cartas dos leitores
Aranhas Tropicais: Contra-crítica a Leonardo Mecchi, resposta e debate na redação

Caros colegas da Cinética.

Como percebo este site como um espaço aberto de debate entre crítica, cinefilia e realizadores, sinto-me disposto a responder aos comentários sobre meu filme diretamente ao Leonardo Mecchi, que o criticou dentro do seu texto sobre o Festival de Santa Maria da Feira. Afinal, apesar da intimidade promovida pelo festival português, não tivemos, caro Leonardo, oportunidade de conversarmos sobre as Aranhas Tropicais. Este texto talvez seja o início de uma conversa que não tivemos por lá.

Desculpe dizer da maneira como vou dizer agora, mas você realmente não entendeu nada do filme. Não por falta de inteligência, mas por uma certa displicência mesmo. O filme dialoga com Sganzerla sim, mas muito menos do que a princípio possa parecer. Citar o bordão do Bandido e falar de avacalho e esculhambação de maneira automática, quando se ouve falar de Sganzerla, é quase como chamar alguém, por um motivo qualquer, de “fascista” – na realidade diz muito pouca coisa: são palavras já cristalizadas que usamos quando temos alguma preguiça de realizar um esforço interpretativo maior.

O fundamental da obra do Rogério para mim é que em seus filmes a cultura popular (entendendo-a aqui do modo mais amplo possível, abrangendo o que é laudado pela intelligentsia ou não) aparece com uma força cômica que desmantela todas as hierarquias de gosto que o pensamento erudito elitizado tem o hábito de construir, na inteção de ditar aquilo que deve ou não ser levado “a sério” em material de arte e cultura. Esse “a sério” não exclui a interpretação simplória, e por vezes preconceituosa, sobre o humor.

Há um livro chamado “Cultura Popular na Idade Média e no Renascimento”, do Bakhtin, cuja orelha é ótima, mas recomendo ler inteiro mesmo: lá há algumas considerações bastante interessantes para se pensar o humor dos filmes de Edgard Navarro, que é do caralho mas não é absolutamente a única forma de se fazer humor: nela, o corpo se rebela violentamente, com toda a sua organicidade animal, contra tudo aquilo que o reprime; diferentemente do século XX, com o Carlitos de Chaplin, por exemplo, cujo corpo sofre ao tentar se adaptar à mecanização do mundo; e que é ainda bem diferente do M. Hulot de Jacques Tati, que diante da dificuldade em frente ao mundo mecanizado pouco se esforça, de fato não se importando muito e até sentindo um prazer escondido e rebelde quando tudo vai pelos ares. A luta do corpo contra a violência, seja ela rudimentar ou mecanizada, repetitiva ou não, é um dos fundamentos do humor.

Sobre isso recomendo outro livro, cuja orelha também é boa, mas o conteúdo é ainda melhor: “O Riso”, do Bergson. Sobre esse humor moderno, a meu ver, ele não é mais possível – ele está defasado diante das atuais transformações tecnológicas. Ainda está a ser descoberta a forma humorística que pode dar conta melhor do mundo digitalizado, marcado pela cópia, diferindo enormemente da idéia de repetição apresentada a nós ao longo do século 20. Nessa “nova sociedade”, o corpo não se debate pois não sabe que é cópia; ou prefere não saber e viver feliz dentro da virtualidade; como um corpo que entra em órbita e tem assim cada vez menos, contato com a vivência do mundo físico. O corpo vira virtualidade, e o humor do século XXI, que vai dar conta disto, os cineastas vão descobrir certamente antes dos críticos.

Há muita razão na afirmação sobre minha crítica desiludida do mundo – é assim que me sinto diante dele – nasci com ele dado, não me sinto à vontade na forma como ele se organiza e tampouco acredito que deva resolver seus problemas. Decididamente não me sinto obrigado a isso e delego desde já esta cruz a quem achar que vale a pena carregá-la. Não vejo saída e ponto. As revoluções não se encontram mais disponíveis nas prateleiras, e é por isso que meus personagens não se rebelam como nos filmes de Edgard Navarro. Com Aranhas exercito o riso, e o que se chama automaticamente de “esculhambação” é justamente a auto-crueldade do filme para o próprio filme no exercício do ridículo. A forma é isto e o humor está aí, voltando-se não contra si mesmo mas contra a própria forma. É aí que assumo a influência de Sganzerla. E nisto há rigor e há trabalho, na fotografia e na direção de arte sobretudo – por que sem elas do jeito que estão o sentido da mise-en-scène não seria alcançado por nenhuma montagem.

