Déjà Vu (Deja Vu), de
Tony Scott (EUA, 2006) por Paulo Santos Lima
A máquina revelando o desenho do seu criador Curioso
o título deste filme de Tony Scott, já que a ciência explica que a sensação de
“déjà vu” é causada ao vermos algo de relance e, pela velocidade, a imagem acabar
sendo registrada inconscientemente no cérebro. Daí, quando novamente passamos
os olhos pela mesma coisa, temos a falsa impressão de já conhecê-la, como se tivéssemos
já vivido a experiência. Numa frase, um flash de imagem criando falsas
impressões. Pois, o cinema deste diretor inglês sempre trabalhou
com planos igualmente curtos, de retenção quase impossível. Antes, é verdade,
um bocado mais longos – na média de 5 segundos. Agora, neste Déjà Vu, na
média de 3 segundos – sem esquecermos, aqui, as imagens de esvaziamento
de Domino – A Caçadora de Recompensas, com seus takes de 1 segundo,
no qual câmera e montagem em nada se atêm. A coincidência entre o tal fenômeno
e o cinema de Scott, portanto, está justamente na “matéria-prima” utilizada: a
imagem-relâmpago. Coincidência ultrapassada por algo que realmente importa neste
Déjà Vu: revelar os procedimentos deste cineasta, que vão além do frenesi
histérico da montagem e que fazem seus filmes coadunarem-se com a publicidade. Déjà
Vu é, assim, tanto uma obra metalingüística como reveladora das opções estilísticas
de seu autor – ainda que este não a tenha feito com tais intenções. Há um elemento
na trama que funciona como dispositivo revelador, o “Branca de Neve”, engenhoca
que bisbilhota via satélite espaços e seres, desnudando acontecimentos com um
atraso de quatro dias. No filme, o agente Doug Carlin (Denzel Washington) liga
um assassinato banal ao trágico atentado terrorista contra uma balsa em Nova Orleans
– que acontece sob tensão espetacular na primeira seqüência. Nas
investigações, os federais o ajudam a capturar evidências do terrorista “emprestando-lhe”
o Branca de Neve. Mais que um big brother cujo olho tem acesso irrestrito,
o invento é como um portal do tempo possibilitando que pequenos objetos e corpos
regressem à cena espionada. Até a migração temporal, Doug se comporta como diretor
e espectador: ele comanda a decupagem e vai construindo um sentido narrativo com
as imagens que são apresentadas na tela. Encanta-se pela vítima recém-morta que
surge reavivada por aquele “cinema”, Claire (Paula Patton). Irônico é que o Branca
de Neve traz imagens menos fatiadas, mas a montagem do filme, Déjà Vu,
honra o estilo de Tony Scott, pinguepongueando um frenético campo/contracampo
entre o Doug do presente e a bela mocinha da reprodução (uma situação que inspira
um romantismo acalorado e raro num cinema que trabalha mais com tipos, jamais
com figuras existenciais). No primeiro tempo da história,
temos um repertório de informações ou detalhes que será justificado sobrenaturalmente
mais tarde. Assim, os panos ensangüentados que estão na casa de Claire quatro
dias antes serão do sangue de Doug, quando o mesmo parte para o passado e encontra
sua nova paixão em carne-e-osso. Uma contradição que desmente o cientificismo
daquele monstrengo tecnológico chamado Branca de Neve; que cria a charada do jogo
de armar do enredo e que confirma também a lógica publicitária do cinema de Scott.
Na publicidade, orquestram-se imagens para se agregar um conceito a um produto.
Assim, por exemplo, uma propaganda na qual um Ford Ka é pilotado por um Schumacher
acompanhado por Natalie Portman no banco de passageiro sugere que com este reles
carro mil possamos correr pelas ruas e conquistar belíssimas mulheres. Ou seja,
para nós, o diminuto Kazinho torna-se um objeto preciosíssimo, potente, mágico.
Parte-se de um fundamento bem lógico (equiparação de elementos) para se construir
uma aura, que é sempre intuitiva, irracional, religiosa. Com
seus planos-relâmpago, câmera lenta, belo elenco, utilização ostensiva de filtros
fotográficos e cenografia estilizada com geometria de canhões de luzes, o cinema
de Tony Scott (não sobretudo, mas inclusive este Déjà Vu) constrói um universo
superficial que visa as sensações do espectador (superficial, mas não aquele da
superfície que costuma render uma ótima relação câmera-corpos, liberta de psicologismos).
Que fique claro, temos grandes manipuladores, como um Oliver Stone ou o Steven
Spielberg mais recente, ambos partindo de um pensamento cinematográfico para gerar
vulcões internos em seus espectadores. Mas no caso de Scott, sua manipulação não
é criada pela cena, e sim pelos flashs concatenados, como fotografias empetecadas.
Longe de criticá-la, mas o grande mandamento da publicidade é “deificar” coisas
meramente “terrenas”. Tony Scott, pouco afinado à “ciência”
do cinema, é um mago que torna sagrados os corpos vazios, essas imagens fantasmáticas
de tão fugazes que são na tela. Por vezes, graças ao roteiro, tem-se até filmes
minimamente interessantes, como este Déjà Vu. Mas, sua marca autoral, presente
em todos seus títulos, só se fez realmente potente naquela que é justamente a
mais horrenda experiência estética dos últimos anos, Domino – A Caçadora de
Recompensas. Um filme que merece um texto futuro nesta Cinética, mas que,
de antemão, é como uma evaporação da imagem. O que dizer, então, sobre um cineasta
cujo traço autoral está na negação à imagem? editoria@revistacinetica.com.br
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