Cada
Um Com Seu Cinema (Chacun son cinéma), de 35 cineastas (França, 2007)
por Eduardo Valente O
cinema, hoje
Quando da comemoração dos
60 anos do Festival de Cannes, o desafio lançado pelo presidente do Festival,
Gilles Jacob, a 35 cineastas era simples: encenar em 3 minutos uma história que
tivesse uma sala de cinema como locação. A motivação por trás é clara, em tempos
de proliferação de meios para ver filmes que não a sala de cinema: prestigiá-la
como espaço.
Bom,
não foi o que aconteceu exatamente, porque uma maioria considerável dos episódios
apresenta a sala de cinema como espaço deserto, como espaço do passado. Se a nostalgia
não chega a ser surpreendente se pensamos que a imensa maioria dos convidados
já está entrando na terceira idade (não Manoel de Oliveira, claro, porque ele
não tem idade), o que não deixa de surpreender é ver o quanto voltavam
duas imagens básicas: um cego no cinema, ou a sala de cinema vazia. Será
afinal que essa é a opinião dos cineastas sobre o estado do cinema (e do
seu espectador) hoje?
Talvez por isso, qualidade de encenação à parte,
chamam a atenção dois episódios: o dos irmãos Coen, de longe o mais
bem resolvido na curta duração, e o de Olivier Assayas. No caso do primeiro, uma
ode à possibilidade do cinema ainda se comunicar com as platéias mais distantes
e servir inclusive para trazer próximas as pessoas mais diferentes (tudo isso
sem um pingo de sentimentalismo, é bom que se diga); já o de Assayas é
o único que abraça de fato a contemporaneidade, sendo não só filmado em digital
como num verdadeiro cinema em funcionamento hoje, em Paris (e que tinha uma certa
semelhança narrativa com o dos irmãos Dardenne, também bastante bem resolvido,
ainda que simples ao extremo). A
maioria dos outros episódios ou foi feito em cinemas vazios, desocupados ou destruídos,
cheios de melancolia (onde pelo menos o de Hou Hsiao-hsien prefere encenar o passado
do que lamentar o presente – movimento mais honesto, ao menos); ou busca construir
pequenas parábolas de “esperança” cuja simples necessidade de afirmar esta esperança
de maneira quase utópica parecem as mais claras representações da distopia geral
com o cinema (e, entre estes, por incrível que pareça o mais bonito – e de longe
seu melhor filme até aqui – era o de Iñarritu). Entre os distópicos melhor ficar
então com o humor confrontador (e auto-centrado, claro, sempre) de Lars Von Trier
(acima); e a encenação bem realizada (e engraçada, sim) de Ken Loach do que com
a lacrimosidade exagerada dos chineses Chen Kaige e Zhang Yimou (ainda que aja
no deste um belíssimo plano, pelo menos); o romantismo lugar-comum de Bille August
e Lelouch; ou a nostalgia um tanto paralisada de Konchalovski e Angelopoulos.
Há
ainda os verdadeiros aliens da seleção: Cronenberg (ao lado), Cimino e Campion
fizeram filmes tão curiosos e diferentes de todo o resto, que com o curto tempo
que há para passar de um para o outro, é difícil formar uma
opinião sobre eles na primeira (e até aqui única) visão do
filme como um todo. Sobre o filme de Cimino, aliás, Diego Assunção
já escreveu na revista.
Mas, claro, não convém levar tão a sério um filme feito de encomenda para
um aniversário de um Festival – afinal ninguém pediu que se tratasse exatamente
de uma “carta de intenções”. Por isso vale louvar também os que entenderam o projeto
como uma senhora brincadeira: caso de Polanski, por exemplo, que fez um dos únicos
verdadeiros curta-metragens (e não um ensaio); o do menino Oliveira, sempre
brilhante e inesperado; o de um Elia Suleiman que mais parecia a reencarnação
de Buster Keaton em seu filme; e o de Aki Kaurismaki. Para eles, o que o convite
afirmava era que o que vale mesmo é continuar fazendo cinema, e pronto.
ps:
Este texto foi escrito quando da exibição deste filme no Festival
de Cannes, e depois reformatado quando de sua exibição nos festivais
brasileiros. Agora que o filme entra em cartaz, é importante anotar que
aquele que é citado aqui como um dos mais interessantes episódios,
aquele dirigido pelos irmãos Coen, foi retirado do conjunto na sua exploração
comercial nas salas. Maio de 2007 editoria@revistacinetica.com.br
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