multicultural ilha deserta [28] . Já no caso do Big Brother Brasil, encenando-se
a si mesmos, como em uma moderna dramaturgia, os participantes-personagens
têm sua convivência assentada na relação paradoxal entre
a crença unívoca em identidades fixas, homogêneas e
pré-estabelecidas - uma mistura das classificações do
IBGE com categorizações protofascistas - e a aceitação
de que, na prática, essas mesmas identidades são construídas
relacional e posicionalmente, isto é, de maneira não-essencializada.
A encenação auto-reflexiva, que faz da
própria cena, dos personagens e das cambiantes e múltiplas
relações entre eles o assunto principal, também contribui
para acentuar o jogo de máscaras e de espelhos, os quais
não implicam nenhuma identidade como garantia, mesmo
que eles sejam, sobretudo, identificados por suas rígidas
categorias e formatados, pela edição, conforme as estratégias
narrativas de criação de antagonismos e estereotipias.
Nesse sentido, são evidentes os critérios de seleção
dos candidatos-concorrentes, tais como gênero, faixa
etária (jovem, sobretudo), renda e origens “étnica”
e regional, além dos fundamentais “carisma” [29] e “boa aparência” - o que significa,
na prática, capacidade de exteriorização das emoções
e um alto coeficiente de humor e sensualidade. Como
já admitiu o diretor de núcleo de criação do programa,
Boninho
[30] : “O que se quer são figuras interessantes,
gente que sirva para fazer uma boa festa. Tem que ter
a barraqueira, o cara engraçado e por aí vai. São as
reações dessas pessoas juntas - os conflitos, as armações,
as tensões, o humor e os romances - que farão a receita”.
Nessa
receita, além dos critérios identitários, físicos e
comportamentais, bem como dos estratagemas narrativos,
faz-se presente valorização da “rentabilidade” da cena
no âmbito de uma “economia emocional-funcional” [31] , relativa às dinâmicas concorrenciais
da sociedade brasileira. No Big Brother Brasil, “rende”
mais - em termos da economia de distribuição de imagens
na edição - quem é considerado carismático, quem tem
presença cênica e quem faz da própria cena um solo performático.
É por essa razão que a edição do Big Brother Brasil
não tem qualquer compromisso com a exibição equânime
das imagens de cada personagem, não tem qualquer compromisso
com uma verdade que esteja fora da cena, fora da relação
com as câmeras. O que importa, antes, é a potencialização
da performance, potencialização de uma verdade que emerge
na relação com os outros participantes, em relação às
câmeras. O que importa é a verdade dos conflitos, isto
é, a verdade da encenação - e não na encenação [32] . Por isso o privilégio concedido ao potencial
dramático da ação, no caso, uma auto-mise-en-scène
[33] , isto é, uma auto-encenação que parece
reproduzir e codificar “performances comuns a um amplo
leque de relações sociais contemporâneas”
[34] .
Assim,
ao naturalizar e consolidar, por meio das opções e operações
de linguagem, relações de força e de poder no bojo daquilo
que chamamos, usualmente, de “leis de mercado”, os programas
de realidade tele-programada, com toda a criatividade
narrativa e dramatúrgica que possam apresentar - basta
acompanhar os desenvolvimentos de uma decupagem narrativa
nas sucessivas edições do Big Brother brasileiro -,
prestam-se a uma função social-técnica: espécie de serviço
“público” ou programação e regulação pedagógica das
condutas “privadas”. Certamente, um e outro “modelo”
muitas vezes se sobrepõem. Além dos reality shows
de confinamento hedonista e voluntário (sendo o Big
Brother a matriz), cujo dispositivo de convivialidade
vigiada estimula a produção de conflitos e a exposição
de condutas privadas, há os realities “profissionalizantes”,
cujo método passa por estratégias de humilhação deliberadas
(caso de “Ídolos”, por exemplo), além dos reality
shows de intervenção [35]
: aqueles que, enquanto oferecem oportunidades de
reformatação - do corpo, da casa ou do comportamento
- para os participantes, funcionam como um tipo de serviço
“assistencial” [36] para os telespectadores. Neste caso,
é possível aprender a: emagrecer (“Você é o que você
come”; “O Grande Perdedor”), cuidar dos filhos, (“Super-babá”),
adestrar homens (“Traga seu Marido na Coleira”), submeter-se
a homens machistas (“Garota FX”), reformatar o visual
através de cirurgias plásticas (“Extreme Makeover”;
“The Swan”, “Beleza Comprada”), dominar
técnicas de sedução (“Inspetores do sexo”), empreender
ações ambientalistas (“Planeta em ação”), arrumar e
remodelar a casa (“Minha casa, sua casa”, “Queer eye
for the straight guy”), vestir-se de acordo com a moda
em voga (“Esquadrão da Moda”), ser competitivo na selva
(“Survivor”), ser competitivo no mundo corporativo (“O
Aprendiz”), além de diversos exotismos: como desempenhar
o papel de mãe em outra família cujo perfil identitário
seja oposto (“Troca de família”), dispor de apenas um
único mês para mudar radicalmente de profissão (“Tudo
é possível”), sobreviver em uma fazenda de 1900 nas
condições do passado (“A casa de 1900”) ou conviver com tribos
que habitam remotas regiões do planeta (“Woman on the
tribe”), para citar apenas alguns.
