Revista Cinética Cultura e Pensamento
Magum iter pauperis,
ou O peregrino mimético
Felipe Soares Ensaios Críticos

Dies irae! dies illa
Solvet saeclum in favilla
Tomás de Celano (?)

Os pés descalços deixam marcas na terra seca. A fome é o combustível de suas passadas largas, decididas, eficientes; a viagem é longa e urgente – na verdade, perpétua. Depois de muitos séculos, tudo o que conseguiu foi uma túnica puída e uma sandália fina, mas a disposição é a mesma. Cruza agora Judá, território disputado por Egito e Assíria. A areia acende sua ira, sua sede de vingança frente aos ricos e injustos idólatras em conflito. Javé fala através de sua voz gutural, e seu amigo Sofonias escreve:

Eliminarei o ser humano da face da terra (...).pedirei contas aos nobres e príncipes (...) Nesse dia (...) um clamor se levantará das colinas um grande lamento. (...) Será um dia de cólera, esse dia; um dia de angústia e aflição, dia de devastação e ruína (...) o sangue deles [dos homens] se derramará como poeira e suas vísceras como esterco. (...) procurem a justiça, procurem a pobreza. [1]

O peregrino segue viagem, deixando-se guiar pela intensidade sangüínea, estomacal, do ressentimento. Seu mote é a luta, a permanência e a disseminação da luta dos famintos como valor, como verdade. Não o fim da fome, mas, ao contrário, e paradoxalmente, a manutenção da fome como salvação, aceitação da politização da vida nua através da dedicação à luta e à vingança. Assim supera mil lugares e tempos. Duplica-se. Mesmo permanecendo na região de Jerusalém, aparece também na Itália, bastando-se com as tetas da loba como condição para ressurgir no futuro, voraz e irado como sempre.

Na Grécia se confunde, perplexo, diante do cinismo de um outro miserável, faminto e cosmopolita como ele, mas que simplesmente o ignorou, tanto quanto havia ignorado o imperador. Confuso, fingiu não se abalar e seguiu, encontrando-se em Sócrates, admirando-o até (e principalmente) na morte gloriosa, sendo depois também defendido por Platão. Tornou-se o grande ponto de apoio de boa parte dos subjugados, dos escravizados e de praticamente todos os que freqüentavam as catacumbas. Vibrou com Cristo, até (e principalmente) na morte gloriosa. Amou a cruz. Extasiou-se. Na via crucis ajudou o protagonista, excitado com seus próprios sentimentos – piedade, fascínio pelo sangue, gozo pueril com o espetáculo. Soprou depois em Lucas, na voz de Maria, a imagem do Senhor que “derruba do trono os poderosos / e eleva os humildes; / aos famintos enche de bens, / e despede os ricos de mãos vazias”. [2] Ainda no apóstolo médico, vê surgir um “Lázaro, cheio de feridas”, a fim de “matar a fome com as sobras que caíam da mesa do rico. E ainda vinham os cachorros lamber-lhe as feridas”. Na mesma narrativa, rico e pobre morrem, e a relação se inverte: no fogo do inferno, o rico olha para cima, vê Lázaro bem disposto ao lado de Abraão e suplica que este deixe Lázaro apenas molhar o dedo para refrescar-lhe a língua. [3]

Assim o peregrino vai testemunhando toda a trajetória de castigos que constituía na terra o animal capaz de fazer promessas, colaborando com qualquer possibilidade de mimetização desse processo. Percebeu que “Ver-sofrer [Leiden-sehn] faz bem. Fazer-sofrer [Leiden-machen] faz mais bem ainda”. Eis uma frase dura, mas um velho e sólido axioma, humano, demasiado humano, que talvez até os símios subscrevessem: conta-se que na invenção de crueldades bizarras eles já anunciam e como que “preludiam” o homem”. [4] Percebeu também que, na mímese desse processo, a crueldade ganharia sofisticação adotando valores como fé, gratidão, misericórdia, capacidade de súplica e vontade de verdade. Com isso, a sofrida pele do pobre submetido ao sacrifício ofereceria espetáculos de revelação. Daí o constante investimento de nosso personagem na forma da parábola, cara aos evangelistas. A narrativa parabólica traz um halo brilhante à sua volta, uma revelação, torna-se parábola de si mesma. Adia a revelação prometida, mantendo a promessa; revela a impossibilidade de revelar alguma coisa. “O fim é anunciado como alguma coisa sempre iminente, nunca aparece de fato. O Apocalipse nunca é agora [is never now] (...). [O fim] nunca chega realmente enquanto existe alguém para falar ou escrever sobre ele”. [5] Diria Mateus: “É por isso que eu uso parábolas para falar com eles: assim eles olham e não vêem, ouvem e não escutam nem compreendem”.[6]

Depois do encontro com Agostinho, o peregrino trabalhou durante cerca de oito séculos no cultivo da mitologia cristã, escondendo o graal com requinte e coragem, circulando a Europa, o Oriente Médio e o Norte da África. Até que na Itália conhece alguém que dá novo ímpeto a suas urgências. O mundo, ou seja, o mundo das narrativas por ele inspiradas, estava se realizando como o melhor de seus sonhos em Francisco. No frio de Assis, ambos adotam a longa e grossa túnica com largo capuz e um par de finas sandálias. Francisco reconheceu no andarilho uma figura fundamental, uma grande esfera de propagação para sua lição de humildade. E logo apareceu, através do peregrino mimético, o primeiro grande propagador, Tomás de Celano, que se tornou admirador e biógrafo de Francisco. Além do fascínio, o nosso personagem ofereceu a esse Tomás as velhas cruéis imagens de Sofonias.

Assim, a versão do Dies irae de Celano se tornaria retrospectivamente a pedra fundamental do trabalho do andarilho. O poema valoriza ao extremo a força da recusa franciscana a toda cobiça, a todo apego material e terreno, a todo impulso da vida anterior à morte. Acrescenta a ela a intensidade da ira de Sofonias, tornando-se um hino à inexorabilidade da justiça divina, com tudo o que ela traria – estará sempre a trazer – de crueldade na sentença final. O poema é trocaico, forma rara que tende a ecoar as batidas binárias dos corações, conseguindo junto a eles uma intimidade mágica, imemorial. Celano parecia saber que a própria condição de possibilidade do julgamento final vinha da escrita, do livro trazido à presença do juiz supremo com todas as provas contra os culpados (“Liber scriptus proferetur, / In quo totum continetur / Unde mundus judicetur”).

No momento em que surge, o poema constrói uma ponte para a comunidade humana através dessa intimidade cardíaca, cordial: de um lado, os bestializados e os arrogantes feudais; de outro, as pessoas humanas que estavam para nascer. Aos pobres de qualquer tempo, sua batida binária fala de esperança; aos ricos, cala-se em alerta íntimo, vingativo. O mesmo poema focaliza um dia, aquele dia – dies illa – em que acontecerá o julgamento cruel e espetacular. E será um dia da mais absoluta ira – dies irae –, em que o mundo todo se dissolverá em favilla, ou seja, ao mesmo tempo em cinzas e em faíscas. O fim se consuma nas cinzas e não se consuma nas faíscas – tanto que, ao final do poema, na única estrofe de quatro versos, é ex favilla que ressurge o acusado, para quem se pede misericórdia. A energia (e muitos alquimistas da época deviam saber disso) não se esgotaria no fim. Seria, uma vez mais, fim sem fim, apocalipse never now, revelação parabólica, sem revelação – porém com muita intensidade. A imagem do cruel julgamento final revela apenas a si mesma, enquanto imagem.

Ao mesmo tempo em que confia na justiça, a voz ardente do poema valoriza o medo soberano. Nos versos em que esse jogo aparece (entre outros) o vai-vem trocaico (medo-justiça, mau-bom etc) se reveste de um certo desafio à emissão no canto, carregados que são de consoantes e das vogais i e u.

Quantus tremor est futurus,
Quando judex est venturus
Cuncta stricte discussurus!
(...)
Judex ergo cum sedebit,
Quidquid latet apparebit:
Nil inultum remanebit.
Quid sum miser tunc dicturus?
Quem patronum rogaturus?
Cum vix justus sit securus.

