2em1
Tudo por dinheiro?
O Corte (Le Couperet), de Costa-Gavras
(França, 2005);
O Que Você Faria?(El Método), de Marcelo Piñeyro
(Espanha/Argentina,2005)
por Leonardo Mecchi
No espaço de poucos meses, estrearam em cinemas
brasileiros dois filmes que partem de uma premissa semelhante:
as mazelas do capitalismo globalizante e da competição selvagem
que esta incita entre os que fazem, e os que desejam fazer parte
do “mercado”. Apesar da temática comum, O Corte (de Costa-Gavras)
e O Que Você Faria? (de Marcelo Piñeyro, foto ao lado)
tomam rumos bastante diferentes em seu desenrolar, deixando claro
não apenas a visão distinta de cada diretor sobre esse assunto,
mas também a diferença na forma – estética e narrativa – com que
trabalham seus respectivos cinemas.
Em O Corte, temos Bruno Davert, um alto
executivo da indústria papeleira, demitido da empresa onde trabalhou
durante anos e que, sem sucesso na busca por um novo emprego,
parte para uma solução extrema: eliminar (literalmente) seus concorrentes.
Já O Que Você Faria? gira em torno de uma dinâmica de grupo
onde sete candidatos, trancafiados em uma sala e observados como
ratos de laboratórios, disputam entre si uma única vaga. Em ambas
as situações, estamos sob a lei da selva: é preciso eliminar os
concorrentes até que só reste o mais forte, numa espécie de darwinismo
empresarial.
Já de partida, os dois filmes apresentam uma sutil,
porém fundamental diferença. Se em O Corte as atitudes
de Davert podem, de certo modo, ser justificadas por seu longo
período de desemprego (e todas as conseqüências psicológicas que
isso traria em um pai de família numa sociedade que avalia seus
membros pelo poder de consumo), o mesmo não pode ser dito dos
candidatos do filme de Piñeyro, uma vez que todos estão empregados
e, se buscam uma nova vaga, isso se deve mais a um desejo de status
e ascensão social do que por necessidade financeira. Se em O
Corte há uma explicação socializante para as ações de seu
protagonista (e, dessa forma, elas não passam de um sintoma da
sociedade em que vivemos), em O Que Você Faria? os personagens
podem até estar sob pressão e influência de um sistema manipulador,
mas suas atitudes fazem parte inerente de suas personalidades,
sendo apenas trazidas à tona com mais virulência pela situação
vivida. Dessa forma, o indivíduo é visto por Costa-Gavras como
vítima impotente da sociedade, enquanto para Piñeyro ele é inteiramente
responsável por suas ações e agente de seu destino – não há uma
instância superior a quem culpar já que, como deixa claro a secretária
da empresa, ninguém é obrigado a seguir aquelas regras, bastando
retirar-se do processo. Se permanecem lá, é porque não apenas
concordam, como querem fazer parte daquele sistema.
Habitué do cinema de verve político/social,
Costa-Gavras opta em O Corte, pela primeira vez em sua
carreira, por um registro cômico, com resultados (de ordem prática
e narrativa) bastante questionáveis. Ao realçar o patético de
seu personagem, e inserí-lo numa comédia do absurdo, o diretor
acaba por impossibilitar a identificação do espectador com seu
protagonista, perdendo com isso grande parte do impacto de sua
narrativa. Em O Corte, não estamos diante de “alguém como
nós”, mas de um personagem excêntrico e atrapalhado ao qual acompanhamos,
na melhor das hipóteses, com alguma curiosidade. Já em O Que
Você Faria?, se há um quê de comédia em alguns momentos do
filme, isso se deve mais pelo absurdo da situação do que por uma
situação absurda, pois embora um pouco excessivo, o retrato das
práticas corporativas no filme de Piñeyro é bastante fidedigno
à filosofia aplicada por muitas corporações.
Graças a um bom roteiro e à interpretação precisa
de seus atores, Piñeyro consegue tornar seus personagens bastante
convincentes, levando, aqui sim, o espectador a se questionar,
como indica o título brasileiro, como reagiria se submetido às
mesmas situações apresentadas pelo filme. Ao não forçar a empatia
do espectador com um dos candidatos em particular, o diretor permite
não apenas que acompanhemos com igual interesse o destino de cada
um deles, como contribui para o clima de suspense que segura grande
parte do filme.
Há
também entre os dois filmes uma grande diferença no tratamento
da imagem, tanto em termos de mise-en-scène (com o diretor
argentino levando larga vantagem com sua fotografia e enquadramentos
simples, porém precisos) como, principalmente, no estudo de sua
função interna à lógica dramática da situação exposta. Se em O
Corte o indivíduo é destino e receptáculo de imagens incessantemente
produzidas, seja pela TV (com seu noticiário contextualizador)
ou pela publicidade (com suas propagandas reforçando constantemente
a relação indissociável cidadão/consumidor), em O Que Você
Faria? ele é origem e fonte dessas imagens. Cercado por câmeras
escondidas como em um Big Brother (ou, para uma maior fidelidade
temática, O Aprendiz), os personagens de Piñeyro
são observados e testados a todo momento (como nos demonstra o
diretor em um belíssimo traveling lateral que acompanha
o movimento de um dos personagens através dos monitores de vigilância).
Ao mesmo tempo em que induz o indivíduo a agir conforme o que
acredita que se espera dele (por estar sendo observado), essa
vigilância ininterrupta impossibilita que essa “atuação para as
câmeras” esconda sua verdadeira personalidade (por não deixar
nunca de ser observado).
Se Costa-Gavras tenta, a todo momento, gritar
sua mensagem panfletária (tal qual os manifestantes invisíveis
de Piñeyro), o diretor argentino prefere focar em seus personagens
e deixar que suas ações falem por si só. Com isso, O Que Você
Faria? acaba sendo muito mais bem sucedido, como deixa clara
sua imagem final: com uma única cena e sem nenhum discurso, Piñeyro
consegue dizer tudo que Costa-Gavras tentou, sem sucesso, expor
em seu filme.
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