Duro de Matar 4.0 (Live Free or Die Hard),
de Len Wiseman (EUA, 2007)
por Paulo Santos Lima

O último grande herói (e seus carros)

A começar por seu título no Brasil, vemos que o carro é um dado valioso em Duro de Matar 4.0. Um clássico dos filmes de ação, mas também peça sanguínea em inúmeras produções da história do cinema (Operação França, Viver e Morrer em LA e Fuga Alucinada nos action movies, Christine no terror B, Encurralado no suspense, mas também Crashde Cronenberg e vários Godard), o automóvel é a mais interessante presença neste quarto episódio da célebre série que John McTiernan iniciou tão bem em 1988.

É ele quem justifica o modo de estar no mundo de John McClane (Bruce Willis), “um homem do relógio de corda na era do digital”, como mais ou menos diz em algum momento um dos vilões. Essa profecia a favor da não-alta tecnologia é um dado anterior a este longa dirigido por Len Wiseman – assim como já é sabido que McClane usa seu corpo para driblar balas e acertar bandidos, tudo em prol da justiça e defesa de sua família. São dados anteriores a este quarto filme, que pedem o conhecimento das outras três fitas.

Indo ao filme, o que temos não é pouco como seqüências de ação, mas também nada que seja diferenciado, memorável, que seja um universo diegético bem construído e orquestrado (como, por exemplo, Cassino Royale ou Missão Impossível 3). Ponto de partida mais que clássico: McClane (o tough guy durão, à antiga) meio que amarga sob as virtualidades das novas tecnologias e o desprezo de sua rebelde filhinha adolescente. Terá de proteger um hackerzinho meio pilantra, mas boa gente, e combater uma gangue de terroristas virtuais – aliás, muito bem apresentada na seqüência inicial, que, em meio aos créditos, mostra suas ações que beiram a completa abstração, a desse mundo de nerds da informática. Ou seja: em poucos minutos temos um painel sobre o mundo contemporâneo.

Nesse contexto virtual, o que há de palpável é o universo de McClane, com armas de fogo, músculos (fracos, mas devidamente escondidos pelas roupas, já que o Willis passa de seus 50 anos) – e, sim, claro, os carros. É com eles que estão as melhores seqüências do filme, que constroem um sentido com ótima decupagem e balé de câmera, chegando à comédia pelo impossível das situações, como levar um carro contra uma mureta e fazê-lo voar contra um helicóptero inimigo. É o típico frenesi de ação hollywoodiano – o que é muito bom, mas que, sem um dado a mais na imagem ou argumento, só é mais um produto da indústria, meio sem cheiro, meio anônimo, só confirmando que há nos EUA um time de artesãos de primeira; ou seja, operários.

Seria desonesto não salientar, contudo, esse quase “cinema de corpo” que Bruce Willis e os carros e outras maquinários físicos, metálicos (aviões F-35, metrancas, cabos de aço), fazem. As imagens, aqui, tornam-se portadoras de uma questão notável: a tecnologia virtual regendo o coletivo. Um carro é, agora, apenas um carro, mas as imagens criadas pela informática podem fazer o inferno na Terra, como nos mostra a ótima seqüência na qual a Casa Branca é destruída falsamente pelos terroristas e a mensagem que os mesmos enviam, discursando sobre o status infernal criado pela política norte-americana através de uma montagem com vários presidentes, de Nixon a Bush.

Não só, o filme mostra que a ameaça é cria da casa, que o próprio sistema gera sua própria destruição, pois o grande vilão da história não é estrangeiro, e, em passado recente, trabalhara para o Governo dos EUA no pós-11 de Setembro, criando um sistema de segurança monstruoso, bem sintonizado com que as autoridades queriam para se proteger contra a suposta ameaça estrangeira — tão virtual quanto os sistemas informáticos. Um pertinente cenário, este, mas diluído diante da preocupação com McClane, cujo drama pessoal só interessa de fato a quem já conhece sua passagem pelos três longas anteriores. Um filme pode até dialogar, mas não se escorar em outro (e a melhor prova está no Kill Bill que Tarantino filmou numa tacada mas acabou partindo-o em dois, sem que o volume 2 precisasse necessariamente do 1 para ser um grandessíssimo filme – e vice-versa).

Enfim, o problema neste Duro de Matar 4.0 está em certa diluição geral, pois o drama de McClane não consegue espaço na avalanche de acontecimentos. Nem como retrato de um ator lutando contra a crise ele se faz vigoroso (algo que, por exemplo, O Último Pistoleiro fez com os últimos dias de John Wayne e o próprio McTiernan fizera com o excelente O Último Grande Herói, no qual põe em debate o papel de persona infalível de Schwarzenneger). Duro de Matar 4.0 pode até ser um sensível retorno de um Bruce Willis mais iluminado na seara da ação, mas a exigência da bula que tem de ser lida previamente (lê-se os outros Die Hard) atesta que a vida de McClane não tem imagem à sua altura neste quarto episódio, que só se faz interessante em alguns raros momentos, quando o herói faz o impossível com os carros. O que não deixa de ser um retorno aos anos 80, década na qual os automóveis ganharam alto status nos filmes de ação. Os autos e Bruce Willis, claro.

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