O medo, a intimidação da fala, refluem no poema. Na falta de protetor, de patrono, o eu miserável, sem justiça, não tem a quem recorrer, cala-se infantil (sem fala). Criança perdida dirige-se ao juiz supremo num gesto desesperado e, repetidas vezes, pede salvação como indivíduo, alegando como precedente Sua boa vontade quanto a Madalena e ao bom ladrão. Diz reconhecer que suas preces não têm valor, mas mesmo assim pede à bondade divina que evite mandá-lo para queimar no inferno. [7] Negociação comum, ao alcance de qualquer um, com a condição de acreditar piamente na possibilidade do fim terrível.

A ira indica também, exige intensidade. Toda ira é por definição intensa. Se deve combinar-se ao medo, este deve se tornar pavor. Essa intensificação é reverberada pelo cantochão associado ao poema:

Sombria e pré-tonal, lida pela trombeta insistente que se faz ouvir nas tumbas (Tuba mirum spargens sonum / Per sepulcra regionum), essa seqüência relativa a cada estrofe (de três versos) mantém a angústia na própria ausência da tônica. Escrita simplíssima, intervalos pequenos, facilidade no canto contrastando com a dificuldade na pronúncia: sons de vozes que vibram (trombeteiam) firmes, estranhamente serenas, tenebrosas, inexoráveis.

Logo depois, em Aquino, o peregrino acompanha outro Tomás, gordo, espirituoso, atento ao mundo e aparentemente avesso à misologia, que convence colegas católicos da possibilidade de conciliação entre fé e razão, entre Cristo e Aristóteles. A metafísica da salvação prevalece, porém, ganhando inclusive mais força e fluência após sua canonização – rapidíssima como a de Francisco. [8] Em Tomás, o anjo, ele mesmo mensagem, torna-se pão, panis angelicus, que por sua vez torna-se o pão do homem (fit panis hominum), transformando-se então em corpo humano. A deglutição do corpo mesmo de Deus pelo pobre, o servo e o humilde, que de fato comem o senhor, é uma maravilha aos olhos dos crentes (“O res mirabilis! / Manducat Dominum / pauper, servus et humilis”). A res mirabilis, da ordem da simbologia, confunde-se em Tomás com a res miserabilis, em toda dimensão histórica. O miserável estará a salvo no dies irae, dies illa, ao aceitar incondicionalmente a maravilha da transubstanciação em seu próprio corpo.

O século 13, enfim, com Francisco, Tomás de Celano e Tomás de Aquino, torna-se certamente decisivo na passagem entre dois modelos de adequação entre intelecto e coisa, do modelo da representação, ou da presentação, ao modelo da ingestão, da literalidade no corpo – embora não haja obviamente como localizar tal passagem com precisão. Reforça-se um fundamentalismo oral europeu, tradição segundo a qual “a verdade é algo que não se deixa exprimir pela palavra, e ainda menos pela escritura, mas unicamente pelo canto ou ainda, e mais freqüentemente, pela nutrição. No conceito de verdade, não se trata de presentar ou de representar alguma coisa dentro de um outro meio, mas de ingerir ou integrar uma coisa em outra coisa”. [9] Ao ingerir, os fiéis absorvem e são absorvidos, consomem e são consumidos, tornando visível sua admissão corpórea numa comunidade.

Às vésperas da modernidade, o peregrino sentiu que a própria noção de comunidade é, em si mesma, o lugar mais aconchegante que uma “essência humana” pode encontrar. “Uma comunidade pressuposta como aquela que deve ser dos homens pressupõe que ela mesma efetue, ou deva efetuar como tal, integralmente, sua própria essência, que é, ela mesma, a realização da essência do homem”. [10] Sentiu que a imaginação de qualquer comunidade, como origem e destino da totalidade dos homens, vem há séculos cobrindo o mundo com o manto de uma imanência que pretende, paradoxalmente, por um lado, proteger o homem, por outro, torná-lo autônomo. A partir disso, ele acompanhou toda a helenização da cristologia, processo “que provocou esse elo categorial depois do qual o mensageiro [o anjo] não se contenta mais com portar a mensagem, mas é a mensagem ele mesmo” [11] , ajudando a consolidar a teoria do redentor, do mensageiro dos mensageiros, do “único signo perfeitamente adequado do Ser. (...) um ser que, como emissor absoluto, monopoliza todos os tronos, todas as potências, todos os poderes e seus fluxos de signos e transmissores”. [12]

Interessado também na técnica desses fluxos transmissores, nosso personagem se deixou empolgar por Gutemberg, chegando a perder de vista a profundidade das conseqüentes transformações. É que, “com a multiplicação das potências emissoras nos tempos modernos, com a inflação de mensageiros sobre a marcha livre da informação, um hipermensageiro do tipo do Deus redentor encarnado pelos representantes apostólicos não pode afirmar sua primazia feudal”. [13] Ele recusou-se a ver que “não é [mais] enquanto mensageiro que o homem-deus presente pode tocar os mortais, mas unicamente como idiota. O idiota é um anjo sem mensagem, – um complemento íntimo e sem distância de toda entidade que ele encontra por acaso. [14] Ao contrário do anjo, que traz consigo toda a hierarquia metafísica, o idiota é emblematizado pelo Príncipe Michkin, desprovido, em sua ingenuidade, benevolência e puerilidade, dos signos de seu status – no sentido médico, fisiológico, que assume no título de Dostoievski, a palavra não é exatamente ofensiva. Tem essa propensão pueril a não colocar em jogo seu próprio ser na relação com o outro. É como se no nascimento lhe fosse salva a placenta e não a criança. “O idiota se placentariza a si mesmo”. [15]

Nietzsche, aliás, lamenta a ausência de um Dostoieviski como narrador dos tempos de Cristo, “alguém que soubesse sentir profundamente o encanto comovente de tal mescla do sublime, do doentio e do infantil”. Nosso personagem, claro, não teve tal sensibilidade. Ignorou plenamente a “enorme contradição entre o pregador das montanhas, dos lagos e prados (...) e aquele fanático da agressão, inimigo mortal dos teólogos e dos sacerdotes” (idem). Chegou à modernidade como grande colaborador da construção desse modelo paradoxal de herói, confiando na discrição do sectarismo que tal construção carrega. “Quando a primeira comunidade cristã teve necessidade de um teólogo justiceiro, aguerrido, intempestivo, maliciosamente sutil e colérico para enfrentar outros teólogos, criou o seu Deus”. [16]   Do mesmo modo, a figura de Jesus, em Nietzsche, revela já essa idiotia, equivalente a “um estado mórbido de irritação do sentido do tato”, um “ódio instintivo contra toda a realidade”, “conseqüência de uma extrema aptidão para o sofrimento, de uma extrema irritabilidade”. Contraditoriamente, a mesma figura inclui “a exclusão instintiva de toda a aversão, de toda a inimizade”, o prazer de “não resistir jamais, a ninguém mais”. [17]

Apresentado, então, como aquele que acompanha e dá complemento íntimo ao outro no caminho de uma vida correta, construída a partir da imagem do juízo final, “O redentor idiota seria aquele que não conseguiria viver sua vida como personagem principal de sua própria história, mas que teria trocado de lugar com sua placenta, a fim de arranjar em seu lugar, e enquanto placenta mesmo, um ser-no-mundo”. [18]

A considerar, porém, todas as contradições das narrativas do Cristo-herói, toda sua puerilidade como dificuldade de sustentar uma anjelética em meio à idiótica moderna, nosso personagem preferiu, é claro, fiel a si mesmo, investir, insistir, na construção, em torno da pobreza, de figuras aglutinadoras de comunidades, adaptando-se às novas condições. Desconcertado em meio a esse turbilhão pueril pós-Gutenberg, nostálgico em relação ao século 13, assumiu estar em dificuldades. Sua memória começou a emanar algo para reavivar sua esperança. Ouviu o velho Dies irae. Atentou para a proliferação de composições européias feitas a partir do hino. [19] Embalado pela múscia, viu-se do alto cruzando espaços e tempos num sobrevôo mágico por um brumoso mapa animado da Europa, chegando então à futura Alemanha.

