in loco
Um diário de Gramado
por Marcus Mello

Dia 1

Se alguns colegas da Cinética podem cobrir Cannes, outros devem se contentar com Gramado, festival de cinema que acontece há 34 anos numa cafona cidadezinha da serra gaúcha, cuja arquitetura tenta reproduzir as linhas de um vilarejo encravado nos Alpes Suíços. Este ano, o festival começou sob chuvas e trovoadas. A duas semanas do início do evento, denúncias de irregularidades nas contas de edições anteriores provocaram a queda de seu presidente, Enoir Zorzanello, fato que causou a debandada de patrocinadores e deixou a população gramadense em polvorosa.

A escassez de dinheiro logo se fez sentir: ainda em Porto Alegre, convidados e membros da imprensa tiveram de esperar até 3 horas no aeroporto a chegada de um transporte que os levasse a Gramado, devido a uma sensível redução na frota de veículos disponibilizados pelo festival. Como Gramado fica a duas horas de Porto Alegre, o atraso foi inevitável. Até conseguir desenredar credenciamento e hospedagem e chegar ao Palácio dos Festivais, já era tarde, e o primeiro filme da competição, o mexicano Mezcal, já havia iniciado.

Como sou do tipo obsessivo e nunca vejo filme já começado, desisto e deixo para vê-lo na reprise, no outro dia pela manhã. O mesmo aconteceu com Serras da Desordem. Havia agendado uma entrevista ao vivo naquela noite, no intervalo da sessão. A entrevista acabou atrasando e, quando voltei ao cinema, o ansiosamente esperado novo filme de Andrea Tonacci já ia adiantado. Gramado, para mim, começava sem filmes – o que só ajudou a piorar o meu humor. Ainda assim, esperei a sessão terminar, para observar as reações a Serras da Desordem. “Longo”, “arrastado” e “chato” foram os predicativos mais recorrentes, quase todos saídos da boca da imprensa especializada. Hora de voltar para o hotel e dormir um pouco.

Dia 2

Acordo cedo para pegar a reprise dos longas da primeira noite. Tenho de estar às 10 horas no cinema, já conformado por perder o debate com Tonacci e sua equipe, programado para o meio-dia.

Mezcal, de Ignacio Ortiz Cruz, representante do México, chegou a Gramado credenciado por vários prêmios Ariel (inclusive o de melhor filme). Embora tenha suas qualidades, no geral o filme decepciona. Cheio de referências e citações, que vão de Malcolm Lowry (À Sombra do Vulcão) a Shakespeare (Hamlet e A Tempestade), o filme parece perseguir a mesma atmosfera do Buñuel da fase mexicana, mas consegue atingir no máximo o verniz artístico de produções como Abril Despedaçado e O Veneno da Madrugada. A reincidência de algumas imagens (cortejos de anões, corvos) também remete o espectador ao cinema de Alejandro Jodorowsky. Ortiz embaralha diversas situações - o reencontro de uma mulher adúltera com o marido alcoólatra, dois primos atormentados por uma promessa de vingança, uma mãe que não quer enterrar seu filho, uma menina que embriaga o pai para que este lhe conte histórias - em um roteiro repleto de idas e voltas, em que o passado dos personagens vai se misturando ao presente. Diretor de mão pesada, Ortiz mostra, no entanto, conhecer o seu ofício. Seu filme não é nem um pouco televisivo (ou "radiofônico", como diria mais tarde Kleber Mendonça Filho a respeito de certos filmes brasileiros), e faz uso eficiente de gruas, plongées e planos-seqüência. A melhor coisa é a fotografia, na linha preto & branco em cores, assinada por Serguei Saldívar Tanaka - que lembra o trabalho dos fotógrafos Diego Martínez Vignatti e Thierry Tronchet em Japón, de Carlos Reygadas, filme cuja repercussão, pelo jeito, segue ecoando pelo cinema mexicano. Mais tarde vou descobrir que a recepção entre os jornalistas foi discreta. Certamente porque o nível de exigência em relação aos filmes latino-americanos é sempre maior. Se Mezcal fosse uma produção brasileira, seria melhor aceito. Mas com Ruy Guerra à frente do júri, Ortiz deve sair com algum prêmio.

