Cinética 1 ano - Curso especial

Recortes sobre o audiovisual contemporâneo: efeitos de verdade e reconfiguração de identidades
Cine Sesc – 23, 25, 30 de julho e 01 de agosto – das 19h às 22h

A Cinética celebra seu primeiro ano no ar com quatro aulas-palestras pensadas a partir de questões desenvolvidas na revista por quatro de seus redatores fundadores. Abordaremos recorrências de deslocamentos físicos e sociais no cinema brasileiro contemporâneo, as características mais reconhecíveis de sua vertente popular de classe média associada com empresas estrangeiras, as novas configurações das relações familiares na produção mundial recente e a busca do efeito de real como estratégia de legitimação de ficções audiovisuais ou de narrativas estruturadas sobre o índice de documento da vida.

As quatro aulas-palestras são autônomas, mas, quando colocadas lado a lado, revelam algumas conexões e esquinas. A predominância de êxitos comerciais no cinema brasileiro que partem de personalidades ou eventos históricos, tema de Leonardo Mecchi, está em sintonia com a necessidade de validar a ficção com dados/simulações da realidade, o tema de Ilana Feldman. Parece ser clara a aproximação desses objetos com uma noção de “ilusão do verismo”, que dessa forma tornaria a dramaturgia mais verdadeira. Mais crível, pelo menos.

Também há diálogo entre os deslocamentos físicos e sociais nos filmes brasileiros, tema de Cléber Eduardo, e os deslocamentos dos papéis da família em filmes realizados em outros países, focados por Francis Vogner dos Reis. Em quaisquer desses universos, há uma crença na resistência ao imobilismo, uma saída para determinismos e uma ruptura com os limites de origem (famílias, lugares). São narrativas à primeira vista possíveis de serem assimiladas como parte de um elogio da flexibilidade, seja na construção de uma nova família ou de uma identidade do deslocamento.   

* * *

A lógica contemporânea e histórica do cinema popular brasileiro
Professor: Leonardo Mecchi
Data: 23 de julho

Existem características recorrentes nos filmes de maior êxito de público dos anos 2000 e traços de conexão entre eles e os sucessos das últimas três décadas? Há uma fórmula narrativa nesses casos? Privilegia-se determinados traços nesse segmento de maior penetração? Baseando-se em dados sobre os filmes mais vistos no país desde os anos 70, percebe-se variações das mesmas matrizes ao longo desse período, embora com especificidades e resultados diferentes em cada fase. A aula procurará relacionar a lógica da política de financiamento e distribuição ora vigente na valorização de determinadas características no cinema brasileiro atual. Mantém-se, por exemplo, a tendência de se partir de materiais já narrados (em literatura, teatro, televisão ou por biógrafos e historiadores), com a quase inexistência do êxito comercial sustentado por uma história nunca antes narrada. Também permanece, em linhas gerais, três vertentes: a dos filmes históricos e biográficos, pautados pela representação de uma verdade ocorrida (uma vida, um período, um evento), a dos filmes-franquias, composta de narrativas centradas em programas ou celebridades de TV, assim como em peças de sucesso, e a da tradição cômica, que tem como novidade a inserção do humor nordestino em sua versão reciclada por intérpretes da Rede Globo. Nesse panorama, foram aposentados os filmes de apelo erótico (os levados a sério e os considerados vulgares), assim como as adaptações de Nelson Rodrigues e Jorge Amado. Essas variáveis são as mais evidentes entre os projetos financiados pela associação de leis de incentivo, Globo Filmes e as distribuidoras estrangeiras, uma trinca sem a qual o cinema popular de classe média hoje teria de ser repensado.

