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Balconista 2 (Clerks II), de Kevin Smith (EUA, 2006) por
Eduardo Valente
Elogio da simplicidade Kevin Smith
surgiu para o mundo com O Balconista (Clerks), em 1994: tratava-se
de um simples e baratíssimo filme em preto e branco, que aproveitou-se de um momento
especialmente aberto do mercado mundial para novos valores da cena indie
americana. Assim como esta última só faz degringolar nos últimos dez anos, cada
vez mais se tornando uma das mais rígidas e repetitivas fórmulas de produção e
“auto-promoção” do cinema mundial, o cinema de Smith nunca mais foi tão engraçado
e no ponto certo como naquele primeiro filme. Por isso tudo, confessamos que foi
com bastante receio que entramos no cinema para ver essa continuação do primeiro
filme de Smith – acima de tudo, com medo dele ser pouco mais que um caça-níqueis
ou uma forma de recuperar a atenção de um mercado onde ele já não é um nome dos
mais “quentes” (Smith esteve um bom tempo ligado, por exemplo, ao projeto do filme
de Superman, que acabou realizado por Bryan Singer). Mas o fato é que, como muitas
vezes acontece quando as expectativas não são altas, Kevin Smith surpreende positivamente
com este Clerks II. Logo no começo, ao fincar as raízes
que ligam este filme ao anterior, Smith deixa claro que trata-se de um filme de
“rito de passagem”. Só que, ao invés do clássico rito da infância para o mundo
da adolescência/juventude, trata-se aqui de um rito extremamente contemporâneo
e nem tão explorado: o da passagem dos vinte para os trinta anos. Todo o filme
de Smith lida basicamente com as questões desta fase onde se espera que, afinal,
“as pessoas mostrem a que vieram ao mundo” – e é este o dilema que enfrenta Dante
Hicks, protagonista do filme: afinal, ele vai ser apenas “mais um” ou vai “ser
alguém”? Para colocar este tema em jogo, Smith escolhe um
formato misto, de equilíbrio bastante delicado, entre a comédia de situações,
com personagens e trama desenvolvidos e delineados; e a comédia maluca, de piadas
à beira do surreal, no domínio do mau gosto. Tarefa difícil, mas que Smith consegue
realizar com sucesso, principalmente porque cada uma destas partes está ancorada
na presença de um ator/atriz de inegável força: na parte mais “romântica”, trata-se
da adição de Rosario Dawson ao casting do primeiro filme – e todos sabemos
como é fácil acreditar no interesse por uma personagem interpretada por ela (lembrar
de A Última Noite, de Spike Lee); já na parte da comédia maluca, temos
de volta o mesmo Jeff Anderson do filme anterior, interpretando o sidekick
de Dante, Randal Graves – um belíssimo personagem, que encontra em Anderson o
melhor ator possível. Os dois são tão bons que a gente até consegue esquecer quão
fraco é o protagonista Brian O’Halloran, que inegavelmente tem o physique
do personagem comum que interpreta, mas tem também um carisma zero. A
partir destes dois atores destacados, o resto do filme flui com facilidade, entre
belas cenas da parte romântica (a dança no telhado, em especial) e momentos de
humor selvagem com Anderson (a troca de insultos racistas é especialmente brilhante),
até o excepcional clímax onde os dois tons do filme se misturam (o “eu
te amo” na apresentação do jegue sodomizado é um clássico automático). Adicione-se
outros personagens agradáveis (como o jovem Elias ou a futura mulher de Dante),
e claro que temos de volta Jay e Silent Bob, de onde nunca deveriam ter saído
(ou seja: do papel de coadjuvantes, já que O Império do Besteirol Contra-Ataca
foi um filme absolutamente constrangedor). O resultado é um doce elogio
da amizade e do loser, que soa especialmente bem-vindo neste mundo cada
vez mais “do resultado”. E parece que o mesmo vale para Kevin Smith: ele é bem
melhor quando faz “apenas mais um filme” do que quando se dedica a “ser alguém”.
Tomara que ele siga o caminho certo. editoria@revistacinetica.com.br
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