Ali pousou bem no início de um “renascimento” cultural germânico, testemunhando o nascimento da Estética como disciplina. Ali o Dies irae era apreendido pelo idealismo, indicando certos tons do sturm und drang e do romantismo. A voz ameaçadora não mais correspondia ao oráculo de Javé, é claro, mas à figura do böse Geist, assombrando, como no Fausto de Goethe, em trecho que Schubert transformou em lied, a moça extremamente angustiada, presa indefesa das forças cósmicas, seu corpo gótico permeável a elas. Diante da crescente revisão de mitos germânicos como busca de identificação, o peregrino lembra do longevo ensinamento de Platão sobre a oposição entre logos e mythos, privilegiando o primeiro. Embalado, porém, pelo zeitgeist, resolve pedir licença ao antigo mestre para valorizar o mito como “uma ficção no sentido forte, no sentido ativo de fabricação, (...) um ficcionamento cujo papel é o de propor, ou mesmo de impor, os modelos ou os tipos (...) a serem imitados, dos quais um indivíduo – ou uma cidade, ou um povo inteiro – pode ele mesmo se apropriar e com eles se identificar. (...) a questão que o mito põe é a do mimetismo, na medida em que apenas o mimetismo é capaz de assegurar uma identidade”. [20] Nosso personagem percebe então, ali, o mito como instrumento de identificação, ou como “o instrumento mimético por excelência”. [21] E foi mais adiante. Percebeu que “desde o esfacelamento da cristandade um espectro assombrou a Europa, o espectro da imitação. O que significa antes de mais nada: a imitação dos Antigos” [22] – de Esparta, Atenas ou Roma. Tal espectro foi determinante na fundação dos estados-nação modernos. Com isso o andarilho pôde enxergar “a emergência do nacionalismo alemão como a longa história da apropriação dos meios de identificação”. [23]

Em meio à idiótica moderna, o que faltava à nascente Alemanha era justamente “poder ser o sujeito do seu próprio devir (e a metafísica moderna, sendo metafísica do Sujeito, não por acaso realizou-se totalmente aí)”. Com uma intensa “vontade da grande arte”, buscou-se “imitar o inimitável”. [24] O alvo da imitação não foi a grécia neoclássica, até porque já apropriada pela França, mas também não foi o culto a Baco: trata-se de uma identificação lingüística (no início filológica), apreciando-se, na essência das línguas grega e alemã, uma grande capacidade de simbolização, uma convidativa adequação à tarefa da construção de mitos – a identificação não requer o retorno a mitos antigos mas a construção de novos. Na poesia e no pensamento, tal construção será consciente, voluntariosa, no sentido de superar a oposição entre a mítica primitiva e as luzes da razão – possibilidade que Schiller tenta demonstrar cabalmente ao propor o impulso estético.

O mito a ser construído acrescentaria à mimética tradicional a energia da grécia mística, dionisíaca, uma imagem simbólica onírica vinda do “espírito da música” do primeiro Nietzsche. O modelo a ser forjado para identificação – o tipo – é a síntese de Apolo e Dionísio na forma ideal da tragédia. Motivo pelo qual essa Alemanha em projeto privilegiou o espaço cênico. “Eis por que Wagner, muito mais que Goethe, imaginar-se-á como o Dante, o Shakespeare ou o Cervantes da Alemanha”. [25] Nosso peregrino, portanto, presencia o início da construção do mito nazista, ou seja, “a formação e a produção do povo alemão na, pela e como obra de arte” [26] – o nascimento da comunidade obrada por excelência. A imposição dessa obra simbólico-mítica aos crédulos seria a instalação mesma da verdade, e a identificação correspondente seria a encarnação de um tipo. “Pois o tipo é a realização da identidade singular que o sonho porta” [27] – daí a importância, para o nazismo, da raça como figura que condiciona exteriormente, que factualiza, o tipo sonhado. A transformação de cada alemão no tipo (por ingestão, comunhão) acontece não como fenômeno puramente místico, mas como confissão de fé, como experiência mítica. [28]

Nosso personagem teve um insight: esse ato de fé teatral poderia ressurgir, via analogia, em outros processos de construção de povos, de tipos. Ele teria apenas que cuidar para nunca perder de vista a especificidade bio-geo-topográfica de cada caso, o privilégio absoluto de um tipo específico. Com a rápida multiplicação do rebanho humano pelo planeta, a busca dessa especificidade exigiria, como exigiu na Alemanha, um rompimento do elo estrito (tipicamente romântico) entre identidade e língua: o corpo, a raça, “o sangue e o solo” tornam-se elementos fundamentais para a construção de um tipo. No caso alemão, o sol foi presença decisiva para o ariano, portador do mito solar, oposto aos povos noturnos ou ctônicos; o sol, emissor de luz e calor necessários à própria formação de qualquer coisa visível, de qualquer tipo – e o ariano seria o tipo dos tipos. Em qualquer lugar, a terra local e o corpo vivo do homem que a habita (portanto sua relação com o sol) protagonizariam a transferência do ato de fé que engendraria o tipo.

Com seu poder de multiplicação, no tempo e no espaço, nosso peregrino presenciou também os desdobramentos do realismo na França. Assistiu perplexo aos gestos de Courbet, superlotando seu ateliê de complexidades e desmetaforizando ironicamente a origem do mundo. Acompanhou também as penas enérgicas de Balzac e Flaubert, apreciando-lhe a precisão mimética, mas já desconfiando, meio desconcertado, justamente das possíveis conseqüências dessa precisão, cuja técnica, ao contrário do preceito paulino, louvava a si mesma. Ele estava dividido. Por um lado, temia a capacidade problematizadora do realismo, que problematizava até a si mesmo como procedimento mimético e, portanto, colocava em xeque séculos de regime representativo. [29] Por outro lado, ele esfregava as mãos, embora sempre com uma reserva de desconfiança, ao prever o quanto esse mimetismo supostamente ousado e tecnicamente sofisticado poderia renovar o investimento humano na manutenção pomposa do discurso da verdade. Animou-se mais ainda ao ver que no realismo o pobre aparecia em retrato, o que no seu entender parecia recuperar, contra o romantismo, a vontade de revelação da verdade metafísica que sustentava o discurso de Sofonias.

De fato, a segunda metade do século 19 na França foi pródiga em esperanças para os que acreditavam nessa recuperação. A própria noção de herói enveredou, dentro do marxismo, para a defesa enérgica da verdade do pobre. Até mesmo em Baudelaire tornou-se possível aos crédulos encontrar esse movimento. Numa carta à mãe, ele escreve: “Estou a tal ponto habituado a sofrimentos físicos, sei tão bem contentar-me com umas calças rotas, com uma jaqueta que deixa passar o vento e com duas camisas apenas, tenho tanta prática em encher os sapatos furados com palha ou mesmo com papel, que quase só sinto os padecimentos morais”. [30] De fato, “Dentre as experiências que Baudelaire transfigurou na imagem do herói, as mais inequívocas foram as dessa espécie”. Do mesmo modo, “Por este tempo, o despossuído aparece em outro ponto sob a imagem do herói e, com efeito, ironicamente. É o caso em Marx que, ao se referir às idéias de Napoleão I, diz: (...) ‘O exército era o ponto de honra dos pequenos agricultores, eles mesmos transformados em heróis’”. [31]

Nosso personagem, assim, passeia pela Paris do segundo império investindo no herói pobre. Ele ouve “Essas charangas formadas com filhos de camponeses empobrecidos que fazem soar suas toadas para a população das cidades e fornecem o heroísmo (...) que é, exatamente neste gesto, o único e autêntico heroísmo ainda produzido por essa sociedade”. [32] Realmente, no século 19 “os poetas encontram o lixo da sociedade nas ruas e no próprio lixo o seu assunto heróico. Com isso, no ilustre do poeta aparece a cópia de um tipo vulgar”. [33] A empolgação de nosso personagem vai ao extremo com Zola e sua acuidade na descrição da bestialidade humana – ecoando o Sofonias das vísceras e do sangue espalhados. Esse gesto de Zola, de descrever anatômica ou fisiologicamente a besta humana com a suposta amoralidade científica, acompanhava ou retomava a politização da vida nua, a definição do humano por subtração, mas com tanta empolgação que se equivocava ao participar dela ingenuamente – ou idioticamente.