Em seguida, tem início a projeção de Serras da Desordem, que marca o retorno de Andrea Tonacci ao longa-metragem em 35mm mais de três décadas depois do cultuado Bang Bang (1970). Para mim, que sou fã de Tonacci, e em 2001 havia organizado uma retrospectiva completa de seus filmes em Porto Alegre, Serras é o filme mais aguardado de Gramado. Equivocadamente classificado por espectadores apressados como um documentário, ou “docudrama”, Serras da Desordem é uma ficção que reencena a incrível história real do índio Carapiru, que depois de ver sua tribo dizimada perambula durante anos pela floresta, até chegar a um vilarejo onde mais tarde será resgatado pela Funai. Depois de ganhar as manchetes de jornais, Carapiru reencontra – por um acaso digno de melodrama hollywoodiano – o filho que havia perdido e retorna para sua antiga tribo. Lá, não consegue se adaptar e volta à floresta, onde encontra Tonacci esperando para filmá-lo. Enquanto observa seu (nosso) mundo ruir, tragado pela civilização, Carapiru descobre-se à margem de tudo. O único lugar que lhe restou é o cinema. Filme de rara complexidade, que coloca em xeque tanto o estatuto do documentário quanto o da ficção, Serras da Desordem é uma obra-prima, sobre a qual muito ainda se deverá falar. Gramado não poderia ter começado melhor. Resta a dúvida se o festival o compreenderá. Pelo que se ouviu ontem, boa parte da imprensa especializada já mostrou que não o compreendeu.

Pausa para almoço rápido e já é hora de voltar para conferir o longa latino do dia, o boliviano Di Buen Día a Papa, de Fernando Vargas. Em um vilarejo onde Che Guevara esteve enterrado durante 30 anos, acompanhamos os dramas de três mulheres de uma mesma família (avó, mãe e filha). Houve quem gostasse, mas esse é o tipo de filme que parece ter sido feito para ser exibido no Acampamento da Juventude do Fórum Social Mundial. Difícil entender como Pablo Trapero, um dos produtores, foi cair nessa roubada. O cinema não está mesmo fazendo justiça ao companheiro Che. Mas quem não gostou de Diários de Motocicleta vai sentir saudades do filme de Walter Salles.

O pior, no entanto, estava por vir. Sonhos e Desejos, de Marcelo Santiago, com “produção artística” de Fábio Barreto, foi o segundo longa da competição nacional. O diretor deve ter visto Cabra Cega e Os Sonhadores e resolveu fazer algo na mesma linha. Durante a ditadura, confinados em um “aparelho subversivo”, se estabelece um triângulo amoroso entre um professor de literatura (Felipe Camargo), sua aluna (Mel Lisboa) e um bailarino guerrilheiro mascarado (Sérgio Marone), apelidado de “gueirrilheiro” por alguns colegas da imprensa mais espirituosos. Um filme inaceitável, que compromete totalmente a nova proposta curatorial estabelecida por José Carlos Avellar e Sérgio Sanz para Gramado. Depois de buscar dinheiro público no Ceará (Bela Donna) e no Rio Grande do Sul (A Paixão de Jacobina), agora o estado eleito pelos Barreto é Minas Gerais. O resultado, mais uma vez, ultrapassa o constrangedor.

A terça-feira marcou também o início da mostra competitiva de curtas-metragens em 35mm. Foram três títulos, Vermelho Rubro do Céu da Boca, de Sofia Frederico, O Sr. e a Sra. Martins, de Laine Milan, e No Princípio Era o Verbo, de Virgínia Jorge. O primeiro, além da presença de Paulo César Pereio no elenco, tem como único interesse o fato de trazer o plano final mais esdrúxulo da história do cinema brasileiro. Alguém duvida? Então vejam e depois a gente conversa. O segundo recicla Morte, aquele curta de José Roberto Torero sobre um casal de velhos (Paulo José e Laura Cardoso) que preparava sua morte. Aracy Esteves e Homero Kossac vivem um casal que ensaia sua viuvez. O interesse, infelizmente, repousa apenas no fato de ser um curta produzido em Santa Catarina, estado de produção cinematográfica quase inexistente. A salvação da noite veio com o belo curta de Virgínia Jorge, com Emiliano Queiroz à frente de um elenco de atores fabulosos (e pouco conhecidos), e não-atores. Rodado em preto e branco, No Princípio Era o Verbo é um delicioso exercício sobre os movimentos lúdicos de um grupo de personagens (dois cegos jogam par ou ímpar, um menino anda sob uma caixa de papelão) reunidos em um bar. Queiroz já sai disparado na disputa pelo Kikito de melhor ator. E junto com Serras da Desordem, as imagens do curta de Virgínia Jorge ficam como saldo positivo de um dia muito cansativo.

