in loco - 5o cineop
Em busca da imagem reconhecida
por Paulo Santos Lima

Querida Mãe, de Patrícia Cornils (Brasil, SP, 2009)
Supermemórias, de Danilo Carvalho (Brasil, CE, 2010)
Zona Desconhecida, de Ariana Chediak (Brasil, SP, 2009)

Se os filmes autobiográficos correm risco de pender entre rasgadas declarações de amor e severos acertos de contas, todos parecem sair à busca de algo perdido ou jamais encontrado. Isso está mais forte no belo Querida Mãe, no qual Patrícia Cornils empresta seu corpo, sua imagem, para reproduzir um momento muito específico de sua mãe, da qual ela não sabe muito. Cornils atua e acompanha a leitura das cartas que a mãe escrevia para a avó da diretora, em 1966, cujo texto funciona como uma poderosa e delicada narração. O registro não é o da reconstituição que alguns documentários fazem, mas sim o de uma ausência instalada que, por força da cineasta, transforma-se num bonito vulto alusivo e focado no “o que teria sido”. Esse mistério que separa a experiência da mãe em 1966, reproduzida em cartas, e a diretora não é preenchimento, mas sim deslocado para um preenchimento do vazio que seria o pouco material que Cornils possui sobre sua mãe, que não o sentimental e interior. É como se ela preenchesse a tela vazia com sua própria imagem, que não deixa de ser sua direção.

Supermemórias, por outro lado, utiliza imagens mais que consagradas e cristalizadas no ambiente memorialista de Danilo Carvalho para se transformar num oba-oba cheio de efeitos. Divertido seria um termo adequado, ainda que bastante subjetivo, e a operação, em síntese, não parece tão engenhosa quanto seu efeito pretende aparentar. Não há problematização (no caso, alguma questão que redunde em colocar a imagem em perspectiva), mas sim um vasto material que pode ter dado trabalho ao seu diretor, mas não transcendência ao que já há de atraente nessas imagens Super-8 que volta e meia vemos por aí.

Zona Desconhecida utiliza algumas imagens neste formato, bastante pessoais, de Mara Gabrilli, que aos 26 anos sofreu acidente que a deixou tetraplégica. Entre essas imagens de Super-8 que tiram o filme do seco registro videodocumental, estaria a relação entre Mara e sua fisioterapeuta, a também diretora Ariana Chediak. Estaria, pois o viés do filme é um tanto flutuante, começando como relato pessoal para ir ao que interessa mais: a relação entre as duas, ou seja, entre cineasta e seu tema. Esse relato pessoal de Chediak ganha corpo após alguns tantos minutos de filme, mas a forte imagem e carisma de Mara toma bastante espaço do filme.

A diretora, que desde 1997 empreendeu uma vigorosa terapia para reabilitar Mara, deveria apertar as rédeas na organização das imagens. O que fica saliente, contudo, é um olhar bastante positivo sobre a personagem. Longe de ser um problema, mas sim uma escolha. E escolhas custam um preço. No caso de Zona Desconhecida, isso gasta um espaço que poderia servir de espelho para a cineasta, uma vez que ela própria se coloca como personagem no filme. Se Ariana Chediak abraça uma empreitada e tanto, emaranhando sua experiência pessoal ao hercúleo exercício da captura cinematográfica diária, parece haver uma certa “timidez” e contenção para ela levar suas imagens a lugares um tanto mais extremos – ainda que, de pronto, seu filme já seja um trabalho bastante forte. Reiterando, mostrar somente o lado bom e virtuoso de Mara não é, em si, um problema, mas torna o discurso do filme bastante suspeito.

Mara enveredou pela política e, agora vereadora e ex-secretária da Pessoa com Deficiência da Prefeitura de São Paulo, vem fazendo muito pela causa da deficiência física. O filme não deixaria de lado isso, claro, mas uma escolha pode colocar um abismo à frente: o contraplano de uma deficiente que acabou de agradecer Mara pelos seus feitos, a agregação de valor ao colocar políticos reconhecidos em cena, são imagens que soam redundantes após tanta afetividade e aprovação que a ordem das imagens trouxe sobre Mara a nós. É um filme poderoso, cuja realização gastou muitos anos da energia criativa da diretora. A fala da Ariana Chediak na mesa sobre médias-metragens pareceu a de uma diretora mais amadurecida, com um aparente distanciamento que seu filme parece não possuir. Se Sganzerla já voltou e alterou algo de seu Copacabana Mon Amour ou Sem Essa Aranha, de repente não seria um mal caminho rever Zona Desconhecida com os olhos de agora, mais conhecedores.

Julho de 2010

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