A discussão sobre realismo e naturalismo iria ainda se sofisticar, passando pelo “Narrar e descrever” de Lukács [34] . De qualquer forma, na defesa do detalhe, da narração ou mesmo da homologia estrutural [35] , parece haver sempre uma voz, nesse debate, que não abre mão do valor da mímese como aquela capaz de politizar o texto, no sentido de denunciar a injustiça. Mantendo o platonismo, essa voz aceita discutir como ou o quê imitar, mas não questiona profundamente a mímese (ao contrário até mesmo de Courbet).

Em meio às perplexidades e à complexidade do debate europeu, nosso personagem, ainda de grossa túnica com capuz e sandálias franciscanas, como que posando para Zurbarán, parou um dia e fez as contas de seu aprendizado. Três circunstâncias lhe apareceram, num resumo de sua trajetória até ali, que poderiam lhe determinar uma guinada. (1) Toda sua intimidade com a hagiografia cristã, embalada sempre pelo Dies irae, que lhe reiterava a imagem do juízo final como reveladora da verdade heróica da pobreza (ainda que já quase admitindo a impossibilidade da anjelética na modernidade); (2) sua apreciação do modelo de produção do mito ariano como reunião de vontade mimética de identidade e auto-efetuação da forma, modelo mais ou menos aplicável a outras especificidades; e (3) a energia mimética que sustenta toda a produtividade da representação real-naturalista do pobre-animal-humano, com todas as suas complexidades.

Ao mesmo tempo, com sua capacidade de multiplicação e deslocamento no tempo e no espaço, ele observou no Mundo Novo um terreno fértil para a disseminação de seu esforço hiper-hagiográfico, com base nas mesmas três circunstâncias. Na tradição católica brasileira, testemunhou o elogio aberto à pobreza e ao sofrimento, em cumprimento à primeira. Enxergou também, quanto à segunda, um naturalismo, não como escola ou movimento, mas no sentido amplo, como “ideologia estética” em busca de uma identidade [36] – uma ideologia, portanto, que ecoava algo da vontade mimética de identidade observada na Alemanha. Quanto à terceira, percebeu na virada do 19 para o 20 uma curiosa escrita naturalista à Zola, em meio a um zeitgeist marcado pelo positivismo inscrito na bandeira.

As três circunstâncias, além disso, inseriam-se aqui numa longa tradição de dúvida, auto-comiseração e resignação – no longevo discurso de que aqui nada daria certo. [37] Numa terra de “estrangeiro[s] em sua própria terra” [38] , soldados lutavam por um governo de representantes sem representados, por um ideal absolutamente alheio. [39] As tentativas, cada vez mais árduas, de construção de uma identidade que levasse em conta o caráter histórico do respectivo “povo” esbarravam em geral no desconhecimento ou no preconceito da elite escritora. Assim, o naturalismo brasileiro (em sentido estrito, como escola ressurgida a partir de Zola), principalmente com Azevedo, demonstrou o quanto a energia mimética por aqui viria especialmente da busca pelo nacional, por uma especificidade que necessariamente incluiria tanto a pobreza quanto a geografia. Nosso personagem logo percebeu, por exemplo, no Cortiço, não apenas o naturalismo do L’Assommoir, com o que tem de vontade mimética e bestialização, mas também uma faísca daquela analogia com a busca identitária alemã. “De cortiço a cortiço”, nosso já experiente personagem enxerga a especificidade na imitação – a contribuição do Cortiço daqui com a construção de um tipo nacional, sempre estrangeiro e pobre.

Se nessa construção, em analogia com a Alemanha, a raça é elemento central, ele viu que “Em nenhum outro romance do Brasil tinha aparecido semelhante coexistência de todos os nossos tipos raciais, justificada na medida em que assim eram os cortiços e assim era o nosso povo (...). Deste modo o cortiço ganha significado diferente do que tinha em Zola, pois em vez de representar apenas o modo de vida do operário, passa a representar, através dele, aspectos que definem o país todo”. [40] O mestiço aparece ali já de maneira ambivalente, ao mesmo tempo motivo de pessimismo racista quanto ao futuro do país e dono de uma sensualidade que pode ser revertida em algo de positivo, de heróico. É um tipo “capitoso, sensual, irrequieto, fermento de dissolução que justifica todas as transgressões e constitui em face do europeu um perigo e uma tentação”. [41]

Se há o específico da raça, há também o da terra, da geografia, da natureza, através das “imposições misológicas” alegadas pelo narrador, aliás, perfeitamente integradas ao reconhecimento da hierarquia das raças – enfim, há o determinismo de sangue e solo, do animal humano na terra: “o sangue da mestiça reclamou os seus direitos de apuração, e Rita preferiu no europeu o macho de raça superior. (...) a mulata era o prazer, era a volúpia, era o fruto dourado e acre destes sertões americanos, onde a alma de Jerônimo aprendeu lascívias de macaco”. [42] Nessa relação estreita da animalidade da raça com a geografia local, o sol aparece como elemento central da analogia com o mito ariano. É ele, por exemplo, que, em sonho, traz à realidade finalmente, magicamente, a menstruação de Pombinha. Após adormecer, ela “viu-se nua, toda nua, exposta ao céu, sob a tépida luz de um sol embriagador, que lhe batia de chapa sobre os seios. (...) Mas, pouco a pouco, seus olhos, posto que bem abertos, nada mais enxergavam do que uma grande claridade palpitante, onde o sol, feito de uma só mancha reluzente, oscilava como um pêndulo fantástico”. [43] É o sol brasileiro obnubilante, que tudo transforma no animal humano que pisa esta terra. “Assim à refulgente luz dos trópicos amortece a fresca e doce claridade dos céus da Europa, como se o próprio sol americano, vermelho e esbraseado, viesse, na sua luxúria de sultão, beber a lágrima medrosa da decaída rainha dos mares velhos”. [44]

Enfim, o sol e a animalidade próprios a esta terra definem o caráter nacional no corpo do pobre encortiçado. Também Euclides demonstraria a adequação das três circunstâncias observadas pelo peregrino como propícias à construção por aqui de um tipo nacional. E o faz resumindo boa parte dessa urgência identitária na associação entre “A terra”, “O homem” e “A luta”. Seu olhar científico-jornalístico aponta também para o sol, para sua relação com o homem em sua animalidade nua (pele, sangue, músculos), para a melancólica e violenta construção de uma nação. Mais do que isso, Os sertões dão testemunho do sebastianismo que atiçou o então recente estado republicano brasileiro, incomodando parte da classe média e da oficialidade por seu caráter de denúncia. Inserindo a luta na tradição do Dies irae, Euclides atribui às imagens de cinza e centelha (favilla) um sentido específico, dada a vizinhança sonora de outra palavra definidora do nacional: a favela (Jatropha phyllacantha), segundo Euclides, descoberta pela ciência na própria guerra em questão, tendo impressionado os combatentes pela resistência, principalmente à seca. Essas plantas “têm, nas folhas de células alongadas em vilosidades, notáveis aprestos de condensação, absorção e defesa. Por um lado, a sua epiderme ao resfriar-se, à noite, muito abaixo da temperatura do ar, provoca, a despeito da secura deste, breves precipitações de orvalho; por outro, a mão, que a toca, toca uma chapa incandescente de ardência inaturável”. O morro de cima do qual os soldados federais atiravam nos revoltosos de Conselheiro, lá embaixo, era coberto por essa planta, levando portanto seu nome. Depois, de volta ao Rio, muitos desses soldados, com esposas baianas, mutilados ou não, foram abandonados pelo governo, sem qualquer coisa parecida com emprego ou auxílio-moradia. Subiram então o morro que ironicamente se chamava “da Providência” e passaram a chamá-lo, não menos ironicamente, de Morro da Favela. A simbologia da resistência, do juízo final, das cinzas e das centelhas (da favilla) se mantém até hoje nas favelas, principalmente as do cinema brasileiro – e não menos ironicamente.

