in loco - cobertura dos festivais
CSNY: Déjà Vu (idem), de Bernard Shakey (EUA, 2008) por
Fábio Andrade Espetáculo
do panfleto
CSNY: Déjà Vu
é um documentário dirigido pelo músico Neil Young (assinando,
aqui, com o pseudônimo Bernard Shakey) sobre a turnê de reunião de sua mais clássica
banda: Crosby, Stills, Nash & Young. Se essa micro-sinopse pode sugerir um
possível registro assumido em primeira pessoa, a adoção do pseudônimo é mais reveladora:
estamos mais próximos, aqui, do desejo por imagens autônomas do telejornalismo,
em que as idéias de autoria e manipulação (pura e sempre presente, sem juízo de
valor à palavra) são trocadas pelo desejo de parecerem blindadas a qualquer relativização.
Logo nos primeiros planos, com os soldados em contraluz, já fica claro que o objetivo
de Neil Young com o filme não é exatamente registrar o retorno da banda, mas sim
repisar os principais motivos que provocaram a reunião: protestar contra a guerra
do Iraque e o governo Bush. A
reunião da banda passa, portanto, de foco do filme a sintoma. As canções apresentadas
na íntegra estão ali para (cor)responder ao discurso do filme, com menor interesse
na música ou na presença dos músicos do que no impacto junto ao público. É por
isso que CSNY: Déjà Vu se torna mais interessante à medida que a turnê
entra por território conservador. Se a agenda política dos concertos esbarra sempre
no maniqueísmo entre vermelhos e azuis (republicanos e democratas), é o registro
do confronto entre as duas metades do país que rende as situações de maior tensão
dramática. Notáveis
são, nesse sentido, as cenas do show em Atlanta – estado tradicionalmente conservador
que se choca com a canção “Let’s Impeach the President” – e, principalmente, a
entrevista com a mãe do soldado morto cujo rosto é lembrado, entre tantos, no
telão que faz fundo ao palco do show. A cena é reveladora, pois desmonta a ingenuidade
aparente, até então, nos discursos dos entrevistados e do próprio filme. Embora
se diga emocionada com a homenagem, a lucidez maior da fala dessa personagem está
na consciência de que a imagem de seu filho se tornara, ali, também um ícone de
propaganda política. A percepção um tanto banal de que todo ato é político – e,
no caso do filme isso se dá em transparente divisão: para um lado, ou para o outro
– acaba por expandir a consciência do filme como uma ferramenta panfletária. É,
portanto, mais interessante olhar para as brechas do que para o próprio discurso.
Interessam, sobretudo, a organização política dentro da própria turnê (a fala
de David Crosby que caracteriza o CSNY como uma “ditadura legal” liderada por
Neil Young), a vinculação à aparência do novo jornalismo independente norte-americano
(Stephen Colbert e Mike Cerre), e a idéia de que há, em tela, alguém tomado por
uma dupla-consciência da presença da câmera (não só como documentarista, mas também
como personagem). Se há muito de encenação em todo documentário, CSNY: Déjà
Vu leva, indiretamente, essa idéia a um nível curioso, pois se o controle
de o diretor cortar as encenações que não lhe interessam (muitas vezes, as que
mais interessam ao personagem) é intransferível, essa operação passa a acontecer
dentro do próprio plano – editando as palavras que ainda serão ditas. É
surpreendente, porém, que o pronto posicionamento de CSNY: Déjà Vu como
um planfeto liberte o espectador e o filme para o que ele tem de mais interessante:
se, por um lado, o discurso de Young nunca ultrapassa os limites do esperado,
o documentário passa – com o avanço da turnê – a refletir o impacto de uma obra
assumidamente política no mundo contemporâneo. O escopo da palavra, porém, é reduzido
(ou focado, a critério de quem olha) ao imediatismo das decisões palacianas. Mais
do que se interessar pela maneira como a pólis se organiza, Young encerra os olhos
sobre a práxis dos governantes: assim como à época do Vietnã, a postura de Neil
Young é, sobretudo, uma reação. A política não é pensada como condição diária,
mas sim como resposta pontual a questões específicas que afetam, pragmática e
especificamente, a vida das pessoas. Nesse sentido, CSNY:
Déjà Vu vive uma gritante ironia: embora registre o impacto político de uma
obra de arte, o filme, em si, nunca clama esse impacto para si. Com isso, temos
um filme que, ao cumprir uma agenda, se revela fraco e extremamente limitado.
Surpreendente é que essas mesmas fraquezas e limitações tragam à experiência de
assisti-lo um clandestino interesse. Setembro de 2008editoria@revistacinetica.com.br
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