Ultrapassando a casa da centena, todos
esses gêneros e formatos de reality shows são
conformados por uma mesma dinâmica narrativa e por um
mesmo padrão de linguagem. Entendidos comumente como
um dispositivo de captura e busca por autenticidade,
aquela autenticidade que teria sido perdida pela ficção
assumida como tal (“Já estamos cansados de atores com
emoções falsas”, nos diz Cristof, criador do Programa
de TV ‘O show de Truman’, no filme homônimo [37]
), os reality shows têm também tornado cada
vez mais explícitos e evidentes os artifícios ficcionais
que organizam e engendram as narrativas. Assim, no que
diz respeito à linguagem, além da utilização dos códigos
do melodrama, o método de aproximação dos personagens
revela-se um híbrido entre o documentário observacional
- o ideal de uma câmera-testemunha transparente, isto
é, de captura e busca por uma autenticidade, que seria
revelada - e o documentário interativo - a prática de
uma câmera autoconsciente e provocativa, a partir do
qual essa mesma autenticidade é posta-em-cena, em um
processo não apenas de captação, mas de simultânea construção
compartilhada.
Desse
modo, a câmera deixa de ser somente um instrumento de
captação e revelação para tornar-se, simultaneamente,
um instrumento de catalisação e produção das verdades
dos personagens. O que significa que, tal como o poder
e como um aparato de poder, a câmera possui uma
função produtiva. Como já disse o mestre do cinéma-verité
Jean Rouch, para quem a ficção era o único caminho para
se penetrar a realidade, “a câmera não deve ser um obstáculo
para a expressão dos personagens, mas uma testemunha
indispensável que motivará sua expressão” [38]
. Decerto, trata-se aqui, diferentemente do ideal
de “testemunha ocular” do cinema-direto e da simples
vigilância, de um outro tipo de testemunha, espécie
de “estimulante psicanalítico” [39] com o qual é possível interagir.
Quanto à dinâmica narrativa, as trajetórias
pessoais são sempre alicerçadas em uma jornada tanto
de auto-superação quanto de superação das adversidades
exteriores. Como em uma via-crúcis do corpo, trajeto
atravessado por sacrifícios físicos e emocionais, a
“redenção” do herói será alcançada não apenas por meio
da conquista do prêmio em jogo, como também pela conquista
de uma auto-estima e de uma visibilidade próprias aos
vencedores. A “redenção” será, ao conquistar a imagem,
apesar de todos os embaraços, constrangimentos e, mesmo,
humilhações, ser redimido por ela. Em um momento histórico
em que a conquista e a manutenção da visibilidade estão
associadas ao movimento natural da própria vida, resumiu
certa vez com propriedade o personagem Jean Willys,
vencedor do BBB5, enquanto tomava seu relaxante banho
de ofurô: “A vida é igual a nossa experiência no Big
Brother: uma hora sai do ar”.
Pertencendo
então à esfera do visível, o vencedor do jogo se revelará
como um modelo de empreendedor [40] capitalista, no âmbito de um “capitalismo
legal”: aquele que lida com os obstáculos sem problematizá-los
e sem reclamar, por meio de um desempenho sempre colaborativo,
motivado e alegremente engajado. Como já disse o empresário
norte-americano Ted Bell, “seja a pessoa mais entusiasmada.
Não a mais inteligente, não a mais esperta, mas a mais
entusiasmada. E você será o vencedor”.
[41] Nesse sentido, a complexidade da própria
vida humana, no âmbito da tele-realidade programada
e programática, tende a ser reduzida a padrões comportamentais
e motivacionais, categorias identitárias, presença ou
ausência de carisma, características fenotípicas e grau
de auto-estima. O que nos permitiria pensar que o modo
de subjetivação dominante no seio desses programas revela-se,
ao fim, como um modo de roteirização e instrumentalização
subjetiva. Panorama em que se desenha uma espécie “subjetividade
S/A” ou “subjetividade corporativa”.