Ademais, minha desilusão também recai sobre aquilo que por vezes chamamos de “nossa tradicão do cinema moderno”, a idéia da herança. Dentro do processo cultural brasileiro é notável o discurso da herança – temos que ser herdeiros de algo já consagrado pelo tempo para seguir adiante. Esta é a base do natimorto “neocinemanovismo” (que só existe oficiosamente, silencioso entre nós), além da velha conhecida tutela elitista sobre o popular que o humor sabe destruir tão bem. E é por isso que essa referência que você cita, de Sganzerla e Ivan Cardoso, entram em diálogo com o mundo pasteurizado e clean da publicidade nas Aranhas Tropicais. Essa dívida com os anos 60 e 70 tem de acabar de uma vez por todas, ou nunca seguiremos adiante – e é por conta disto que hoje, nos projetos que faço, passo a me referenciar nos autores solapados pelos processos de hegemonia de grupo, sobretudo os escritores paulistas que foram postos à margem pela patota de 22, e outros bichos que não é o caso de ficar explicando aqui.

Por fim, sobre “deter um saber exclusivo”, desculpe mais uma vez, mas isto diz mais sobre você do que sobre o filme – não há como abandonar a “esculhambação geral” – primeiro porquê não há, e segundo porque o que são as Aranhas senão um desfile, ao longo de TODO O FILME, daqueles personagens absolutamente banais e integrados ao cotidiano das grandes cidades? Não há novidade nisso – o que há de diferente é o embaralhamento entre ciência e cultura de massa promovido pela geneticista na captura destas figuras ordinárias e conhecidas de todos e na concepção que ela elabora de um mundo melhor. Mesmo assim, nada mais simples e trivial.

Desculpe se por ventura esta carta parecer agressiva em alguns momentos – não é esta a intenção final. Leonardo, você demonstra perspicácia e inteligência quando transpira ao pensar e escrever. Mas, assim como a crítica dispõe-se em exigir algo de melhor dos filmes e dos cineastas, vejo-me também no direito (e no dever) de exigir algo melhor da crítica.

Abraço sincero e cordial,
André Francioli

* * *

Caro Francioli,

Antes de mais nada, gostaria de agradecer a oportunidade dessa troca de idéias, de um debate que tenha em sua gênese e centro o cinema, e não eventuais insinuações ou ataques pessoais, pois é a isso mesmo que a Cinética se pretende. Como afirmamos em nosso primeiro editorial, a revista busca justamente essa “criação de poros, de um espaço de troca constante entre o esforço crítico e o esforço de realização de imagens” e é uma pena que ela não se dê mais freqüentemente, ocorrendo na maioria das vezes apenas quando uma das partes se sente vitimada.

Sua carta também se presta a um aprofundamento das questões que apenas levanto em meu texto (assumidamente curto e simples, quase uma exigência para que pudesse honrar o compromisso de escrever sobre todos os filmes presentes na seção competitiva do festival) e que, por isso mesmo, pode ter deixado margem a interpretações errôneas. Digo isso pois alguns pontos que destaco como fortalezas de seu filme (como o humor escrachado e o clima de esculhambação geral) você parece ter tomado como críticas à própria estrutura e construção do mesmo.

Sem entrar na discussão teórica sobre o humor como forma revolucionária e contestadora, me interessa aqui discutir como o humor se coloca em seu filme e como, conseqüentemente, seu filme se coloca como obra revolucionária e contestadora, pois me parece claro que há essa intenção – seja no próprio filme, seja em seu discurso sobre ele – e é nesse ponto que, a meu ver, se encontra o calcanhar de Aquiles de Aranhas Tropicais.