Apenas com Azevedo e Euclides, porém, não era mesmo de se esperar que justamente o “povo” da favela – homines sacri que se sucedem por gerações [45] – viesse a ter alguma correspondência com o tipo orgulhosamente brasileiro. A elite pré-modernista, em geral, nem sequer cogitou essa abertura, que só apareceu depois da aceitação do samba, no Rio, e da impetuosidade das vanguardas carioca e paulista. [46] A absorção do (e a imagem do ser absorvido pelo) samba parece ter construído a intimidade sócio-uterina da terra brasileira com o sol transformador na composição de um tipo, em parte, de um tipo-favela: homo-sacer, portanto quase cinza, mas também faísca, resistente à violência sempre presente, ainda que preferindo viver em paz e ser feliz ali mesmo na favela em que nasceu. Essa vontade de paz estaria obviamente na reiterada domesticação de representantes “do morro”, aproximando-os daquele Cristo descrito por Nietzsche (acima), que reúne extrema aptidão para o sofrimento e a angústia de perseguir o prazer de não (ter que) resistir. Lembremos que tal domesticação é também histórica, aparecendo, por exemplo, já em Paulo da Portela: “quando o samba foi organizado (...) os morros eliminaram a desordem (...), trabalhamos de sol a sol. (...) A polícia sabe que os verdadeiros malandros estão lá embaixo”. [47]

Astuto, nosso peregrino soube aproveitar a visibilidade conquistada pela imagem do pobre brasileiro, mas quis livrá-la dos efeitos da visão extra-moral tentada pela destruição modernista, devolvendo-a à velha mímese. Sua proposta ainda encontrou resistência num Graciliano, mas ressoou plena, por exemplo, em Jorge Amado, que alegava defender uma aliança brechtiana entre o intelectual e o popular. “Como bom realista, ele julgava que toda expressão é dominada por um meio através do qual se atinge um determinado objetivo. (...) Esse meio (...) desaparece, enquanto tal, para que o objetivo seja alcançado”. [48]

Mais adiante nosso viajante presenciaria outro ressurgimento, paralela e simetricamente aos efeitos do Cinema Novo, no romance-reportagem dos anos 70. Encorajador da ideologia estética do naturalismo no sentido amplo, [49] ele agora se sente em casa. Mantém a parte de cima da túnica franciscana, com grosso capuz, mas adota a longa bermuda de poliéster, globalizada. Deixa-se fascinar com a adequação ao rap da cadência trocaica do Dies irae e passa a colaborar com mais um ressurgimento mimético, agora no cinema brasileiro contemporâneo, pelo menos naquele que retrata, no sentido de denunciar, a miséria brasileira. Ele aposta na favela como um termo geral para os espaços em que ressurge o tipo-favela descrito acima (homo-sacer com um traço específico da ambivalência do herói cristão, juntando a cinza-faísca do juízo final com a domesticação).

Esse amplo espaço cênico do naturalismo como ideologia estética incluiria, como objetos de mímese, além da favela no sentido estrito, o cortiço antigo de Madame Satã, por exemplo, [50] e o contemporâneo de Amarelo manga. Numa outra linha de correspondências favélicas, a do agreste, o sertão de Euclides encontraria o agreste de Graciliano, o agreste do Cinema Novo (Deus e o diabo, Os fuzis, Vidas secas etc) e o agreste contemporâneo (Central do Brasil, Cinema, aspirinas e urubus, O céu de Suely). Numa terceira linha, a do cárcere, o cárcere de Graciliano encontraria, obviamente, e mais uma vez, o de Nélson Pereira dos Santos, estendendo-se ao de Carandiru e ao do Prisioneiro da grade de ferro. São possíveis também, obviamente, correspondências entre as linhas. O agreste de Central do Brasil, por exemplo, é praticamente turístico, enquanto o de O céu de Suely convida um olhar angustiantemente esgarçado, [51] e o de Cinema, aspirinas e urubus instiga às vezes o limite do olhar antropomórfico rumo a uma natureza lagartificada. A periferia paulistana retratada em Contra todos ou O invasor também contrastam, e não só pela geografia, com a de Recife em Amarelo manga, onde a bizarrice [52] reiterada se torna um convite à despesa bataillana.

As diferenças, portanto, são importantes – e gritantes. O que importa aqui, porém, para fazermos ver a presença oculta de nosso personagem aqui entre nós, são as semelhanças. A primeira delas, e mais importante, está no regime – o representativo. O cinema-miséria em questão é viabilizado, produzido, vendido e comprado, de modo geral, ainda como lugar da reiteração do paradoxal e insustentável heroísmo (próprio à idiótica moderna) da denúncia, que tem por base a vontade mimética de identificação. As alterações nos tratamentos, ainda que às vezes ousadas, não têm sido suficientes para desafiar decisivamente o regime. O sol que altera magicamente o corpo de Pombinha, em Azevedo, produz uma determinação corpórea muito parecida na relação entre Hermila/Suely e a pequena cidade do nordeste seco. É ele, o poderoso sol brasileiro, que, nos dois casos e em muitos outros de nossa tradição quente, dá forma à subjetividade que se resolve pela abertura corajosa ao sexo. Depois da experiência mítica com ele, Pombinha, que não menstruava, torna-se prostituta, enquanto Hermila, igualmente brasileira, igualmente atormentada pela pobreza e pela solidão, torna-se Suely. Da mesma forma, na referida bizarria de Amarelo manga, a animalidade, é, no espaço diegético, motivada, e até possibilitada, pela miséria, que desde Zola altera, nos cortiços, nas favelas em geral, os estados de lucidez, as determinações morais, a humanidade. [53]

Na doutrina das semelhanças que rege o cinema-miséria, a vontade mimética de identificação intensifica o apego ao representativo nos mais variados meios –  telenovelas, roupa, música etc. [54] Dentro, também, da tradição brasileira da autocomiseração e de resignação, a noção de uma comunidade brasileira assim obrada, denunciada, aparece para reiterar a frustração e mostrar que “estamos mesmo no fundo do poço”. O mito do brasileiro por vir, que em parte é o tipo-favela, desenhado pelo Dies irae, pela natureza exuberante, pelo sol e pela animalidade à flor da pele, encontra nessa frustração sua confirmação. Tal confirmação, por sua vez, reverbera na indústria cultural em recordes de público, para o delírio do peregrino, que obviamente busca ser ouvido pelas multidões.

As trombetas de Sofonias e Celano ressurgem em mais uma visão do apocalipse: um grupo de temíveis cavaleiros, eleitos em seleção rigorosa, Tropa de elite, é designado a resolver. Cumpre a missão com sobras, sempre reiterando, a cada subida parabólica à favela, sua capacidade de dar soluções finais. A vontade mimética cintila na própria estrutura convencional desse filme de tratamento audiovisual padronizado e imperial, altamente tecnologizado. A narrativa é pontuada por tiros. Muitos deles furam o limite diegético e sublinham cortes: shots inauguram shots. O começo por in media res é acentuado por um tiro especial, o de Neto (Caio Junqueira), ao pretender salvar a pele de Fábio (Milhem Cortaz). A ação é congelada nesse tiro de som hiperbólico, a grande faísca permanece na tela, e começa a explicação – embora o in media res continue. Bem comportado dentro da sintaxe griffithiana, adequando som e imagem, o todo e as partes, o filme exemplifica ainda a incorporação e a domesticação, pelo cinema hegemônico, de procedimentos outrora desafiadores. A câmera na mão é alusão convencional e anódina ao documentário tradicional; plongée e contre-plongée extremados realçam convencionalmente a verticalidade da favela; os diálogos em plano único com a câmera em zig-zag são uma recusa convencional do plano/contra-plano em direção, talvez, à crença ingênua numa suposta duração; a preparação convencional de atores transforma não-atores em supostos atores de si mesmos. [55]