Dia 3

Depois da maratona de ontem, o dia promete ser mais calmo. Na competição latina, é dia de O Que Você Faria?, de Marcelo Piñeyro. Quem diria que um cinemão financiado por saudáveis euros espanhóis me daria duas horas de tanto prazer. Confesso que adoro Kamchatka (2002), o filme anterior de Piñeyro (execrado por muita gente), mas não tinha maiores expectativas em relação a O Que Você Faria?. Piñeyro propõe um interessante olhar sobre o inferno do mundo do trabalho em tempos de globalização e, para isso, conta com o suporte de um excelente grupo de atores (prêmio de atuação coletiva? Pode ser, embora Gramado não tenha esse hábito). Que o trabalho é um tormento para a maior parte das pessoas, isso ninguém contesta. O curioso é que são poucos os realizadores a encarar o tema. Será por que existe uma crença de que as pessoas vão ao cinema para se divertir e, portanto, um assunto tão áspero deva ser evitado? Por ora, resta dizer que este é o melhor candidato latino até aqui – mesmo que uma revisão pode me fazer mudar de idéia. Mas como diz Jean-Claude Bernardet, nada é capaz de substituir nossa primeira impressão de um filme.

Na competição nacional, é a vez de Anjos do Sol, longa de estréia de Rudi Lagemann sobre o drama da prostituição infantil no Brasil. Hoje um diretor publicitário reconhecido no centro do país, Lagemann teve papel fundamental no cinema gaúcho na década de 80, participando ativamente do ciclo de longas em Super-8 realizados no estado (Deu Pra Ti Anos 70, Inverno, Coisa na Roda). Sua turma era o pessoal que acabou dando origem à Casa de Cinema, produtora que dispensa apresentações. Era natural, portanto, que a expectativa em torno de seu filme fosse grande, especialmente para os espectadores gaúchos familiarizados com o seu trabalho. Apesar de bem intencionado, o filme se perde numa narrativa repleta de clichês, pontuada pela incessante entrada em cena de um grupo de vilões de novela mexicana. Mesmo atores tarimbados como Chico Diaz, Vera Holtz e Otávio Augusto se perdem em atuações caricaturais. E se há algo que não combina com um tema como a prostituição infantil é a caricatura e o clichê. Ainda assim, as atrizes Fernanda Carvalho, Bianca Comparato e Mary Sheila imprimem alguma energia positiva ao filme. Comparato, especialmente, no momento em que sua personagem se dá conta de seu trágico destino, consegue emocionar. Sentimento logo bombardeado pelo diretor, que sabota sua cena com uma trilha sonora completamente equivocada. Quem quiser uma visão menos naïf  (vamos dar um voto de confiança ao diretor e acreditar que ele pecou por ingenuidade e inexperiência, e não por cabotinismo) sobre o tema, vá a Iracema, de Jorge Bodansky e Orlando Senna, recém lançado em DVD.

Entre os curtas, a melhor surpresa foi Alguma Coisa Assim, de Esmir Filho, que chegou credenciado pelo prêmio de melhor roteiro na Semana da Crítica do Festival de Cannes. Um casal de amigos supostamente gays cai na balada, mero pretexto para o diretor mostrar que em matéria de sentimento e sexualidade tudo é possível. A química entre os atores André Antunes e Caroline Abras é perfeita, neste curta de tempo exato, que explora o silêncio e a entrelinha com muita sensibilidade. Um nome a se olhar com atenção no futuro. De Glauber para Jirges, de André Ristum, tem seu maior interesse nas inéditas imagens de arquivo de Glauber Rocha, que aparece em uma série de filmes familiares feitos por Jirges Ristum, amigo de Glauber e pai do diretor. Já O Quintal dos Guerrilheiros, de João Massarollo, mostra três adolescentes que se reúnem para queimar livros e discos que poderiam ser considerados material subversivo pelo governo militar. Com diálogos de obviedade ululante O Quintal dos Guerrilheiros é prejudicado por um didatismo que subestima a inteligência do espectador mais mediano.