Efeito e diagnóstico
Embaralhando as outrora nítidas fronteiras
existentes entre as dimensões do público e do privado,
do real e do ficcional, da pessoa e do personagem, da
intimidade e da visibilidade, da democracia e da tirania,
e operando no bojo desse estado de indeterminação entre
as dimensões elencadas, podemos afirmar que os reality
shows vieram para ficar, sendo eles próprios objetos
indeterminados por atuarem simultaneamente nas
zonas nebulosas entre o estético, o econômico, o político
e o tecnológico. Tal aposta pode ser feita sem hesitação,
já que esta alcunha que designa uma realidade apresentada
tal como um show - isto é, organizada intensiva
e ficcionalmente para o consumo imediato -, não diz
respeito, como vimos, apenas a um tipo de formato narrativo
e dramatúrgico, bastante rentável e a baixo custo, se
comparado à produção de teledramaturgia.
Se
compreendemos os reality
shows, portanto, como sintoma e diagnóstico de um
panorama sócio-político marcado pela rarefação das fronteiras
constituintes do mundo moderno, podemos então sugerir
que eles operariam em dois sentidos justapostos: ao
mesmo tempo em que são efeito de uma série de mudanças
e deslocamentos históricos ocorridos desde as últimas
décadas do século XX, apresentam-se também como um instrumento,
que, ao capitalizar o problema, visa, de certo modo,
contorná-lo. Esta espécie de atenuação se evidencia
pelo fato de que a lucratividade dos reality shows
está em promover uma pedagogia social no âmbito do audiovisual,
por meio da qual se criam e se compartilham repertórios
consensuais de modos de gestão da própria vida - como
a produção
alterdirigida
do corpo, do comportamento
e de uma imagem de si performativa.
O que poderia então ser visto como uma
pedagogia corretiva, que, ao incitar, estimular e seduzir
(lembremos das festas no Big Brother Brasil), também
regula, moraliza e policia, revela-se muitas vezes como
um mecanismo confortador e conformador. Confortador
porque, além de testemunharmos os métodos de “sucesso”
de algumas das pessoas reais, ainda podemos nos solidarizar
e nos identificar com o “fracasso” ou com a humilhação
dos demais, expurgando, com isso, nossos próprios temores
de exclusão, desfiliação, desligamento e “demissão” [42]
por má administração de nossa auto-imagem. E conformador
porque essa pedagógica dinâmica narrativa, além de conformar
padrões de conduta e comportamentos, produzindo, com
isso, certa conformidade, naturaliza tirânicas relações
de poder no bojo de um “capitalismo legal”, em que as
regras do jogo capitalista são, paradoxalmente, democraticamente
tematizadas e discutidas pelos próprios jogadores.
É importante lembrar que nomear de “tirania”
essa radical assimetria das relações de poder no âmbito
do Big Brother Brasil não significa, de modo algum,
reduzi-la a imagem metafórica, embora as metáforas bélicas
e autoritárias lá existam: a presença do “paredão” nas
noites de “eliminação”; a utilização da “cadeira elétrica”
como a última entrevista, antes de o programa começar,
que irá determinar a inclusão ou exclusão do candidato,
em que é preciso confessar toda a verdade sobre si;
e o emprego do “detector de mentiras” ou polígrafos
durante os depoimentos dos participantes no “confessionário”,
instrumento utilizado em investigações policiais em
diversas partes do mundo. No jogo em questão, as três
figuras das relações de poder ali estabelecidas - paternais,
patronais e empresariais - se confundem e se indeterminam,
do mesmo modo em que ficam turvas as fronteiras entre
os poderes exercidos pela audiência brasileira, pelo
apresentador e interlocutor Pedro Bial, pelo diretor
do programa Boninho e pela própria TV Globo.
No
entanto, compreender a fonte de legitimação deste poder
tirânico apenas por meio da hegemonia nacional da Rede
Globo seria esquecer-se da mistificação divinizante
do aparato tecnológico da vigilância empregado, baseado
nos atributos divinos da onividência e da onisciência.
Como enfatiza o próprio Boninho [43]
: “O BBB não é um estudo psicológico de personalidades.