Pouco depois do tiro crucial, congelado, de Neto, Nascimento (Wagner Moura) entra em cena e ganha um close que é também congelado. O in media res então termina num acordo com Nascimento, que diz o equivalente a “este sou eu, vou explicar tudo direitinho, revelar tudo, desde o início”. Promessa que ele cumpre. Seu didatismo define o caráter parabólico do filme: ele vai revelar a verdade sobre a elite, sobre a tropa, sobre o tráfico, sobre o problema social daquele universo (ele quer resolver). A apresentação dos personagens, bem como toda a narração, ganha coerentemente a clareza da voz do oficial dirigida aos soldados. Nascimento explica com cuidado, para que qualquer pessoa entenda. Sua fala evita elipses, sofisticações, desafios (o stanislavskiano Wagner Moura reverencia o senso comum). Oposta a Henry James, sua onisciência atinge um segundo nível: seu saber é capaz de mostrar diálogos que ele não presenciou e também de mostrar o conteúdo desses diálogos – como quando Fábio explica aos superiores a transferência de cadáveres na favela. Constrói pseudo-ironias, apostando talvez na mediocridade de um espectador que se sentirá feliz por entendê-las – como a ilustração da corrupção através do dinheiro na gaveta que o sargento abre diante da câmera para negociar com o Soldado Paulo (Paulo Hamilton).

Os personagens centrais são compostos completamente dentro da tradição idiótica valorizada por nosso peregrino. Nascimento, a começar pelo nome, é figura uterina, histérica: ele é formador, rigoroso construtor de homens. Entra hábil e silenciosamente no espaço restrito, exíguo, e provoca lá dentro transformações vitais. Figura também grávida, placentária, metonímica, sempre no lugar que não é mais o seu; reconstrói-se ao longo do filme e ao longo da gravidez de sua mulher, que acompanha pelo celular: ouve, no local de trabalho, o coração do feto – absorvendo(-se) portanto, pelo ouvido, (n)essa intimidade cardíaca, cordial com seu próprio porvir. O filho nasce no momento mesmo do encontro com Neto e Matias (André Ramiro). Antes da gravidez seria diferente, mas agora ele se sensibiliza com a mãe do fogueteiro que ele torturou, cujo corpo seus assassinos retiveram: não quer mais aceitar seu papel de Creonte, placentariza-se em Antígona, retomando o deslocamento do homem cordial em sua própria terra.

Ainda no plano do ouvido, a vontade mimética de identificação se resolve nessa intimidade sócio-uterina com que o didatismo de sua voz acolhe pedagogicamente os necessitados de revelações, de facilitações, de afirmações sobre si mesmos. Mais do que um convite ao acompanhamento, identificação racional ou representativa, sua voz é comunhão. E, acima de tudo, esse construtor de homens é, ao subir o morro, o poder instituinte, o emblema da exceção. É ele que faz viver e deixa morrer ou vice-versa. É o poder soberano paradoxal que se absolutiza, que constrói homines sacri. Na tortura, sua voz firme reitera perguntas com eficiência. E ele se justifica para nós como quem pisca o olho: conquista-nos a identificação como vítima atormentada da moral do trabalho, como pai de família estressado. Torna-se aceitável: a necessidade de seu “papel social” é menos discutível do que a aptidão de quem o assume. [56]

É ainda Nascimento que nos apresenta, sempre didaticamente, os outros personagens centrais. Também no momento do encontro, logo após o tiro crucial, Neto e Matias carregando corpos, ele explica: “O Neto decidiu entrar pro Bope porque ele gostava de guerra (...). O Matias veio junto porque ele era um policial que acreditava na lei”. Num plano que logo depois enquadra obliquamente os rostos dos dois, a voz acrescenta: “O Neto sabia o que tava fazendo, o Matias não”. Os dois ficam, assim, contrapostos ao caráter de Fábio, corrupto emblemático. Neto, Matias e Fábio: o guerreiro, o crente e o pecador. O guerreiro é obviamente aquele que mais perfeitamente encarna o espírito do Dies irae no filme. Investido de grande vontade de honestidade, é corajoso e pragmático, a ponto de burlar o sistema corruptor, sempre disposto, tanto quanto Nascimento, a resolver – inclusive aquilo que deu errado em tentativas anteriores. É assim, aliás, que ele produz a faísca que se congela no início. O retorno do olhar a esse momento ganha sabor de explicação, cumprindo a promessa do in media res e levando o encontro de ambos com Nascimento, na voz deste, a insinuar-se como obra do destino.

Neto é ponte de identificação entre Nascimento e Matias. É a própria incorporação, literal, do espírito do Bope – resolver, revelar –, tatuando no antebraço o símbolo da instituição – a caveira atravessada por uma faca e duas pistolas. Seu corpo se torna casa do Bope, ele é todo ímpeto pueril – assim como o próprio símbolo, que se caracteriza pela referencialidade fácil, escandalosamente traduzível, infantil até nos traços da caveira, obedientes às convenções primárias de quadrinhos, os buracos dos olhos em “v” sobre o sorriso límpido, indicando perversão. Se o corpo de Neto, impetuoso, equivocado, é morto por um equívoco, a bandeira nacional sobre o caixão é coberta ritualisticamente pela do Bope, dominada pelo mesmo símbolo, em gesto oficial de Nascimento/Creonte. A partir do corpo, o nacional como sempre atravessa e é atravessado pela guerra, pela morte como limiar do desafio à coragem – no caso específico desse mórbido panejamento, pelo Dies irae favélico.

O papel de substituto, porém, cabe a Matias, que se identifica perfeitamente a Nascimento como placenta – como substituto, como diferente de si mesmo. “Matias” é há muito o substituto por excelência. Lembremo-nos da cena. Judas, o traidor, segundo Pedro, “caiu de ponta cabeça, arrebentou-se e suas entranhas se esparramaram”. O Livro dos Salmos previa um apóstolo substituto. Do grande grupo com que os apóstolos se encontraram surgiram dois candidatos, José e Matias. Fez-se a oração: “Senhor, tu conheces o coração de todos. Mostra-nos qual destes dois tu escolheste”. Um sorteio define Matias como substituto. [57] Sintaxe griffithiana, semântica evangélica.

O tiro congelado, ainda, quando Nascimento conhece os dois candidatos, é crucial também para Matias. Ali ele é surpreendido fardado, carregando um corpo, por um fotógrafo de jornal. Até então ele conseguia esconder, na universidade, na Ong e na favela, sua identidade de policial. Por algumas vezes – como é próprio a filmes de aventura – ele quase se traiu. Esteve mais próximo disso quando atacou frontalmente a desinformação burguesa da turma da universidade. [58] Seu maior trunfo, porém, na proteção do disfarce – e nem ele o percebeu como tal – era sua posição moral, que o levou a uma leitura superficial de Vigiar e punir, perfeitamente condizente com a dos colegas e a do professor. Uma leitura que negligencia o olhar de Foucault sobre a instalação das tecnologias da disciplina como início de uma teoria heterodoxa do sujeito, ou pelo menos como recusa radical à determinação de uma subjetividade universal. Assim, Matias de um lado, colegas de outro, mesmo discordando quanto à adequação do gesto policial, concordavam moralmente com a necessidade da disciplina na determinação de suas identidades. Antecipavam, portanto, boa parte do debate superficial que se seguiria ao filme – e que sustenta seu sucesso.

No jogo de desvios de expectativas, também próprio ao gênero, Neto era apontado como o substituto de Nascimento, que chega a se empolgar com o garoto. No ritual diante do caixão de Neto, porém, Matias, autor do equívoco que o levou à morte, absorve o ímpeto do amigo, ensaiando finalmente o nascimento de uma síntese dialética, sonhada por Nascimento, entre o crente e o guerreiro, contra todo o pecado – síntese que triunfará, ou se resolverá, na última seqüência. A transferência da ira de um corpo a outro é mimética, promovida pelo contato ritual. O corpo de Matias mimetiza camaleonicamente o de Neto, no qual a caveira já estava inscrita. Quem opera a transferência é Nascimento, o soberano biopolítico, formador de homens, que conhece os corações e que assim constrói seu substituto, inserindo-o na linhagem de dependência que começa em Deus, passa por Pedro e se completa na favela em momento especial: “o papa precisava do Bope, o Bope precisava de mim, e eu precisava de um substituto”. Logo os gestos de Matias se aderem ao sentido da fala da voz over de Nascimento. Na passeata, Matias catarticamente agride os burgueses, como que teleguiado pela lúcida denúncia de hipocrisia que o soberano dirige à classe média.