Dia 4

A mostra competitiva latina tem seu grande dia com El Violin, de Francisco Vargas Quevedo. Produção mexicana premiada em Cannes, é um filme que tinha tudo para dar errado e deu muito certo. Com belíssima fotografia em preto e branco, que a alguns pode remeter às imagens de Sebastião Salgado e sua estetização da pobreza, El Violin acaba seduzindo pela rigorosa encenação de Quevedo e pelo virtuosismo de seu elenco. O velho ator Don Angel Tavira (também premiado em Cannes) é impressionante, assim como o menino, cujos big closes lembram a expressividade do garoto Apu da trilogia de Satyajit Ray. A única coisa desagradável é que, depois desse filme, e de já termos visto Mezcal, Di Buen Dia a Papa e Anjos do Sol, saímos com a certeza de que a América Latina não passa de um pueblito miserável perdido no meio do nada.

Para acentuar esse sentimento, nada melhor do que Atos dos Homens, de Kiko Goifman, o longa brasileiro concorrente do dia. Mergulho infernal no interior de uma metrópole brasileira em permanente estado de guerra civil, Atos dos Homens se impõe desde já como um dos momentos maiores do documentário brasileiro recente. Um filme incômodo, que interpela o espectador e exige sua participação para ganhar sentido (a tela branca durante parte dos depoimentos é opção das mais felizes, embora tenha sido acusada de maneirismo por certos colegas da imprensa). Parece um título totalmente deslocado em Gramado. Estará mesmo o festival mudando?

Entre os curtas do dia, o destaque é Manual para Atropelar Cachorro, de Rafael Primo. Ótima adaptação de um conto do escritor Daniel Galera (que acaba de ter seu primeiro romance filmado por Beto Brant), o filme tem um ritmo vertiginoso, mantido com mão firme pelo diretor, que também reservou para si o papel do cínico funcionário de uma videolocadora que sai a atropelar cachorros pela noite paulista. Entrando firme na disputa pelos principais prêmios da categoria, Primo atropelou os outros curtas da noite, Dos Restos e das Solidões, de Petrus Cariry, Distúrbio, de Mauro D’addio, e Fúria, de Marcelo Lafitte. Este último, inspirado em João Gilberto Noll (A Fúria do Corpo), deixou pelo menos a lembrança do tour de force de sua dupla de atores, Paulo Vespúcio e Joana Seibel, cuja entrega realmente impressiona, devendo ser considerada pelo júri.

O filme que provocou maior alvoroço no dia foi, no entanto, Wood & Stock – Sexo, Orégano e Rock’n’Roll, de Otto Guerra. Exibido hors concours à meia-noite (depois de ser inexplicavelmente preterido pelos curadores em favor de Sonhos e Desejos), o longa de animação do gaúcho Guerra teve recepção calorosa em sua terra natal, repetindo o que tem se visto em outros festivais. Apesar de ter problemas (de roteiro, especialmente), Wood & Stock consegue estabelecer uma legítima comunicação com o público, especialmente se a platéia estiver tão turbinada quanto se viu aqui. Tem tudo para fazer sucesso quando chegar aos cinemas.

Dia 5

Último dia da competição, que começa com o argentino Cuatro Mujeres Descalzas, de Santiago Loza. Vencedor do Festival de Rotterdam em 2004 com Extraño, seu longa de estréia, Loza realiza um segundo filme que chama a atenção pela economia e rigor de sua construção. Com quatro grandes atrizes, dispostas no plano como se fossem bailarinas em uma coreografia de Pina Bausch (influência visível, mais tarde confirmada por duas das atrizes presentes em Gramado), Cuatro Mujeres Descalzas é o tipo de filme que não se entende por que catzo não é praticado no Brasil. Uma produção barata, com elenco reduzido e poucas locações, mas encenada por alguém que encara o cinema como uma forma privilegiada de expressão e não um trampolim para se inserir no “mercado”. Loza, Lucrécia Martel, Lisandro Alonso e Pablo Trapero são nomes que mostram que o cinema argentino conta com um grupo de realizadores para quem dirigir um filme implica antes de tudo num posicionamento estético. Postura um tanto quanto rara por aqui. Ficou como o meu favorito entre os latinos.

