Control (idem), de Anton Corbijn (Inglaterra, 2007)
por Francis Vogner dos Reis

(Poor) Atmosphere

O diretor Anton Corbijn fez carreira como diretor de videoclipes e documentários de bandas, entre elas Depeche Mode e U2 e o próprio Joy Division. Ou seja, ele é responsável por imagens que em si mesmas ajudaram a criar toda uma mitologização desse universo – portanto, é conveniente que Corbijn se debruce em Control sobre o imaginário de uma banda que desfrutou de uma carreira tão curta, mas que teve, entre outras coisas, nas poucas imagens que foram produzidas dela, o bastante para criar uma aura poderosa, em especial do vocalista Ian Curtis. Tanto que vários planos no filme são reproduções das imagens que compõem o mito de Ian Curtis: seus trejeitos desengonçados nas apresentações do Joy Division, sua performance ensimesmada, suas composições solitárias e até mesmo um ensaio de “Love Will Tear Us Apart” que reproduz a situação e o espaço em que foi filmado o videoclipe da banda, o único feito com Ian Curtis em vida.

Dessa maneira, o que não podíamos dizer de I’m Not There, de Todd Haynes e de Last Days, de Gus Van Sant pode-se dizer comodamente de Control: é uma cinebiografia. Longe de querer fazer um juízo desse fato é preciso dizer que se esse tipo de filme é sujeito a uma série de armadilhas em que Corbijn cai sem nenhuma cerimônia. Uma delas é o coração dos problemas de Control: o ponto de partida justo, mas espinhoso, que é a indagação “quem foi Ian Curtis?”. Uma pergunta simples, é verdade, mas que ao invés de ter uma resposta à altura, corre o perigo de enveredar pela seara do reducionismo psicológico – o que não aconteceu, pois esse parecia ser o maior medo do diretor – ou, como é o caso, do seguro e asséptico “distanciamento”, na construção de uma atmosfera.

Em princípio nada de errado em querer contar a história de Ian Curtis como uma trajetória que se faça naturalmente de começo, meio e fim. Além disso, também não há porque comparar Control aos filmes de Haynes e de Van Sant, uma vez que os projetos não tem similaridades mais profundas. Se semelhança há, é porque todos esses filmes partem da figura do rockstar como uma imagem-base de onde flui uma série de significados. Mas enquanto Last Days e I’m Not There (e Velvet Goldmine, de Haynes também) abolem o vínculo histórico direto com o personagem (inclusive os nomes originais), Control mergulha de cabeça no ideário de Ian Curtis e do Joy Division.

Só que existe ai uma confusão. Ao mesmo tempo que o filme, baseado no livro da esposa de Curtis, Deborah Curtis, é abertamente biográfico, ele parece ter pudores em assumir o fato. Abrindo mão das estratégias usuais das cinebiografias, que consistiriam na busca de uma psicologia mais sólida do personagem central e de uma construção mais efetiva e pontual de seus conflitos, Corbijn opta por uma abordagem “solta”. Assim, o ponto de partida não parece ser a busca por construir um projeto ficcional que responda à altura os seus desafios, mas uma tentativa de abordar seus assuntos a partir da filiação a certas tendências correntes no cinema, na relativa liberdade do personagem, na troca da compreensão pelo simples olhar.

No entanto, existe uma dissonância entre o olhar detido na experiência do personagem (que em princípio, seria um "rapaz qualquer") e a sua mitologização. Essa busca pelo comum, pelo prosaico que supõe esse tal “distanciamento”, parece mais um método de construção narrativa que não implica necessariamente em um olhar. Mesmo que não haja no drama uma psicologização nos moldes que a tradição consolidou, tudo está lá, tudo o que foi dito e que se supôs (digo, a imprensa, a versão que a própria História consolidou) sobre a psicologia de Ian Curtis está delineado. O personagem não respira além do mito Ian Curtis, mito este que se diga, que é composto também por toda essa dimensão cotidiana do rapaz de cidadezinha industrial, trabalhador do serviço público, com inclinações conservadoras, etc.

Quando o diretor se propõe a olhar Curtis em momentos que emulam a imagem que se cristalizou dele (em fotos, videoclipe, imagens de shows), Control parece se arejar. Anton Corbjn, como fotógrafo de rock e diretor de videoclipes, está mais à vontade nesse registro que contempla imagens que remetem a um imaginário que ele mesmo ajudou a construir. Desta forma, o filme nos lembra o Cazuza de Sandra Werneck e Walter Carvalho, já que tem um ponto de vista não assumido – no Cazuza a mãe, no Control, a esposa – e se debate entre o olhar para a forte figura do personagem enquanto ídolo auto-espetacular (o que rende seus bons momentos) e a contar sua “historinha”. Control, ao ficar com a historinha com uma atmosfera grave e repleta de belas imagens, infelizmente não passa de ilustração.

Maio de 2008

editoria@revistacinetica.com.br


« Volta