Isso porque, ao se posicionar como obra contestadora, a crítica de Aranhas me parece vazia, pois generalista e não-propositiva. Diferentemente de sua mensagem, onde estão bem definidas as áreas de atuação (o corpo como espaço para o exercício crítico do humor) e de confronto (uma determinada “tradição do cinema moderno” e sua conseqüente idéia de herança, a filiação a uma certa linhagem de autores malditos, a banalidade do ser urbano e contemporâneo), no filme essa crítica se dissolve no que há de programático em sua construção.

Ao trabalhar com personagens-clichês submetidos passivamente a uma colonização soberba e prepotente, negando-lhes a possibilidade de autodeterminação (ou mesmo isentando-os das responsabilidades do livre arbítrio), o filme perde sua força por se aproximar do panfletário e, conseqüentemente, acaba por se apresentar mais como sintoma do que como diagnóstico da realidade em que se insere.

Não nego o rigor e o trabalho que existem na mise-en-scène de seu filme mas, como pensei ter exposto em meu texto original e espero ter esclarecido neste, minhas restrições se dão em relação à crítica a que o filme se propõe e ao posicionamento deste diante de seu objeto. Em uma obra que busca esse diálogo mais direto e intervencionista com seu entorno, esses dois campos – da ética e da estética – precisam andar lado a lado.

Ademais, perfeita sua colocação final, de que assim como a crítica se dispõe a exigir algo melhor dos cineastas, também estes podem e devem exigir algo melhor da crítica. Se essa via de mão dupla fosse exercitada mais freqüentemente, sem dúvida quem sairia fortalecido seria o próprio cinema brasileiro.

Abraços cordiais,
Leonardo Mecchi

* * *

A partir da carta de André Francioli, da resposta de Leonardo Mecchi e da oportunidade de ver o filme em conjunto no final do ano passado, alguns redatores de Cinética colocaram Aranhas Tropicais e a própria crítica em questão:

De Cléber Eduardo:

Eu respeito, mas discordo dos princípios norteadores do julgamento. Digo isso porque o critério valorativo do Leo passa por um programa de visão de cinema (e de mundo). Ele recusa a visão do Francioli, a maneira do Francioli olhar o mundo e expressar esse olhar, criando uma noção de "olhar certo" – e o olhar certo será sempre o "nosso" olhar (os dos que compartilham dele). Cria-se com isso uma irmandade estética, do tipo "está nela ou fora dela", "te aceito se concordas, te recuso caso se oponha", que pode até ser assumida, mas, com isso, tesoura o possível diálogo sobre pavimentos em comum (o cinema), porque o princípio, convenhamos, já está pronto fora do cinema. É uma questão de visão política determinando o que pode e o que não pode nas questões estéticas.

Todos usamos esse expediente em alguma medida, mas, se nos agarrarmos nesse expediente, estamos determinando o que deve ser o cinema  em vez de entendermos as visões, aceitá-las na diferença (em relação às nossas) e problematizá-las dentro da lógica estética. Se não, parece que o Francioli fez um puta filme com a visão errada. Sou a favor de se problematizar a visão, sempre, mas desde que esse não seja o princípio e o fim da argumentação, já que, se o cara não oferece soluções para problemas e tem um olhar de desencanto para o mundo, não podemos fazer uma lobotomia nele ou proibi-lo de fazer cinema por ser uma alma impotente.

Serão os desencantados não vocacionados para o cinema? Terão de se transmutar em utópícos? Levanto isso porque é muito caro à minha cabeça essa tensão desencanto/potência, que eu não considero tão dicotômica. Não me ligo nas distopias por acaso.  O conceito filosófico-político de Gramsci, "otimismo da vontade, pessimismo da razão" ("o realismo ou o pessimismo da inteligência não deve minar o "otimismo da vontade”), é muito sintético de uma visão por mim compartilhada, menos por crença, mais por demanda subjetiva apropriada à minha personalidade, fruto de um misto de filiação simbólica à esquerda (e a seus símbolos) com um botafoguismo acachapante, ou seja, desejo de ação com profecia do fracasso, e a profecia do fracasso estimulando o desejo da ação para impedir o fracasso.