É um jogo, e eu me divirto muito com ele. Ano retrasado
[2005], quando estava um marasmo no final, apagamos
a luz do programa. Podemos fazer isso. Mandar eles acordarem,
eles dormirem, eles fazerem alguma coisa. É brincar
de Deus”. E, ainda, na mesma entrevista, que nos remete
à célebre frase de Kafka [44] , segundo o qual Deus teria empreendido
sua criação em um momento de mau-humor:
Há um limite, não podemos influenciar o relacionamento
entre os participantes. Mas podemos influenciar a
vida do grupo. O que posso fazer é falar: ‘Fiquei
de mau humor e amanhã não haverá festa’. E decidi
e ponto. Na hora que eu quero que todo mundo acorde,
todo mundo acorda, faz parte da regra. Toca uma música
e todos têm que acordar. Do contrário, há punição...
O Big Brother pode tudo, eles não podem nada.
Não
seria exagero, portanto, sugerir que, cada vez mais,
os dispositivos tecnológicos, telecomunicacionais e
audiovisuais contemporâneos põem em funcionamento -
como já nos havia alertado Paul Virilio
[45] , no início dos anos 90 - um “integrismo
técnico”, marcado por algumas propriedades do divino,
como, além da onividência e onisciência, a onipresença,
a ubiqüidade, a instantaneidade e a transparência.
Nesse sentido, poderíamos também compreender
a proliferação de reality shows e de toda sorte
de objetos audiovisuais contíguos que apelam constantemente
à realidade, por meio da intensificação de efeitos de
real e de verdade, como a expansão de um regime de visibilidade
fascinado pela ilusão da transparência total - tudo
ver, tudo mostrar, tudo provar, nada esconder.
Ao mesmo tempo, tal desejo de transparência
carrega consigo o fantasma da vigilância, evocado em
nome da segurança: é preciso cada vez mais fechar, codificar,
constranger, isolar. Contudo, se esse regime de visibilidade
pode ser instrumentalizado e reduzido a uma função social-técnica
- reguladora de condutas, de comportamentos e de libidos
-, atuante em nível local, seu objetivo maior é tornar-se
uma linguagem hegemônica em nível global, justamente
porque totalizante, roteirizada, programada e programática
- como, aliás, é a linguagem da cibernética, da estatística
e da genética. Os reality shows se afigurariam
assim como um dispositivo biopolítico e como
uma linguagem hegemônica do capitalismo imaterial,
quando a dimensão inventiva, libidinal e produtiva da
vida e da experiência humana torna-se matéria-prima
e núcleo vital da política, da produção estética, do
desenvolvimento tecnológico e da organização dos fluxos
capitalistas.
Porém, se “nossa política não conhece hoje
outro valor que a vida”
[46] , essa vida natural, “nua”, que se localiza
aquém e além do “real” e do “ficcional”, há algo no
funcionamento das vivas estratégias biopolíticas que
é puro desfuncionamento. No limite, os dispositivos
estéticos e biopolíticos de regulação, administração
e controle da vida vão gerir, justamente, o risco da
perda de controle, os lapsos, as brechas e aquilo que
dela escapa, como os afetos. No jogo da revelação e
do engano engendrado pelas imagens biopolíticas, a vida,
mesmo que fragilmente opaca, ainda por vezes resiste
às tentativas de transparência total, de dominação e
de instrumentalização extrema, pois sua capacidade de
resistir não se aloca em sua matéria rija, na argamassa
de que é feita, mas na poeira que dela deriva.
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as pessoas sentem minha escrita como uma agressão.
Elas sentem que existe nela alguma coisa que as condena
à morte. Na realidade, sou bem mais ingênuo do que
isso. Eu não as condeno à morte, simplesmente suponho
que já estejam mortas. É por isso que me surpreendo
quando as ouço gritar. Fico tão espantado quanto o
anatomista que sentisse redespertar de repente, sob
a ação de seu bisturi, o homem sobre o qual pretendia
fazer uma demonstração. Bruscamente, os olhos se abrem,
a boca se mete a gritar, o corpo a se retorcer, e
o anatomista se espanta: ‘Então ele não estava morto!’”
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A respeito da administração do conflito
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normas de conduta e comportamento’”. In: revista Cinética,
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Sobre a capitalização do “carisma”
pelo capitalismo empresarial-midiático e o histórico
deslocamento que o termo vem sofrendo, seria interessante
ver a definição clássica em Max Weber, vinculada à
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foi formulado por Claudine de France e retomado por
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Sobre a relação entre exclusão e “demissão”
nos reality shows, ver: FELDMAN, I. “Programas
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