Assim como Neto, Matias se mostra ingênuo em seu idealismo – e Fábio sarcasticamente os considera anjos. Foi a ingenuidade de obrigar Edu (Paulo Vilela) a marcar seu encontro com Romerito para a entrega dos óculos que custou a vida de Neto. Ingenuidade e idealismo, porém, já vimos, não bastam para constituir anjos na modernidade, e Matias, ao contrário do santo, não tem por mensagem a voz do emissor absoluto, mas a de Nascimento, emissor moderno, microfísico, placentário. Torna-se, portanto, um idiota dostoievskiano:

O idiota se placentariza a si mesmo, na medida em que oferece a todo crente seu caminho, como um primo intra-uterino, uma experiência inexplicável da proximidade, um tipo de ligação imemorial que cria entre duas pessoas que se vêem pela primeira vez uma abertura tal que só se pode encontrar no Juízo final ou na troca não-verbal entre o feto e a placenta. Na presença do idiota, a benevolência inofensiva se torna uma intensidade em mutação; sua missão parece ser de não ter mensagem, mas de criar uma proximidade na qual os sujeitos enrijecidos podem se liquefazer e se reconstituir. [59]

De fato, na presença desse Matias (desse substituto, dessa placenta), as subjetividades se enrijecem e liquefazem, sem que ele próprio tenha controle. Substituindo Nascimento, ele passa a centralizar a identificação mimética do senso comum – rapaz pobre, trabalhador honesto, solidário, corajoso e sedento de justiça, que passou por uma carga de sofrimentos suficiente para enrijecer a si próprio e entrar decididamente na luta. Num filme em que, como vimos, shots inauguram shots, o que por si insinuaria a noção de uma auto-formação explosiva, num espaço-tempo em que os homens são formados, construídos pelo poder soberano identificável, num filme, ainda, em que o ângulo do shot da câmera freqüentemente se confunde com o da mira dos fuzis, aparece o novo homem, o substituto, aquele que vai revelar revelações impossíveis, aquele que vai continuar resolvendo.

Na especificidade sócio-geográfica da favela, na resolução, o rosto brasileiro de Matias é complementado, atravessado mesmo, pelo sol. Em Deleuze [60] , mais do que meio de identificação, o rosto, a rostificação, é por excelência o espaço de afecção, de indeterminabilidade entre ação e reação, espaço de potência. Entre dois rostos que se olham, explorando nas respectivas expressividades dos traços um jogo infinito de possibilidades, a cronologia se dilui, insinua-se a duração, a impossibilidade mesma de qualquer ciência, uma suspensão da identidade. Na última cena, Baiano (Fábio Lago), chefe do tráfico, está no chão, ferido, derrotado, humilhado. Como último pedido, quer apenas a preservação de seu rosto em função do velório. Nascimento, como prova de fogo, entrega a arma a Matias e lhe ordena o serviço – teste de capacidade de soberania, de poder instituinte sobre qualquer regra (humanidade, identidade, último pedido etc). Baiano e Matias se encaram a arma entre eles. Matias com o dedo no gatilho, o pé no peito de Baiano, o cano da arma próximo ao rosto que Baiano quer preservar. Nos últimos três planos, ligados por fusão, a câmera, subjetiva de Baiano, mantém o ângulo acentuado. A primeira fusão é motivada pelo engatilhar da arma. A cada fusão o rosto de Matias se aproxima de nós (e do olhar de Baiano). Em movimentos sutis, esse rosto ora tapa o sol, ora dá passagem a sua luz que quase nos cega (e a Baiano).

O rosto negro que nos mira, nessa duração, vai então se confundir com o próprio sol formador, aquele que, como vimos, possibilita as formas, os tipos – não só na Alemanha. Esse rosto específico é negro, suficientemente sofrido, investido do poder de pôr fim à situação naquele momento, naquele dia (dies illa). Na solução, a tela fica totalmente branca, ouvimos o tiro, novamente hiperbólico, e ficamos assim, ofuscados. O rosto branco de Baiano, que está no lugar do nosso, não mais existe. O de Matias, negro, não mais aparece, dilui-se no sol. Fusão. Vemos apenas o fim, a luz, a revelação, ou seja, nada vemos. Mais uma transubstanciação aconteceu. O sol imprimiu em nós o rosto de Matias, acompanhado de seu olhar na mira, ofuscado de ira. O tipo sugerido pela forja solar para identificação é uma variação irada do tipo-favela: um Matias (substituto) negro, oposto ao burguês, domesticado, entregue ao poder soberano, mas agora investido, por substituição, por mímese, por comunhão placentária, do poder instituinte que o dominava. Um tipo favélico, em resumo, em que a domesticação evoluiu para ímpeto moralizador pragmático.

Com esse mesmo ímpeto, Tropa de elite, entre outros filmes e romances da longeva ideologia estética naturalista brasileira, naturaliza e aceita ingenuamente o espaço favélico como resto, como espaço de constante constituição de homines-sacri, portanto como espaço contido de exceção que pode e deve ser corrigido democraticamente. O mundo (saeclum) que se dissolve em cinza e faísca (favilla) é o mundo já favelizado; mais uma vez, sua revelação nada revela. O filme perde de vista o campo de concentração como modelo da democracia inclusiva que ele próprio defende e denuncia como crueldade alheia a própria violência (a exceção como regra) que mimetiza (tanto quanto Matias) dentro de sua nostalgia humanista.

Nosso peregrino sai do cinema vibrando com o sucesso do filme, dançando extasiado, louco pela próxima revelação. Mas, no reflexo de uma vitrine qualquer, vê agora um homem saudável, em farda negra camaleônica, com um belo rosto negro, de feições suaves mas impetuosas, e olhos capazes de mirar e apagar qualquer rosto inimitável.

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[1] SOFONIAS, 1,1-17 e 2,1-2. As citações bíblicas aqui são retiradas da Edição Pastoral da Paulinas, dirigida pelo Pe. José Bortolini (São Paulo: Paulinas, 1991).

[2] Lc, 1,51-3

[3] Lc, 16,19-31

[4] NIETZSCHE, Friedrich. Genealogia da moral. São Paulo: Cia das Letras, 2003, p. 49 (grifo meu). Aforismo 6 da segunda dissertação. Para os termos em alemão, cf. http://gutenberg.spiegel.de/nietzsch/genealog/genealog.htm.

[5] HILLIS MILLER, J.. Heart of darkness revisited. In: Conrad, Joseph. Heart of darkness. New York, St. Martin's, 1989, p. 221-2.

[6] Mt,13, 13-5 e 34-5

[7] Qui Mariam absolvisit / Et latronem exaudisti, / Mihi quoque spem dedisti. // Preces meae non sunt dignae: / Sed tu, bonus, fac benigne, / Ne perenni cremer igne (Celano).

[8] ECO, Umberto. “Elogio de Santo Tomás de Aquino”. In: ____. Viagem na irrealidade contemporânea. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984, p. 331-342.

[9] SLOTERDIJK, Peter. Bulles (Sphères I). Paris: Fayard, 2002, p. 569.

[10] NANCY, Jean-Luc, e LACOUE-LABARTHE, Philippe. O mito nazista. São Paulo: Iluminuras, 2002, p. 15-6.

[11] SLOTERDIJK, Peter. Bulles (Sphères I). Paris: Fayard, 2002, p. 514.

[12] SLOTERDIJK, Peter. Bulles (Sphères I). Paris: Fayard, 2002, p. 514.

[13] SLOTERDIJK, Peter. Bulles (Sphères I). Paris: Fayard, 2002, p. 515.

[14] SLOTERDIJK, Peter. Bulles (Sphères I). Paris: Fayard, 2002, p. 515-16.