Em suma, resultados são resutados, não as motivações (em geral as traem). E ai eu discordo mais especificamente da visão do Leo, porque, se realmente o discurso verbal e simbólico do filme revela uma impotência na transformação, a "forma cinema" esbanja energia e desejo de incomodar, com um projeto de afetar o espectador, de operar uma transformação ou um ruído em sua experiência com imagens, estabelecer choques e constrangimentos. E isso é potente. Por isso, acho que, na estética, o filme nega seu suposto comodismo político, porque esse comodismo esté operado com notável incômodo com o mundo, e o incômodo é muito mobilizador. É nesse encruzilhada que acho que ele menos imita Sganzerla e mais divide com Sganzerla uma maneira de expressar com energia uma visão vacinada contra esperanças relativas.

De Leonardo Mecchi:

Cléber,

Eu concordo que os princípios que balizam meu julgamento do filme do Francioli já existem antes e fora do filme (e quais princípios não são assim?), mas o que os desperta, o que impulsiona minha reação baseada nesses princípios, surge de dentro do filme e, como coloquei em minha resposta, de sua proposição crítica e de seu posicionamento diante do objeto a que se propõe retratar/analisar. Não recuso a visão de mundo de Francioli (mesmo porque, como você bem sabe, eu mesmo tenho um tanto de desilusão em minha visão de mundo), mas a forma como ele a coloca e impõe, ao filme e ao espectador.

Porque da mesma forma que te incomoda o formalismo de um Wong Kar Wai ou as idiossincrasias de um Tsai Ming Liang, me incomoda e não me interessa um cinema que busca chocar o espectador-comum, tirá-lo de uma suposta inércia pois detentor de uma visão privilegiada dessa realidade. Pois, embora o Francioli o negue, se propor a um diagnóstico nos moldes de Aranhas Tropicais é necessariamente se colocar como alguém com um olhar privilegiado, diferenciado, superior mesmo (assim como há uma relação de superioridade entre médico-paciente ou professor-aluno).

Não nego que seja possível fazê-lo de uma forma interessante, realmente provocadora (e Sganzerla está aí – ou estava – para prová-lo), mas o que vejo em Aranhas Tropicais ou em um Bianchi (embora não queira aqui compará-los, pois em Bianchi tudo está morto – da crítica à forma – vitimado por esse pessimismo comodista, enquanto em Francioli a forma realmente ainda é pulsante) é um sintoma que quer se passar por diagnóstico. Por trás da aparente vitalidade estética de Aranhas, o filme me parece apenas uma tentativa (não tão bem sucedida) de atualização de uma forma já desgastada – e é curioso que em sua mensagem ele mesmo pede por um rompimento com essa fórmula dos anos 70 que continua ainda tão presente em autores “marginais” ou em discursos do movimento estudantil –, o elogio da marginalidade pela marginalidade, como um fim em si mesmo.

De Cléber Eduardo:

Acho válida a menção ao Tsai e ao Wong, mas acho duas coisas diferentes. Eu não critico ou recuso a visão de relações humanas dos dois. Critico a cada vez mais asfixiante e repetitiva forma estética com a qual essas relações tem sido filmadas. Deixando claro que, se de Wong nunca gostei de fato, eu admiro muito Tsai, ainda admiro muito, mas ele não me leva mais a avançar com ele nos últimos dois filmes. De qualquer forma, não são visões de fora, mas de dentro dos filmes. Quanto aos critérios, não acho que todos nasçam de fora, se não são critérios extra-estéticos sempre (podem até ser). Acho que critérios podem nascer com filmes, não apenas serem confirmados pelos filmes.

De Francis Vogner dos Reis:

Muitas coisas que o André disse a respeito do filme dele (como questões a se ver), acho interessante justamente porque ele tem a intenção de levantar questões, o que é ótimo, mas em alguns momentos ficam as questões, somente. As questões estampadas, mas que se encontram de maneira muito harmônica e encadeada – que é um problema no sentido em que naturalmente se busca um choque, uma colisão. Dá pra falar de Sganzerla, mas Sganzerla no Bandido busca olhar as coisas não buscando em princípio um valor, em dar aos signos o juízo de sintoma negativo ou positivo. Eles "são" e se relacionarão com o seu contexto de uma maneira que possa vir a surgir uma contradição. No filme da Francioli as coisas são programáticas, não parece que há algo de muito definitivo a se resolver no processo. Não é um filme de processo. Acho isso bom no filme dele, mas com clara vocação ao esgotamento, de não dar brechas pro filme respirar, ou mesmo se contradizer. Scorsese é assim, Desplechin também, Sganzerla não. O filme dele mora nesse limiar. Acho isso curioso, às vezes dá certo, ás vezes não.