Filmes relacionados
Dois Filhos de Francisco, de Breno Silveira
Carandiru, de Hector Babenco
Os Normais, de José Alvarenga Jr
Lisbela e o Prisioneiro, de Guel Arraes
Olga, de Jaime Monjardin
Cazuza, de Sandra Werneck e Walter Carvalho
Cidade de Deus, de Fernando Meirelles

Leonardo Mecchi é crítico de cinema e produtor. Sub-editor da Cinética, foi selecionado em 2007 para o Berlinale Talent Campus, programa anual do Festival Internacional de Cinema de Berlim. Como produtor, atua no desenvolvimento e produção de projetos de curtas e longas metragens – entre eles Onde Andará Dulce Veiga?, de Guilherme de Almeida Prado, e À Margem do Lixo, de Evaldo Mocarzel – além de mostras e festivais dedicados ao cinema brasileiro.

* * *

Dramaturgia do exílio e o darwinismo social nos filmes brasileiros
Professor: Cléber Eduardo
Data: 25 de julho

Duas características são bastante marcantes no cinema brasileiro contemporâneo. A primeira e mais notável é a multiplicação de filmes, desde Terra Estrangeira, que se sustentam por uma demanda de exílio. São narrativas nas quais os protagonistas tentam romper ou rompem com seus espaços para tentar iniciar um ciclo de dias pretensamente melhores em outra região do país ou fora do Brasil. Há desde razões materiais a motivações existenciais. O ponto em comum é sempre a impossibilidade dos indivíduos de acertarem contas com seu espaço, de agirem nele, e o deslocamento como única saída para uma mudança desses indivíduos, sem nenhuma perspectiva de transformação dos espaços. Uma outra mobilidade, mais acentuadamente social, surge nessa perspectiva: a emergência do pobre por alguma habilidade técnica ou artística (fotografia, música). Novamente uma saída individual, para os mais aptos a inserirem-se, que não atinge seus entornos. Não haveria um estímulo do conformismo nessa celebração do pobre com espírito de vitória? E qual a lógica dessa vontade de partir no contexto dos últimos 16 anos de regime democrático? Em quais bases se dá essa distopia pós regime militar? O deslocamento é um sinal de impotência política ou é o deslocamento da potência política para os limites do individual – e do individualismo?

Filmes relacionados
Terra Estrangeira, de Walter Salles
Um Céu de Estrelas, de Tata Amaral
Latitude Zero, de Toni Venturi
Abril Despedaçado, de Walter Salles
Caminho das Nuvens, de Vicente Amorim
O Homem que Copiava, de Jorge Furtado
Cidade de Deus, de Fernando Meirelles
O Céu de Suely, de Karim Ainouz
Antônia, de Tata Amaral
Serras da Desordem, de Andrea Tonacci
Dois Filhos de Francisco, de Breno Silveira
Os 12 Trabalhos, de Ricardo Elias

Cléber Eduardo é crítico de cinema e professor. Editor da revista eletrônica Cinética, foi redator da Contracampo por 4 anos, editor assistente da revista Época por 8 anos. Atualmente, é um dos debatedores da sessão Conversa ao Pé do Filme, realizada no Centro de Cultura Judaica, em São Paulo, e curador das mostras de cinema de Tiradentes e Ouro Preto. Autor do ensaio “Fugindo do Inferno: A Distopia na Redemocratização” (Ensaios Sobre uma Década/Azougue/org. Daniel Caetano), dirigiu com Ilana Feldman o curta Almas Passantes, do qual é um dos roteiristas e montadores.

* * *

O apelo realista das novas narrativas do espetáculo: uma atualização da secular “vontade de verdade”
Professora: Ilana Feldman
Data: 30 de julho

