in loco - cobertura dos festivais
Claun - Parte 1: Os Dias Aventurosos
de Ayana,
de Felipe Bragança
(Brasil, 2012)
por Raul Arthuso

Sobre
a juventude
Primeiro, uma ressalva: é preciso discutir
se o filme, visto em Tiradentes, como primeira parte de um projeto
transmídia deve ser realmente tomado como um filme ou apenas
como uma evidência do que realmente é Claun.
Pois fica muito claro que esta primeira parte é uma espécie
de prólogo de algo muito maior, que poderia ter dez ou
quinze partes além do filme exibido em sala. Claun
– Parte 1: Os Dias Aventurosos de Ayana apenas acontece
na tela, deixando diversas pontas soltas e um enorme gancho para
outros eventos. O exercício crítico, então,
passa a ser mais complicado, pois falta a inteireza da obra, sensível
principalmente por se tratar de um trabalho de dramaturgia audiovisual,
cujos sentidos ficam mais claros ao se olhar o decurso a partir
do todo. Claun deixa clara a necessidade de mais para
ser apreciado em sua totalidade.
Dito isso, é possível fazer alguns apontamentos.
Essa primeira parte está em total consonância com
aquela que é talvez a maior preocupação da
pesquisa cinematográfica de Felipe Bragança até
aqui: o olhar para a adolescência e seu imaginário.
Não apenas em A Alegria – em parceria com
Marina Meliande – ou em Desassossego – filme
coletivo capitaneado por Bragança e Meliande, cujo curta
dirigido por ele tem algo em comum com esse novo trabalho –
mas já em seu trabalho crítico logo no início
da Cinética, Bragança demonstrava certa preocupação
com o retrato do universo adolescente, principalmente como alternativa
ao modo Malhação de mostrar a juventude.
Em seu artigo Imagem-jovem
e identidade audiovisual, ele afirmava: “A fabulação
moral em Malhação tem a função
educativa de uma cartilha de saúde do corpo e do espírito,
onde os ícones de estilo (figurino, gírias) servem
apenas como atualizações junto ao ‘público’
(uma mesma massa constituída pela ‘juventude’)
de um comportamento folhetinesco naturalizado pela TV. A opção
majoritária da novelinha pela comédia-dramática
caracteriza essa intenção de um objeto de entretenimento
e metalinguagem identitária: não se tratam de personagens
e tramas ali, mas de gestos que representam atos comuns, tipos,
e de narrativas que se valem por tocar em interesses pedagogicamente
intercalados. A textura jovem da trilha sonora pop-rock, o linguajar
aberto a gírias e a faixa etária dos atores constituem
não uma diferenciação de linguagem ou dramaturgia,
mas uma substituição esquemática em que a
gramática da telenovela ‘adulta’ se faz presente
em chave rebaixada”.
Este trecho ilumina o quanto há em Claun um desejo
de superar a mera implantação de texturas numa dramaturgia
pré-fabricada, contrariar o estados das coisas, a visão
corrente da juventude dada pela televisão, evitando de
todas as formas um código pedagógico, mas ainda
assim fazendo algo popular e atraente a este mesmo público,
preso no espelho-arapuca da televisão. Contra a prosa moralizante
do folhetim, Claun se propõe poesia, com todo
o interesse de uma visão mais aberta que isso pode trazer,
mas também os equívocos típicos de mirar
o popular com olhos da classe média. Por vezes, Claun
é mais kitsch que poético, o que depõe
contra.
Trata-se de uma história de super-heróis, com briga
de gangues rivais, poderes mágicos e batalhas grandiosas.
Como em A Alegria, Claun se faz da mistura de
uma série de signos reelaborados numa chave poética,
e coloca num caldeirão o adolescente de periferia, a dinâmica
dos quadrinhos, o imaginário em torno do super-herói
de desenho animado, certo misticismo fantástico, códigos
de religiões pagãs populares, o multicolorido das
animações da Disney clássicas sob o filtro
de Hayao Miyazaki. Enquanto A Alegria, por um lado, encontrava
seu tom por intermédio de uma série de referências
do cinema de autor contemporâneo, o que lhe dava um certo
espectro de “filme fora do lugar”, Claun
é mais fluido, mais contingencial, de certa maneira mais
aventureiro e prazeroso, pois sua salada mista de referências
se encaixa com alguma força num fetiche já incipiente
nos outros filmes de Bragança. Não que o filme se
concretize inteiramente, mas o que era disfarçado de arte
em A Alegria, ganha força por si só: Claun
é puro fetiche. E isso traz certa leveza para o filme.
Há, porém, uma carnavalização do universo
juvenil, forma de fazer o caldo de referências mais acessível,
ainda que por vezes caia no kitsch. Por um lado, Bragança
liberta as personagens e seu entorno da necessidade de se afirmar
como poesia e livra-se do estatuto de "arte maior",
o que parece apropriado para um projeto que demonstra um desejo
de comunicação com o grande público. Porém,
ainda a juventude arquitetada por Bragança vem carregada
da gravidade das responsabilidades. Ayana não é
apenas uma jovem em fase de maturação; ela é
a escolhida, suas decisões afetam todos ao redor. O erro
e a irresponsabilidade – marcas, por exemplo, do cinema
de John Hughes, talvez o grande diretor pop do cinema
adolescente – são estrangeiros ao universo adolescente
de Bragança. Se Claun evita a pedagogia moral
da juventude by Rede Globo, cuja marca evidente é
um ator mais velho infantilizando sua maturidade, Bragança
não consegue olhar para a juventude se não como
um adulto, em que o sentido de responsabilidade, o messianismo
e uma gravidade comportamental se fazem necessários –
armadilha na qual Laís Bodanzky já caíra
em As Melhores Coisas do Mundo. À juventude de
Claun, como de boa parte do audiovisual brasileiro, não
é permitida a bobagem, a traquinagem, a desmedida. É
proibido querer parar o tempo.
Janeiro de 2013
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