[15] SLOTERDIJK, Peter. Bulles (Sphères I). Paris: Fayard, 2002, p. 518.

[16] NIETZSCHE, Friedrich. O anticristo. São Paulo: Martin Claret, 2002, p. 66.

[17] NIETZSCHE, Friedrich. O anticristo. São Paulo: Martin Claret, 2002, p. 64.

[18] SLOTERDIJK, Peter. Bulles (Sphères I). Paris: Fayard, 2002, p. 519.

[20] NANCY, Jean-Luc, e LACOUE-LABARTHE, Philippe. O mito nazista. São Paulo: Iluminuras, 2002, p. 32-3.

[21] NANCY, Jean-Luc, e LACOUE-LABARTHE, Philippe. O mito nazista. São Paulo: Iluminuras, 2002, p. 34.

[22] NANCY, Jean-Luc, e LACOUE-LABARTHE, Philippe. O mito nazista. São Paulo: Iluminuras, 2002, p. 35.

[23] NANCY, Jean-Luc, e LACOUE-LABARTHE, Philippe. O mito nazista. São Paulo: Iluminuras, 2002, p. 36.

[24] WINCKELMAN, J. J.. Reflexões sobre a arte antiga. Porto Alegre: Movimento, 1975.

[25] NANCY, Jean-Luc, e LACOUE-LABARTHE, Philippe. O mito nazista. São Paulo: Iluminuras, 2002, p. 45.

[26] NANCY, Jean-Luc, e LACOUE-LABARTHE, Philippe. O mito nazista. São Paulo: Iluminuras, 2002, p. 46.

[27] NANCY, Jean-Luc, e LACOUE-LABARTHE, Philippe. O mito nazista. São Paulo: Iluminuras, 2002, p. 47.

[28] Como Glaubenserkenntnis, diria Hitler (54). Minha luta é carregado mesmo de afirmações como “a manutenção da fé na massa do povo é para o bem-estar da nação tão importante quanto a conservação da sua saúde”. Cf. Hitler, Capítulo II (Anos de aprendizado e de sofrimento em Viena).

[29] RANCIÈRE, Jacques. A partilha do sensível. São Paulo: 34, 2002.

[30] citado por BENJAMIN, Walter. Charles Baudelaire, um lírico no auge do capitalismo (Obras escolhidas, v. 3). São Paulo: Brasiliense, 1994, p. 71-72.

[31] BENJAMIN, Walter. Charles Baudelaire, um lírico no auge do capitalismo (Obras escolhidas, v. 3). São Paulo: Brasiliense, 1994, p. 72.

[32] BENJAMIN, Walter. Charles Baudelaire, um lírico no auge do capitalismo (Obras escolhidas, v. 3). São Paulo: Brasiliense, 1994, p. 73.

[33] BENJAMIN, Walter. Charles Baudelaire, um lírico no auge do capitalismo (Obras escolhidas, v. 3). São Paulo: Brasiliense, 1994, p. 78.

[34] LUKÁCS, Georg. "Narrar ou descrever". Tradução de Giseh Vianna Konder. In: ____. Ensaios sobre literatura. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1965. pp. 43-94.

[35] GOLDMANN, Lucien. Sociologia do romance. Tradução de Álvaro Cabral. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1976.

[36] SÜSSEKIND, Flora. Tal Brasil, qual romance? Rio de Janeiro: Achiamé, 1984.

[37] SOARES, Luiz Felipe G.. War-Joy and the Pride of not Being Rich (tese de doutorado). Florianópolis: Ufsc, 2001.

[38] HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1994, p. 31.

[39] CARVALHO, José Murilo de. A formação das almas: o imaginário da república no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
CARVALHO, José Murilo de. Os bestializados: o Rio de Janeiro e a república que não foi. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.

[40] CANDIDO, Antonio. “De cortiço a cortiço”. Novos Estudos CEBRAP, Nº 30, julho de 1991, p. 120.

[41] CANDIDO, Antonio. “De cortiço a cortiço”. Novos Estudos CEBRAP, Nº 30, julho de 1991, p. 121.

[42] AZEVEDO, Aluísio. O cortiço. São Paulo: Ática, 1997, p. 151.

[43] AZEVEDO, Aluísio. O cortiço. São Paulo: Ática, 1997, p. 123.

[44] AZEVEDO, Aluísio. O cortiço. São Paulo: Ática, 1997, p. 71.

[45] < Constatou-se entre alunos e professores da Ufsc o intenso interesse de Agamben pelas favelas, manifestado na ocasião de sua palestra ali, em 2005. O pedido foi atendido, e ele de fato visitou, com restrições, uma favela de Florianópolis.

[46] Cf. principalmente, VIANNA, Hermano. O mistério do samba. Rio de Janeiro: Zahar, 1995. Cf também o episódio da visita de Macunaíma à Tia Ciata em ANDRADE, Mário. Macunaíma: o herói sem nenhum caráter. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos/ São Paulo: Sec. Cultura, Ciência e Tecnologia, 1978, p. 55.

[47] O radical, fevereiro de 1945, citado em CABRAL, Sérgio. As escolas de samba do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Lumiar, 1996, p. 141.

[48] ANTELO, Raul. Amado: tradição e extradição. In: ____. Potências da imagem. Chapecó: Argos, 2004, p. 87-123.

[49] SÜSSEKIND, Flora. Tal Brasil, qual romance? Rio de Janeiro: Achiamé, 1984.

[50] Esse filme de Aïnouz faz ver homines sacri deixados pela reforma Pereira Passos, contemporânea e complementar à constituição das primeiras favelas.

[51] Agradeço o termo a Cláudia Mesquita.

[52] A observação dessa característica eu devo a André Monteiro Dias Pires.

[53] Essa proposta fica mais clara quando se contrasta o filme com qualquer um cuja galeria de estranhos se apresenta absolutamente descomprometida com uma visão denuncista – Fellini por exemplo.

[54] Aqui pode-se traçar outras correspondências, por exemplo entre Cláudio Assis e o Mangue Beat; ou entre o ambiente de favelas e cortiços e o rap, respeitada a diferença de que o rap, sendo cantado pelo pobre, vende-se mais como presentação do que como representação.

[55] O elogio ao império reverbera também na fala dos realizadores. O diretor, José Padilha, em debate que se seguiu à exibição do filme na UFRJ, dia 16 de outubro de 2007, louva o que a seu ver é o primeiro filme brasileiro sobre o assunto, feito do ponto de vista do policial, a exemplo do cinema americano. Ao lamentar a tentativa de censura por parte de policiais cariocas, o co-roteirista Rodrigo Pimentel valoriza a atitude democrática do FBI quanto a filmes americanos desabonadores.

[56] Com o que parece concordar o Prof. Dr. Luiz Eduardo Soares, co-autor do livro Elite da tropa, no já referido debate sobre o filme, quando mencionou a necessidade de “preparo” para o policial que assume esse papel. A presença de Soares parece imprimir no filme sua vontade de legitimação acadêmica. Na mesma ocasião ele contou ter optado pelo audiovsual porque os livros não são mais suficientes, assumindo pragmaticamente a morte da literatura num sentido humanista nostálgico (veja exemplo da assunção contrária em SLOTERDIJK, Peter. Regras para o parque humano. São Paulo: Estação Liberdade, 2000).

[57] ATOS, 1, 18-26.

[58] Em cena aplaudida por universitários na UFRJ.

[59] SLOTERDIJK, Peter. Bulles (Sphères I). Paris: Fayard, 2002, p. 518-9.

[60] DELEUZE, Gilles. A imagem-tempo. São Paulo: Brasiliense, 1985, p. 115.

Luis Felipe Guimarães Soares possui graduação em Comunicação Social (UFJF), mestrado em Literatura e doutorado em Letras (UFSC). Foi professor do curso de Graduação em Cinema e do Programa de Mestrado em Ciências da Linguagem (Unisul) e atualmente é professor no Curso de Cinema da UFSC. Publicou diversos ensaios sobre Glauber Rocha em publicações como Cinemais, Revista AV e no livro Glauber Rocha.