A aula abordará as relações entre distintas narrativas audiovisuais que conformam, no âmbito da TV, do cinema e da internet, um regime de visibilidade marcado por estratégias de apelo realista. Tais estratégias, caracterizadas pela construção e intensificação de “efeitos de real”, não se confundem com o engajado realismo “crítico” ou “revelatório” do passado, mas assimilam e reformatam os códigos realistas por meio da produção de uma impressão de autenticidade, como se vê na proliferação de reality shows, imagens amadoras utilizadas pelo telejornalismo e acontecimentos não-ficcionais incorporados pela teledramaturgia, dentre outras manifestações. Essas operações audiovisuais visam obliterar a distância entre a experiência direta e sua mediação visual, revelando-se como estratégias políticas, nada inocentes, de autolegitimação e autorização da narrativa e da imagem. O apelo realista das novas narrativas do espetáculo, o qual reduz muitas vezes a imagem à dimensão da informação, nos sinaliza a atualização de uma secular “vontade de verdade”, para usarmos o conceito do filósofo alemão Friedrich Nietzsche. A verdade deixa assim de ser compreendida como um sentido oculto, profundo, que estaria por trás das aparências, para passar a se alocar na própria superfície das imagens, identificando-se, desse modo, a um efeito construído, o efeito de verdade.

Imagens relacionadas:
Depoimentos no final de Páginas da Vida
Vídeo no Youtube de Daniela Ciccarelli
Big Brother Brasil
Imagens amadoras em telejornais
Simulação de câmeras escondidas em filmes ficcionais
Simulação de flagras sexuais na Internet

Ilana Feldman é redatora da Cinética e colaboradora da revista eletrônica Trópico. Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Imagem da Universidade Federal Fluminense, desenvolveu a pesquisa “Paradoxos do visível: reality shows, estética e biopolítica”. Como realizadora, dirigiu com Cléber Eduardo o curta Almas Passantes - um encontro com João do Rio e Charles Baudelaire, premiado pelo edital da Riofilme para curta-metragem, e com Guilherme Coelho o documentário Se tu fores, contemplado pelo prêmio Itaú Cultural para Novos Realizadores.

* * *

A reconfiguração das relações familiares no cinema contemporâneo
Professor: Francis Vogner dos Reis
Dia: 01 de agosto

A grande matriz dramática na ficção audiovisual contemporânea é o colapso da família e a reestruturação de sua dinâmica de relações. Não se trata de ver na fragmentação dos laços familiares uma ameaça à saúde psicológica, emocional e social, nem de celebrar sua preservação ou restauro como modelos cujos referenciais moveram-se de lugar. A nova família não é exclusivamente herdada, mas uma família também eleita por afinidades, ou por afetos, que se constrói mesmo quando há filiações genéticas. Uma família que se deseja, não uma a contragosto. Daí essa reconfiguração familiar não passar somente pelas adoções e pelas amizades, mas também pela ausência convertida em aprendizado de presença, em geral com pais e mães de filhos ignorados ou distantes descobrindo-se como tal, como seres responsáveis por outras vidas, mas sem manter com elas uma hierarquia do modelo anterior. Nesse universo dramático, percebe-se um deslocamento da estigmatizada figura paterna que, embora ainda seja tratada como célula podre pelo autoritarismo ou pela irresponsabilidade (no cinema brasileiro e mundial, inclusive em filmes “ilustres”), também começa a mudar de atitude. A aula abordará exemplos tanto do pai nocivo, produtor do sofrimento, quanto da família solidária, que transcende a conexão por origem

Filmes relacionados
Madame Satã, de Karim Ainouz
Ken Park, de Larry Clark
Clean, de Olivier Assayas,
Reis e Rainha, de Arnaud Desplechin
A Vida Marinha de Steve Zissou, de Wes Anderson
Volver, de Pedro Almodóvar
Cão sem Dono, de Beto Brant
Baixio das Bestas, de Cláudio Assis
Não por Acaso, de Philippe Barcinski
Flores Partidas, de Jim Jarmusch
A Criança, de Jean-Pierre Dardenne

Francis Vogner dos Reis é crítico de cinema, redator da Cinética, editor da extinta revista eletrônica Cine Imperfeito e professor de oficinas de roteiro, direção e linguagem cinematográfica. Em sua monografia de graduação em comunicação social na Universidade Metodista, analisou os diferentes tipos de abordagem na crítica contemporânea.


editoria@revistacinetica.com.br


« Volta