in loco - cobertura dos festivais

Derek (idem), de Isaac Julien (Inglaterra, 2008)
por Julio Bezerra

Uma homenagem

Logo de cara, não é difícil perceber: o objetivo de Derek, documentário de Isaac Julien (Young Soul Rebels, Frantz Fanon), amigo e colaborador de Derek Jarman, não é polemizar, nem explicar, argumentar ou julgar, mas sim evocar, inspirar. Trata-se de um pequeno vislumbre na vida e obra desse artista, uma espécie de mix poético de suas idéias, seus primeiros filmes, sua oração pessoal e direta para a câmera, a avaliação de seu próprio legado à beira de sua morte, e, principalmente, uma homenagem. Derek se desenrola como uma conversa informal recheada de alguns cacoetes do documentário performativo, um “wake up call” cheio de reverência. 

A principio, o filme parece estruturado em torno de uma carta intitulada “Letter to an Angel” que a atriz Tilda Swinton, musa de Jarman em 10 de seus filmes, escreveu para ele em 2002. A colaboração entre os dois não era apenas artística, mas também política. O texto nos fala dessa identificação, do desdém de ambos pela arte industrial, pela “mão morta do bom gosto”. Enquanto isso, Swinton caminha à deriva como uma sepultura por uma Londres moderna. Uma linha narrativa cheia de auto-importância e suposta poesia e resistência, embora renda alguns belos momentos. Aos poucos, percebe-se que o eixo é outro: em uma longa e informal entrevista, pouco antes de sua morte em 1994, Jarman nos fala não só sobre a sua vida, mas especialmente sobre seus filmes. E eles também estão presentes, dos trabalhos em Super8 aos longas.

O papel de Isaac Julien é então ordenar essas duas linhas narrativas, a carta de Swinton e os fragmentos da obra de Jarman em torno de um traçado autobiográfico e cronologicamente linear. O que vemos é um documentário baseado nas especificidades da experiência pessoal, na tradição da poesia, da literatura e da retórica. Somos convidados a experimentar o que é ocupar a posição social subjetiva de um artista gay na Inglaterra das últimas décadas. Julien estimula o pessoal e que fazer dele uma espécie de porta de entrada para o político. Se Derek alcança ou não esses objetivos são outros quinhentos. Talvez Julien e Swinton se esforcem demais pra serem diferentes, a todo momento. Talvez haja reverência em demasia, superficialidade por baixo da poesia. Mas a homenagem, justa e honesta, é também um cartão de visitas interessante para a obra de Jarman.

Setembro de 2008

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