De Lila Foster:

Francis,
Acho que o Sganzerla, principalmente nos últimos filmes, é programático sim, a começar pelo título: O signo do caos. É um estado de coisas que pretende se criticar ali, mas uma crítica mediada pela forma é claro. Não vejo tanta contradição em Sganzerla, o que eu vejo é uma pluralidade de formas de lidar com esta crítica, este embrulho no estômago, esta raiva e, no caso dele, existe a perspectiva do passado não no sentido de olhar o mundo de forma decadente mas de como é difícil olhar o mundo hoje em dia com tanto boçal burocrático, filme cretino, produtos e mais produtos e por aí vai. Mas, o olhar "inocente" (com todas as aspas que este termo tem direito, olhar limpo, não sei!?) vide Camila Pitanga na frente da bandeira do Brasil brincando, a criança perguntando pela imagem do mundo em cores ainda é possível.

Agora, realmente, o filme é programático e isso não é bom nem ruim. O que eu senti, talvez por ter lido o roteiro, é que a trama não está exposta muito claramente (como escreveu o Mecchi) e fica parecendo uma coleção de tipos. Mas, é exatamente isso que ele assume quando coloca todas aquelas figuras dentro de vitrines e com aquela música, esse engessamento do corpo/vestuário pelo trabalho que no filme tem os seus momentos de ridículo mas tem uma crueldade também (me lembro da cena da mulher que distribui panfletos, super desconfortável, vestida de estátua da liberdade) exposta via humor, mas não é tão chapado.

Agora, o que realmente me admira no filme, além do humor que eu não acho que é coisa fácil, é a mão do diretor que está ali nos enquadramentos, a atenção que tem que ser dada à direção de arte, e o pós-tratamento que deu uma cara publicidade/ficção científica sem ser isso realmente, quase uma textura nova.

De Lucas Keese:

Fiquei bem impressionado pelo Aranhas Tropicais (vi somente naquele dia na casa do Cléber). Já gostava dos outros filmes do André Francioli, principalmente o Veja e Ouça. Há no cinema dele uma inventividade que me parece tão rara na produção recente de curtas e que dá mais força às críticas ali armadas. Se a narrativa não é o eixo central de significações, não acho que os sentidos produzidos através de relações mais incomuns da montagem, do som e da arte fique devendo algo, pelo contrário. Alguns momentos do filme são daqueles que pilham a "fazer cinema".

Mas queria discutir um outro ponto. Em uma das interpretações possíveis, achei que a crítica exposta pelo filme pressupõe relações de poder em que os indivíduos presos dentro das vitrines estão fadados a  meros objetos. A indústria cultural projetada como verdadeira fábrica genética de tipos sociais é a força soberana que subjulga unilateralmente os colonizados. E a metáfora genética – dentro dessa interpretação – não poderia ser mais forte. Nada é ao mesmo tempo tão próximo e tão alheio a nós quanto nossos genes. O controle industrial disso é a redução máxima da cultura a objeto mercadológico, pois agora são seus próprios produtores que são patenteados. Entretanto, vejo alguns prejuízos nessa visão. Estando condenadas a objetos, as "aranhas tropicais" são perdoadas da responsabilidade de uma possível "adesão voluntária " a essa lógica, nem que essa fosse uma atitude não-consciente, pois ainda seria a ação de um sujeito. Ou pior, como objetos absolutos, lhe são negadas as possibilidades de romper ou subverter essa lógica da qual fazem parte.

Ou seja, vale a pena questionar se a crítica vinculada com esses pressupostos não fica um tanto debilitada, mas acho que como construção cinematográfica, poucas formas alcançam tamanha força – e nesse sentido, vida para além da tela – como esse filme faz com as questões que aborda.



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