Delírios
(Delirious), de Tom DiCillo (EUA, 2006) por Paulo
Santos Lima Um
filme de performance... do diretor
Pelo menos
um dos dois prêmios que Delírios ganhou no Festival de San Sebastian,
o de melhor direção, parece mais que justificado. Tom DiCillo, nas opções que
faz, no ritmo acelerado e nos cortes muito bem acabados entre uma seqüência e
outra, utilizando sons da anterior (há uma cena notável, na casa dos de um dos
personagens, em que o som de explosões bélicas num documentário na TV vai pontuando
um mal-estar até saírem de lá, ainda com um último estampido colando plano e outro),
demonstra uma boa condução estilística. E a direção de ator é soberba, com Steve
Buscemi na sua melhor atuação há tempos – o que é bastante precioso para uma comédia
que faz rir a partir das performances e não das gags visuais (ainda que
o apartamento do fotógrafo encarnado por Buscemi seja uma grande piada visual). O
filme, inclusive, começa muito bem em seus créditos iniciais mostrando o homeless
Toby (Michael Pitt) perambulando pelas ruas novaiorquinas, caçando comida no lixo,
filando cigarro de um bilontra, embrenhando-se no bosque do Central Park (homenagem
de DiCillo a Last Days?), tendo seus tênis roubados enquanto dorme no vagão
do metrô, etc (conteúdo cômico feito essencialmente pelo visual). Ele será acolhido,
a contragosto, pelo fotógrafo paparazzo Les Galantine (Buscemi), e será seu assistente.
O sonho do rapaz é ser ator, algo que será viabilizado quando conhece uma diretora
de elenco e também quando se apaixona (reciprocamente) por K’Harma, a cantora
do momento (construção genial, pois o filme a vê com extremo carinho, mas sem
tirar seu lado boçal, de lourinha burra, compositora de bosta e tal). Esse
viés lúcido, quase cáustico, é a melhor coisa do filme, ainda que a mola dramática
da história seja a velha fórmula do “vencer na vida + amor perfeito”. Isso sacrifica
bastante o tom alerta de Delírios, parecendo mais uma concessão
– uma vez que os passos que Toby vai galgando são menos espetaculares que cômicos,
e é notável como ele terá de se “prostituir” com a diretora do ignóbil reality
show que o lançou para os holofotes. Faltam mais camadas em tudo o que Delírios
nos fala, algo que o coloca aquém, por exemplo, dos dois longas de Judd Apatow,
outro ótimo diretor de comédia contemporâneo (que nem é, por assim dizer, de uma
genialidade ao nível da dos irmãos Farrelly). Mas
o caldo final da fita de DiCillo não é dos piores, jamais, uma vez que o tal sucesso
parece, certamente, algo meio bruxo, místico, fruto de um acaso infernal, ou,
pelo menos, sexual (no caso de Toby). Após os créditos finais, Les Galantine volta
à cena espetacularmente, fazendo-nos lembrar que o grande feito aqui, decerto,
é mesmo a performance do elenco. O que não necessariamente faz um grande cinema,
mas é prova de uma ótima direção de ator – no caso, assinada por um diretor de
bastante dignidade, Tom DiCillo. Outubro de 2007 editoria@revistacinetica.com.br
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