Pro Dia Nascer Feliz, de João Jardim, foi o filme que claramente provocou a reação mais calorosa do público presente ao Palácio do Festivais - uma recepção que desde logo pode credenciá-lo como favorito da competição nacional. De formato convencional, o documentário de João Jardim tem como maior mérito o fato de debruçar-se sobre o caos educacional do Brasil, assunto inexplicavelmente ignorado por nossos realizadores. Embora tenha personagens interessantes, o diretor parece ter se perdido em meio ao vasto material que tinha em mãos. Os diferentes episódios se sucedem de forma meio truncada, dando, em alguns momentos, a impressão de que a ordem dos rolos foi trocada. A influência de Coutinho é visível, como também é certo que Coutinho, com um tema desses na mão, faria chover. Ainda assim, um filme necessário, nem que seja para estimular outras abordagens e investigações.

Entre os curtas, o melhor da noite foi Beijo de Sal, de Felipe Gamarano Barbosa, sobre a confusão de sentimentos envolvendo dois amigos que se reencontram em situações diferentes de suas vidas. Uma investigação sensível sobre a masculinidade, cujas sutilezas passaram despercebidas pela maior parte dos espectadores. O Anjo Daltônico, de Fábio Rocha, trouxe o velho “olhar novo” sobre o Nordeste, e passou batido. E Quando o Tempo Cair, estréia na direção de Selton Mello, tem seu maior trunfo na atuação de Jorge Loredo, voltando ao cinema em grande forma e em chave dramática – uma barbada para prêmio de melhor ator. Além do prazer de ver o grande Loredo de volta à tela grande, o curta, a exemplo de O Que Você Faria?, aborda o mundo do trabalho e suas crueldades habituais. O vai e vem de Loredo pela ruas vazias da cidade em busca de emprego fica como uma das imagens marcantes desse festival.

Dia 6

Reunião do júri da crítica ao meio-dia, com resultado decepcionante. À noite, comento a premiação para o Canal Brasil, ao lado de Maria do Rosário Caetano. Transmissão ao vivo, com todos os riscos e micos possíveis para quem não é do ramo televisivo. Inconformado com a decisão do júri da crítica, que preteriu Tonacci a favor de Pro Dia Nascer Feliz, me sinto meio envergonhado pela classe. Se Gramado quer mudar, a crítica revela, com sua inexplicável decisão, que prefere que ele continue ruim como tem estado. O júri oficial, em que pese seu perfil conservador, e apesar de algumas decisões equivocadas (melhor atriz para Mel Lisboa, melhor montagem para Anjos do Sol), terminou se revelando mais sábio que a crítica, elegendo Tonacci o melhor diretor e Serras da Desordem o melhor filme (dividido com Anjos do Sol). Melhor seria não dividir, evidente, mas pelo menos eles não ficaram cegos à importância de Serras.

* * *

Para mim, Gramado 2006 termina com um saldo positivo. Há sim uma vontade de mudar o perfil do festival, vide a escalação de Serras da Desordem e Atos dos Homens. Curioso é que alguns dos críticos mais ferrenhos do evento foram os mais resistentes a estes filmes. Gramado precisa tomar outros rumos, mas também não vamos exagerar, eles parecem dizer. De resto, confesso que começa a me irritar um pouco o fato de que virou um lugar-comum falar mal de Gramado. Basta dar uma olhada nas seleções de outros festivais de cinema espalhados pelo país e vamos descobrir que os filmes concorrentes não são tão maravilhosos assim. Tem tapete vermelho, fãs histéricos e dá matéria no Jornal Nacional? Tem. Mas é um festival que na última década contribuiu para colocar em cena novamente nomes fundamentais como Eduardo Coutinho (Santo Forte) e Domingos de Oliveira (Amores, Separações, Carreiras). E não recusou Serras da Desordem, como o seletivo Festival de Brasília fez no ano passado.


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